O Foguete e a Lua (capítulo único)

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Foi naquela maldita boate pequena e extremamente abafada que tudo começou, Doutora.
Não entrarei em muitos detalhes no que irei escrever agora, apesar de precisar detalhar o que me encantava. Pequenos gestos. Características... Há coisas nessa vida que são boas demais... Mas você, sendo médica, lidando com vidas todos os dias, sabe que nem tudo são rosas. A maioria das situações são tenebrosas. Sombrias...
Enfim.

Naquela manhã de Sexta, eu havia acordado super atrasado. Saltei da cama praticamente já encaixando um dos pés num dos pares do tênis enquanto procurava o outro com as pontas dos dedos do outro pé. O maldito estava em baixo da cama. Lá pro fundo. Inferno!
Do portão pude ouvir o som horroroso do ônibus e corri. Pude perceber o motorista virar o rosto, fechar a porta e pisar no acelerador. Meus pulmões gritavam enquanto eu já não pensava em mais nada enquanto observava o veículo indo embora. Senti um leve formigamento nas pontas dos dedos e um tremor tomando conta do meu diafragma. Me sentei, puxei o maço de cigarros do bolso e acendi um. O tremor parou, o formigamento também. Motorista dos infernos.

No trabalho, havia ligado para um senhor de idade e o apresentei a empresa. Lhe passei todas as informações sobre nossos serviços e comprometimento. Perguntei se havia interesse e a resposta que obtive, na verdade, foi uma pergunta.

- Você é bicha? - A pergunta sem nexo me fez balbuciar. Olhei para os lados e repeti tudo que havia lhe dito sobre a empresa. - Você fala igual uma. -Ele voltou a dizer e riu, logo em seguida teve um ataque de tosses inacabável. Hesitei dizer sobre tuberculose (ou algum vírus mortal) para não deixar passar batido a falta de respeito do velho. Queria o provocar. Mas estaria colocando o meu trabalho em risco... Não deixaria a atitude ridícula daquele senhor atrapalhar a minha vida. Iria deixar passar, como deixei passar muitas coisas que já me aconteceu. Quer dizer... Algumas ainda me atormentam.

- Tenha um ótimo dia, senhor. - Eu havia dito baixo, em seguida bati o telefone, o desligando. Respirei fundo e só pensava em um cigarro entre meus lábios secos, amassado, queimando, a fumaça adentrando meus pulmões e me trazendo a paz. Que nunca tive.

Naquela noite, saindo do trabalho, decidi ir a uma boate sem os colegas do serviço. De mochila e tudo. Entrei, caminhei até o balcão e pedi uma longneck. Estava tinindo. Tinha total certeza que aquilo iria gelar minhas entranhas e me permitir relaxar. Avistei uma mesa e me sentei.

Pouco menos de vinte minutos ele chegou. Sem aviso prévio, sem um pedido de licença. Só apareceu. Caiu ali como uma semente caindo de uma árvore e atingindo nossa cabeça em total distração.

- Você está só? - Ele perguntou, com aqueles olhos lacrimejando e seu rosto moreno suavemente corado. Deixando nítida a sua leve embriaguez. Eu abri os braços com o cigarro entre meus dedos e respondi: - Como um foguete indo de encontro ao céu. - Não sabia de onde havia tirado essa metáfora, mas decidi seguir adiante com ela.

Ele riu, mas não entendeu, obviamente. Aquela risada dos infernos penetrou minha espinha e subiu eletrizando todo o meu sistema nervoso, fazendo com que eu me inclinasse um pouco mais para frente.

- Como assim, um foguete?! - Ele perguntou erguendo uma das sobrancelhas. - Você não é um foguete. - Ele finalizou, ainda com um ponto de interrogação pairando sobre a sua cabeça.

- Bom... Foguetes... Eles são complexos. Peça por peça, cada detalhe. Fios. Desde o mecanismo até a carcaça. - Dei uma pausa pra dar um trago profundo no cigarro. Pensando em uma maneira para continuar com essa ideia. De onde diabos eu tirei foguetes? Com certeza ele iria se entediar e ir embora. Muitas pessoas fizeram isso e não iria me surpreender caso ele desse as costas instante e fosse embora torcendo o nariz, arrependido por me chamar na esperança de que eu fosse alguém sutilmente bom e de fácil comunicação. - Cada peça é um momento da minha vida. Seja bom ou ruim. De peça em peça o foguete vai sendo feito. Até que ele esteja pronto pra partir. - Finalizei, soltando a fumaça pelas narinas.

O Foguete e a Lua - A Breve História De Ethan & EdmundOnde histórias criam vida. Descubra agora