cinza.

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Eu sou um telespectador da minha própria vida.

Vejo os dias e as horas e os minutos correrem pelos meus olhos de cor cinza-cinza e tento não ouvir muito o que todos falam comigo. 

Era mais fácil quando eles não falavam nada, para ser sincero. Eles só esperavam algo e eu de alguma forma sabia disso e eu fazia o que eles queriam e tudo ficava bem. Muito mais simples. Mas agora eles me trancaram aqui, onde tudo tem um tom de cinza diferente e esperam que eu mude algo. Esperam que eu salve todo mundo e coloque fogo nesse prédio cinza-cinzento cor de asfalto só para dar a sombra vermelha das chamas no chão cinza de asfalto. Mal me lembro como é o vermelho. Esperam que, do dia para noite, eu descubra os super-poderes da originalidade e saiba como usá-los. Como se eu não fosse tão cinza quanto esse prédio cinza-cinzento cor de asfalto e desse chão cinza escuro e do céu tão cinza quanto e essas roupas cinzas-cinzas que somos obrigados usar. 

Eu não sei o que eles esperam de mim, porque ninguém espera que eu me revolte - mas, mesmo assim, eles também parecem querer que eu o faça. Ou que eu queria. Que eu faça algo porque quero.

Mas eu sou um telespectador da minha própria vida, então eu não faço nada. Só observo esse cenário onde tudo é meio cinza demais.

Eu sou meio cinza demais. Me encaixo aqui. 

Não, na verdade, eu sumo aqui. Totalmente invisível e camuflado. Às vezes me sinto como um camaleão; mas eu sempre fui nesse tom cinza-cinza e apenas um lugar que seja tão cinza quanto.

Tudo é meio cinza demais aqui. Costumava ser calmante. Agora é desesperador;

Tudo é meio cinza demais, até eu.

E eu sou um telespectador da minha própria vida, então eu não faço nada. Apenas observo os tons cinza-cinza passarem pelos meus olhos cinza-cinza. De novo e de novo.

Mas eu meio que sinto falta das cores.

cinza cinza cinzaOnde histórias criam vida. Descubra agora