Capítulo 5

97 23 17
                                    

Já era bem tarde quando Paulo e eu acabamos nossa pesquisa de mercado e ainda pedimos um relógio de ponto digital, para começar a dar a tal hora extra que Rafaela reclamou duas vezes. Vai demorar de dois a três meses para ser implantada, mas já está nos planos.

Ele se foi e eu ainda fiz um monte de coisa, só me tocando que precisava ir para casa quando vi que o céu estava desabando.

Eram vinte e três horas e da minha janela pude ver o pessoal da limpeza noturna saindo da empresa. Decidi fazer o mesmo, porque como diz a almoxarife assustadora, o chefe daqui não me pagaria hora extra...

Brigo com as fortes gotas de chuva, que me impediam de ver a estrada com clareza, mas reconheço uma pessoa no abrigo do ônibus e nem sei por que parei, mas fiz isso e recebi um olhar paralisante.

— Não quer uma carona? — Eu precisava falar algo, né? Mas o olhar cerrado que recebo me dá calafrios.

— Você mora dentro de Piúma, eu moro no bairro que fica para o outro lado.

— Mas não quero te deixar aqui sozinha. Entra logo, Rafaela, jamais tocaria na namorada do Camilo. Na verdade, não tocaria em mulher nenhuma... você me entendeu.

Ela sorri com sarcasmo, mas sorri.

Ufa! Porque fiquei nervoso, e acabei falando uma burrada sem tamanho. Homem nenhum tem que se achar no direito de tocar em mulher alguma, ponto final.

— Você nem de longe parece com o chefe que imaginei. — Ela entra no carro, me confundindo completamente. — Achei que você fosse um pouco mais chato do que aparenta.

— Não sou nada chato, tá? — Poxa, que orgulho da sua maturidade ao lidar com ela, Marcos.

Ela apenas sorri, afivela o cinto e me encara, como se me mandasse sair. Obedeço, claro e foco apenas no do limpador, que corria de lá para cá em meu para-brisa e quebra o silêncio pesado que fica entre nós, com seu barulho irritante.

— Você...

— Sabia...

Falamos ao mesmo tempo, nos olhamos, rimos e voltamos a olhar para frente, ainda tentando quebrar o climão.

— As damas primeiro.

— Sabia que não te conheço por escolha? Não queria saber seu rosto, para minha consciência ficar menos pesada.

A encaro rapidamente, esperando que ela me explique o que significava aquilo.

— Não sei explicar ao certo... vai ver tenho problemas com pessoas poderosas. — Ela dá de ombros e sinto que não quis falar a verdade, mas não vou ser intrometido. — O que iria dizer?

— Está com fome? Ali na frente tem um cachorro-quente que é uma delícia. Iria parar na volta, mas se quiser comer... 

— Hum... estaremos em um encontro? — Ela ri e nega com a cabeça, enquanto examina sua carteira.

— Não é um encontro, mas pago seu cachorro ou qualquer coisa que escolher comer. Lá também vende hambúrguer.

— Obrigada, mas mamãe me ensinou a não ser bancada por estranhos. — Esse sorriso dela me deixa sem chão.

Cara, ela é a namorada do Camilo. Ca-mi-lo. Seu único amigo naquela empresa.

— Não estou te bancando, só quero ter um tempo agradável ao lado de alguém interessante... além de ser namorada do Camilo, não estou te cantando.

— Sei... — E lá está ela rindo novamente. — Quer que eu não conte a ele sobre isso?

Ela está me testando? Vai cair do cavalo...

— Não vejo problema em contar, farei o mesmo amanhã. Até porque não te criaria problemas. Moramos em uma cidade pequena e não gostaria de ser o motivo de mancharem sua reputação.

Ela me encara por um certo tempo, sorri e afirma querer o lanche.

Faço o contorno no trevo, paro o carro ao lado do trailer e logo pedimos o que comeríamos. Sentamo-nos em uma mesa improvisada com bancos de plástico e ela me encarava como se eu destoasse do lugar.

Assumo que estou sempre bem-vestido, mas roupa não faz caráter. Conheço políticos que usam Armani.

— Costuma comer aqui? — Nem precisei responder àquela pergunta.

O dono da barraquinha veio me cumprimentar com um abraço, perguntou da minha família e ainda falou sobre um monte de coisas que, com certeza, só quem tinha intimidade com ele saberia.

— Espero que melhore e se precisar de algo é só falar, viu? O senhor é um dos poucos amigos que papai fez na escola. Temos que valorizar alguém com tanta fibra.

Ele volta para sua cadeira, atendendo e dando o troco das pessoas, e eu fico em meu lugar, sendo estudado por aquela mulher maravilhosamente impossível para mim.

— Aqui, tio Marcos, com bastante milho e ervilha, do jeito que você gosta. — E lá estava mais uma confirmação, fazendo-a sorrir incrédula.

— Obrigada, minha linda. Não lembrei de trazer seu sorvete, mas trago o dobro na próxima, ok?

Converso com uma das filhas do dono do trailer e Rafaela nem me esperou para comer, de tão chocada que estava.

— Quer mais um, você parece estar com fome. — Me direciono a ela, que fica sem jeito por estar me encarando.

— Está tudo bem, geralmente como rápido, mas fico satisfeita na mesma velocidade.

Até lambuzada de maionese essa mulher é maravilhosa... Caramba, Marcos, é a mulher do seu amigo.

Juro, nunca mais chamo homem nenhum de talarico. Às vezes não dá mesmo para controlar. Tudo bem que não vou cantar, ou tentar roubá-la dele, mas velho, não tem como não apreciar todo esse pacote instigante em forma de mulher.

Comemos rápido, conversamos pouco e tão logo estava parando o carro em frente à casa dela.

Era pequena, mas muito bonitinha. Acho lindo este jardim de janela e no dela tinham várias flores pequenas e coloridas. Tinham dois carros e uma moto na garagem, mas pude perceber que ela morava em um quintal dividido. Tinham mais três casas atrás da dela, tão bonitas quanto e vi que Camilo saia da primeira, com uma feição cheia de dúvida e já estou me sentindo mal novamente.

Será que vou apanhar?

Será que vou apanhar?

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


Doce Veneno - Livro 1 - Livro Completo na Amazon.Onde histórias criam vida. Descubra agora