Capítulo I

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O medo tomava conta de mim com a mesma proporção em que a coragem me impulsionara a comprar aquelas benditas passagens. Lauren e eu não estávamos muito bem ultimamente. Tínhamos brigado, eu acho... Bem, ela sabia ser confusa às vezes. Conservar um relacionamento virtual por tanto tempo, como nós duas fazíamos, era complicado. Eu já estava ficando cansada de esperar. Ela parecia aborrecida e evasiva nos últimos tempos, isso me enervava. Ainda conseguia me lembrar vividamente da última conversa que tivemos e que também serviu para nosso desentendimento.

                                                                 "Lauren está digitando..." 

O aviso da caixa de mensagens instantâneas me faz tamborilar os dedos sobre a mesa, ela parece querer aumentar minha ansiedade apenas para se divertir às minhas custas. Por que toda essa demora para responder? A raiva sobe à minha cabeça tão rápido quanto o afeto que me toma quando ela fala alguma frase bonita. 

- Camila, você tem certeza de que vai sair hoje? - Meu olhar fita a tela do computador com incredulidade latente. Ela leva mais de 5 minutos pra digitar 9 palavras? Lauren só podia estar de brincadeira comigo. 

- Tenho plena convicção.. - Respondi de má vontade. 

- Acho que não tem nenhuma necessidade... - Ela estava jogando comigo.

- Você não confia em mim? - Devolvi em desafio.

- Claro que confio, só não confio nessa mulher. - Lauren estava com ciúmes, isso não era comum.

- Que mulher? - Respondi ainda com raiva, me fazendo de desentendida.

- Você sabe exatamente de quem estou falando, não se faça de idiota.

Fechei a cara.

Lauren Jauregui me chamou de idiota? Só podia estar querendo provocar uma discussão de propósito. 

- Estou sendo idiota agora, Lauren, ao ficar discutindo com você por causa de um assunto inútil. - Digitei com rapidez minha resposta desaforada. - Por falar nisso, estou atrasada. Depois a gente se fala.

Ela havia me irritado de verdade e agora eu estava com muita vontade de sair, de ficar a noite inteira fora de casa, dançar, me divertir. Aceitaria qualquer coisa que me fizesse esquecê-la por pelo menos um instante. Aquela dependência toda não podia ser saudável para mim, talvez não fosse para ela também.

- Camila, espera... - Desta vez a resposta dela não demorou a chegar. - Eu ainda não...

Não esperei pra ver qual seria o final da frase. 

Desliguei o computador com um apertão violento no botão. Meu rosto estava vermelho, tenho certeza. Minhas bochechas coradas, lembrando tomates e os olhos arregalados, numa irritação mal contida. Dois minutos depois meu celular começou a tocar, e nem perdi tempo olhando pelo visor, sabia exatamente quem era. Ela que se danasse. Não havia nenhum detalhe da minha vida que escondesse de Lauren, afinal estávamos nesse impasse há mais de dois anos. Nos falávamos todos os dias, em todos os momentos possíveis, como ela poderia duvidar? Não, ela não tinha esse direito. Nunca lhe causaria ciúmes de propósito, porque só a ideia de outra mulher estar dividindo o mesmo espaço que ela me deixava possessa de raiva.

Eu devia mesmo estar doente.

Minha família sempre dizia isso, mas agora não havia ninguém naquele apartamento que me recriminasse, porque estava vivendo minha vida completamente sozinha. Meu sentimento por aquela mulher  virtual se tornara tão sólido que deixara a casa de meus pais, onde nunca estaria sozinha, para viver do outro lado da cidade, em um emprego novo, com projetos novos e pessoas novas. Mas agora estava sozinha de verdade, no sentido físico da palavra. 

Por que ela não vinha me ver? 

Esta era a questão que vivia atormentando minha mente há mais de um ano. 

Meus conflitos foram empurrados para longe junto com o som da campainha. Era minha amiga de infância, Dinah. Era também a pivô da discussão com minha namorada virtual, porque Lauren sabia que Dinah vivia procurando romances para mim e dizia que se Lauren me amasse realmente, já teria vindo me visitar muito tempo atrás. Dinah não entendia nossa situação, não entendia nada da nossa história e eu não tinha nenhum interesse em explicar. Depois de meia hora estávamos entrando no carro vermelho chamativo de Dinah e dobrando a esquina para encontrar com alguns amigos e ela, Keana. 

Aquela discussão tinha acontecido três dias atrás e até agora nem uma palavra, nada.

Silêncio completo e absoluto.

Acima de qualquer irritação que minha amiga pudesse causar em Lauren, com certeza, a proximidade de Keana era o que mais a deixava irritada. Minha história com Keana era forte demais pra ser ignorada, tínhamos um passado juntas, mas isso não significava que a quisesse ativa no meu presente. Lauren Jauregui teria que entender isso. Mas a considerar o recente mau humor dela e a forma com que agiu em nossa última conversa, pude perceber que Lauren não entendia assim tão bem todos os pormenores que envolviam a minha antiga relação com Keana. 

                                                                                 ...

Eu estava atrasada pra aula de dança. 

Pude notar isso porque o meu despertador começou a avisar que estava na hora de sair para meu compromisso. A mudança de casa, localização e emprego acabou por obrigar-me a mudar alguns hábitos também. Agora eu tinha muito tempo livre que precisava ser preenchido de alguma maneira. Dinah insistiu que entrássemos pra uma academia de dança, ou musculação, natação ou qualquer atividade física que acabasse com meu ócio. Parecia que ela estava seguindo um cronograma pra me reerguer.

- Dinah... - Algo havia surgido em minha mente.

- O que foi? - Ela estava distraída enquanto dirigia.

- Foram eles não é?

- Eles o que?

- Meus pais! - Minha voz não saiu no tom que eu esperava.

- Camila, por favor... - Minha amiga parecia surpresa e de repente sua expressão mudou para uma de abatimento.

- Eles instruíram você para que tentasse me ajudar, certo? Por isso aquela ideia de sair com amigos do passado. - Fechei os olhos com raiva. - Levar a Keana, a insistência para começar a frequentar a academia de dança...

- Camila, é para o seu bem. Eles... - Ela interrompeu sua fala, tentando organizar seus pensamentos. - Seus pais te amam. E eu.. Eu também, você sabe disso e...

- Destrave a porta. - Ordenei em tom contido.

- Camila estamos no meio do trânsito. - Dinah começava a se agitar ao meu lado.

- Destrave ou eu vou sair pela janela. - Meu olhar era duro.

- Milla me escute... - Ela pediu mas acionou a trava que liberou a porta.

Não fiquei ali para esperar Dinah terminar de falar. Simplesmente saltei do carro e bati a porta atrás de mim. Voltei pelo caminho que tínhamos vindo e não me preocupei em pegar um táxi ou ônibus. Estava usando roupas de ginástica, então poderia caminhar para casa tranquilamente. Aproximadamente 40 minutos depois estava entrando no prédio. Atravessei o saguão sem despertar atenção e logo entrava no elevador que me levaria ao 9º andar. Meu apartamento parecia menor assim que fechei a porta. Estava cansada, minha mente estava exausta. Não conseguia entender o motivo de ninguém me respeitar. Minhas opiniões e decisões não eram suficientes para conduzir uma vida que me pertencia? 

Tinha 23 anos de idade e já estava grandinha o bastante para poder tomar o rumo que fosse conveniente para minha vida.


CONTINUA...

A Conexão- CamrenOnde histórias criam vida. Descubra agora