A Saga do Cangaceiro Nardinho

2 - O início da vida de Cangaceiro

Quando Bernardo completou onze anos, certo dia de domingo, um grupo de volantes invadiu seu casebre e matou José Cardoso depois de muito espancamento, só por diversão. Agrediram Josefina com estupro e pancadaria. Agrediram Bernardo que chegou a desmaiar em razão da pancadaria, e dois de seus dedos da mão esquerda foram quebrados, só por maldade. Miriam foi abusada também, apanhou menos, algumas escoriações pelo corpinho, mas não chegou a quebrar qualquer osso. Tanto Josefina quanto José Cardoso suplicaram por misericórdia, para que seus filhos não sofressem maldades e espancamentos, mas não foram atendidos, os homens gostavam de sadismo, malvadeza e de sexo.

Dois dias depois, Raimundo e seu grupo chegaram ao sítio de José Cardoso e encontraram o sítio devastado, os animais estavam soltos e o casebre em silêncio. A algumas centenas de metros da casa, Raimundo percebeu que havia algo errado e invadiu a casa de armas em punho. Encontrou José Cardoso estirado no chão, morto a tiro, depois de ter sido muito espancado, seu rosto e seu tórax muito ensanguentados. Josefina estava morta também, com a garganta cortada e, também, espancada. Procurou pelas crianças e foi encontrá-las distante da casa, encolhidas junto ao pé de jaca. As duas crianças estavam deitadas no chão, dormindo, muito machucadas pelo espancamento brutal que sofreram. Acordou as crianças e retornaram para casa. Ordenou a seus homens que sepultassem o casal, pegou vários animais e partiu levando as crianças. Raimundo disse:

— Dois de vocês providenciem as covas para o casal e os enterrem, com muito respeito. O resto vem ajudar-me a pegar alguns animais para a gente levar para o acampamento e você, Bira, fica cuidando das crianças.

Depois de três horas, partiram de volta, rumo ao esconderijo do bando de Lampião. Pelo caminho, Raimundo disse a Bernardo:

— Menino, a partir de hoje vou ser seu padrinho, vou cuidar de você. Você vai viver na minha tenda com minha mulher e eu. Você vai fazer parte da minha família, já que não tenho filho, então você vai fazer a vez de nosso filho. Tá certo?

Bernardo respondeu todo envergonhado, quase chorando, pois as dores da mão ainda eram muito fortes:

— Está certo, "seu" Mundinho. Muito obrigado por me acolher e amparar.

Dois dias depois, Raimundo e seu grupo chegaram ao esconderijo, deixaram os animais e, também, Bernardo. Este ficou aos cuidados de Mirtes, companheira do cangaceiro. Mirtes cuidou dos ferimentos do garoto passando vários unguentos nas feridas, assim como cuidou da mão machucada, amarrando os dois dedos, depois de esticados e aprumados, em uma pequena madeira, de maneira a imobilizá-los. Mirtes deu vários chás de ervas para aliviar as dores do menino. Raimundo e mais três amigos cangaceiros seus pegaram a Miriam e levaram-na para um casal de amigos, distante sete léguas, para cuidar dela.

Bernardo chegou ao esconderijo de Lampião e não falava nada, ou melhor, muito poucas palavras foram ouvidas de sua boca, nem tampouco choro. Bernardo dormia próximo a Raimundo, em sua tenda, juntamente com a Mirtes; Raimundo havia se declarado seu padrinho, responsável por sua vida. A cada três ou quatro horas, Mirtes dava um remédio para Bernardo, era para reduzir as dores, um analgésico de ervas. Somente depois de mais de um mês, foi que Raimundo perguntou o ocorrido na casa de seu pai, José Cardoso. Depois de muita conversação, Raimundo conseguiu que o menino soltasse a língua e relatasse o ocorrido. Assim que Bernardo terminou de contar a história, Raimundo prometeu-lhe a cabeça dos assassinos de seus pais:

— Nardinho, vou assuntar por aí e descobrir quem fez esta malvadeza, depois vamos caçá-los e vingar-nos do que fizeram com seus pais. Esta é uma promessa que faço a você, meu filho. Pode demorar o tempo que for, mas vou descobrir quem fez e vamos fazê-los sofrerem.

Bernardo respondeu vergonhosamente:

— Obrigado, padrinho. Fico contente que o padrinho se importa com meus pais, comigo e com minha irmã. Sei que o padrinho vai me ajudar até eu crescer.