Capítulo 1 - Algo estranho num dia comum

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Os primeiros raios de luz maculavam o negrume do céu da manhã, trazendo o calor úmido e pouco invejável ao dia. Apenas mais uma manhã na vida monótona de um garoto órfão, que já passou seus momentos de apuro e acabou noutro tipo de vida. Belman Sigwex já tivera morado em outros lugares; distantes, além do Estreito, e não gostava muito do calor dali, deixava-o por muitas vezes ensebado, com falta de ar e atraia insetos.

Naquele árduo verão, do quadringentésimo trigésimo primeiro ano da herança de Káurea, as pessoas começavam a deixar suas moradas, bocejando, se arrumando e dando de comida aos animais de tração. Pessoas das quais o rapaz não era o melhor amigo, pelo menos não daquela rua de Mascapur, mas era onde se tinha para morar naquela metrópole abarrotada. Não que os desprezasse, no entanto, mas a maioria eram idosos resmungões ou pescadores que tinham pouco assunto interessante para partilhar.

No momento ele tinha parado para observar as naus e embarcações menores que iam e vinham. Não era uma novidade de cenário, afinal; morava ali fazia 5 anos, quase 6. Mas o motivo foi uma brisa impressionante que lhe tocou, um lugar tão quente quanto a Enseada Azul fazia esse tipo de agrado se tornar raro e apreciado. E na verdade, não foi só uma simples brisa, era algo totalmente incomum de existir em tal região. Era gelada, como se subitamente estivesse no antigo Norte, sentindo cada filete de vento lhe cortar como lâminas de neve. E assim que ela cessou, Belman voltou a sua realidade, confuso. Pensou um pouco, achando estranho, mas deu de ombros, quem seria ele para discutir o clima? Não passava de um garoto de 16 anos, que ralava numa taberna para ganhar seu pão.

Voltou a caminhar pela rua da beira-mar, e logo atravessou os 8 metros em arco da ponte de pedra sobre o canal central, que penetrava a cidade junto com gôndolas de especiarias que dividiam o caminho aquático com certa dificuldade.

A taberna na qual Belman trabalhava era um pouco afastada de Mascapur, além das casas de guarita que desenhavam o limite norte da cidade, na beira da estrada, esperando forasteiros famintos e apressados. A Tantom's tinha um certo monopólio naquela região periférica, pois qualquer outro estabelecimento que quisesse servir de concorrência falia em menos de um semestre. Isso se dava pelos prolongados estudos que o velho Tantom fez antes de abrir o lugar. Primeiro; viajantes cansados geralmente não se interessam em vasculhar o centro da cidade à procura de comida boa e descanso, isso era bem óbvio, mas ele foi um dos primeiros a ter tal epifania e por anos foi chamado e intitulado de sortudo cagão. Segundo, ao mesmo tempo em que servia de hospedaria para andarilhos, tinha seu próprio porto na Enseada Azul, logo atrás do estabelecimento, que atraia também marinheiros e pescadores de embarcações pequenas.

Assim que Belman deixou a cidade para trás não demorou a enxergá-la. Eram dois andares construídos por pedras de qualidade, irregulares para não perder o naipe rústico; ornamentos de cobre e madeira de mogno para portas, janelas e os cercados. Uma grande placa com o nome "Tantom's" entalhado pendia por cima da porta dupla de entrada, esculpida exclusivamente para chamar a atenção até dos transeuntes mais distraídos.

O dia não estava tão ruim quanto o rapaz esperava; apesar da câimbra que o acordou durante a madrugada e o calor abafante que o recebeu assim que abriu a porta para a rua, a Tantom's abrigava um número surpreendente de fregueses no período da manhã assim que ele entrou.

Acreditou ser o aniversário de alguém, dada a euforia que uma meia dúzia de homens condecorava uma moça que se sentava entre eles. De vestido verde desbotado e com um sorriso esperançoso no rosto, ela olhava os acompanhantes ao redor, triunfante e ansiosa pelo que viria. Um deles estendeu a mão que segurava uma caixa, e devolvendo o sorriso, começou a desenrolar o barbante que a prendia. A cara esticada da mulher rapidamente se desmanchou e se tornou num boquiaberto confuso.

A Caveira de LuzWhere stories live. Discover now