Parte Um | #eraumavez

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Puta-que-pariu.

Esse foi o pensamento que tive ao acordar e dar de cara com um pôster com o rosto sorridente da minha mãe e letras amarelas brilhantes que diziam "PROMOÇÃO DE COLCHÕES SONEQUINHA" a uns três metros de distância de onde eu estava deitado.

Fora o marketing mais agressivo que eu já tinha visto, aquilo me fez ter noção de onde eu estava: na vitrine da loja Bons Sonhos, cuja proprietária é a senhora Sandra Mesquita, que atende como "mãe" para mim e como "Rainha dos Colchões" para o estado inteiro. E esse é o motivo pelo qual, embora meu RG conste expressamente Carlos Eduardo Mesquita, sou chamado de "Princesa" desde que eu tinha uns oito anos, o que nunca me incomodou, embora eu tenha sugerido para os meus amigos que Cadu seria um ótimo apelido para mim. Não colou.

Tudo o que eu me lembrava era de estar em um bloco de Carnaval, uma chuva torrencial e de ter entrado ali para me abrigar.

De toda forma, ali estava eu.

Esticado no melhor colchão da loja, com bafo de cerveja velha, vestido de princesa e ressonando tranquilamente como se minha mãe não fosse me matar por a) não ter voltado para casa na noite anterior b) ter dormido na loja e c) estar estragando sua vitrine. Não necessariamente nessa ordem.

Olhei em volta para tomar ciência da minha atual situação.

Ainda estava vestido de princesa, com um tutu amassado (eu achei que era mais coisa de bailarina, mas Guilherme jurou que ninguém ia perceber a diferença), um collant de paetês cor-de-rosa, uma coroa de plástico sobre o colchão e um par de saltos plataforma – bem, tecnicamente não um par, já que eu só sabia onde estava um dos pés.

As portas de entrada ainda estavam fechadas, porém, já estava claro e tinha gente transitando na rua (algumas rindo e apontando para o vidro), o que fazia com que minhas chances de que minha mãe não soubesse que eu estive dormindo em sua vitrine fossem praticamente nulas. O que não me impediria de tentar esconder a qualquer custo, no entanto.

Levantei em um ímpeto já planejando a melhor forma de catar cada parte da minha fantasia que não estava em mim, arrumar a cama e deixar a loja, mas acho que fiz isso rápido demais, porque só não caí no chão porque alguém me segurou.

Embora eu provavelmente devesse estar pensando sobre ressaca, labirintite ou hipoglicemia (três justificativas plausíveis para tontura, no meu caso), eu só conseguia pensar "Deus permita que não seja a minha mãe".

Prioridades.

— Ei, Princesa, vai com calma! — Reconheci a voz suave de Luísa, uma das funcionárias da loja, ao mesmo tempo em que seus braços me envolviam do jeito torto que ela conseguiu para que eu não caísse.

De alguma forma, ela tinha conseguido me colocar sentado na cama enquanto minha cabeça girava e minhas costas doíam como se eu tivesse dormido em cima de um pedregulho. Demoraram alguns segundos para que eu conseguisse focar minha visão nela – os cabelos castanhos escuros estavam presos em um rabo de cavalo, os olhos atrás do costumeiro par de óculos e a camisa do uniforme azul da loja, que mesmo sendo do menor tamanho, ainda parecia comprida nela. E, caralho, ela sempre era tão bonita!

— Que horas são? — Perguntei, levemente desesperado pelo fato de já haver funcionários.

— Sete e trinta e dois. — Ela disse, após averiguar no relógio de pulso.

— E o que você está fazendo aqui tão cedo?

— Essa é realmente a pergunta importante aqui, Cadu? — Perguntou, erguendo as sobrancelhas. — Como você veio parar aqui?

#PrincesaProcuraErvilha (Concluído)Onde histórias criam vida. Descubra agora