Sonho- parte I

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Meu corpo havia se envolvido naquele sonho incomum. Seus olhos me perseguiam de alguma forma. Eu te sentia tão perto, mesmo tendo a certeza que estava a milhares de quilômetros de distância. Respirei fundo e voltei a dormir.

Sonho ON

Dessa vez eu estava andando naquela calçada movimentada. Tentava manter o equilíbrio sobre o salto fino, aquilo estava ferindo meus pés.
Vi pequenas gotículas vermelhas saindo de um pequeno corte. Estava doendo, porém, meu objetivo era chegar em algum lugar.
Olhei no relógio e nada do tempo me ajudar. Os ponteiros corriam como se competissem comigo. Esbarrei em um corpo no chão. Olhei para baixo e vi uma mão estendida. Olhei para minha bolsa e meus bolsos e não haviam míseras moedas pra oferecer. Avistei minha mão estendida e tive uma idéia.

"Que tal um café? O senhor deve estar com fome!" - Dei o copo com o líquido e um bolinho que iria acompanhar.

"Obrigada minha jovem!"

"Não há de quê!"

"Tenha um bom dia!"

"O senhor também? E você amiguinho? Está com fome também?" - Um pequeno cachorrinho estava ao lado do senhor a minha frente. Senti seus olhos triste e famintos. Abri minha bolsa e tirei de lá um biscoito. Dei na boca dele e recebi um latido como agradecimento.

"Você é uma pessoa muito boa. Obrigada por isso. Tenha um ótimo dia."

"Desejo o mesmo a vocês."

Sai do local com um sorriso enorme no rosto, de certa forma aquele ato me deixou bem comigo mesma. Olhei para o relógio e os ponteiros não paravam de correr.
Apressei o passo e andei por mais alguns minutos. Senti algumas gotas caindo sobre minha cabeça e notei que estava chovendo.
Abri o guarda chuva e voltei a andar. Dessa vez eu tinha que ser mais rápida. Aquela sensação de estar sendo observada insistia em aparecer.
Desconfiada, olhei novamente para os lados, mas meu olhar fora parado por uma cena chocante.
A chuva estava mais forte e uma mulher correia desesperada com uma criança no colo. Ela tentava de todas as formas proteger aquele pequeno ser das gotas pesadas.
Aquilo poderia o deixar doente e só de pensar, meu corpo agiu automaticamente. Corri até a moça e lhe entreguei o objeto que eu usava pra me proteger.

"Tome isso, o bebê está todo molhado e se continuar nessa chuva sem proteção poderá ficar doente."

"Obrigada moça! Mas e você? Vai ficar na chuva?"

"Não se preocupe, eu ficarei bem! Vocês estão precisando mais que eu!" - A mulher pareria pensar um pouco, mas resolveu aceitar. Entreguei o guarda chuva a ela e dei um pequeno beijo no rostinho do bebê.

"Obrigada!"

"De nada! Tenha um bom dia... seu filho é lindo!"

"Obrigada!"

Sorri gentilmente para a mulher e andei ainda mais rápido. Dessa vez não era apenas pelo atraso, mas por estar ficando cada vez mais ensopada.
Mais alguns minutos e eu já me encontrava em frente ao enorme prédio no centro da cidade. Levantei o olhar e reparei em todos os detalhes do local, era lindo.
A ideia de trabalhar em um lugar como aquele era incrível, porém, minha situação atual não me dava esperanças alguma. Cheguei até a entrada e não fui muito bem vinda.

"Você não pode entrar senhora !"

"Por que não?"

"A senhora está toda molhada e creio que não poderá entrar..."

"Tudo bem então! Tenha um bom dia!"

O homem não falou nada. Apenas olhei mais uma vez para a fachada e caminhei até um banco que ficava próximo ao local.
A chuva estava passando aos poucos e aquilo nem importava mais.
Naquele momento eu só pensava no quanto minhas condições estavam péssimas e se não encontrasse um emprego logo, tudo iria de água a baixo.
A faculdade exigia muito e o aluguel já estava atrasado. Tudo pareceu dar errado para mim, mas fui surpreendida por uma voz.

"Senhora, creio que tenha vindo para a entrevista!"

"Sim, vim! Mas o segurança não me deixou entrar!"

"Queira me desculpar por isso. O chefe me pediu para levá-la até sua sala."

"Por que ele faria isso?"

"Eu também não entendi. Só estou cumprindo ordens!"

"Tudo bem!"

"Queira me acompanhar!"

Não exitei, apenas segui a mulher até o prédio. Ela me levou até último andar e bateu em uma porta enorme de madeira.
Ouvi um 'pode entrar!' e adentramos a sala. Era um lugar tão lindo, transmitia uma paz que eu não entendi o porquê, apenas me permiti respirar aquele ar.
Porém, aquela sensação de estar sendo observada voltou como uma onda. Sai de meus devaneios apenas quando ouvi a voz de um homem, que me soou tão conhecida e tão distante ao mesmo tempo.

"Obrigada Beti, já pode se retirar!"

"Com licença!"

"Sente-se senhora....?"

"Ah! Me chamo Grazi!"

"Eu não vi sua ficha... quem faz as entrevistas é outra pessoa, mas como estava com tempo livre resolvi fazer..."

"Tudo bem senhor...?"

"Tom! Então, o que houve com você, digo, está completamente ensopada..."

"Eu só tomei um banho de chuva quando vinha para cá, nada demais!"

"Esse foi o motivo de seu atraso de quase uma hora?"

"Em partes sim..."

"Em partes?"

"Sim. Olha senhor Tom, a única coisa que consigo agora é pedir desculpa pelo atraso!"

"Eu odeio atrasos!"

"Me desculpe, não foi minha intenção!"

Sem querer acabei espirrando e sentindo um pouco de dor de cabeça.

"Desculpa! Acho que já vou então, mais uma vez, desculpa pelo atraso!"

"Eu não terminei ainda!"

"Eu pensei que..."

"Pensou errado! Você não pensou que ficaria resfriada se ficasse na chuva?"

"Eu sei, mas... Eu dei meu guarda chuva para uma moça na rua. O bebê dela poderia ficar doente se continuasse naquela situação!"

"Então você deu seu guarda chuva?"

"Era uma criança. Com certeza ele precisava mais que eu..."

"Sempre pensando mais nos outros que em você!"

"Como?"

"Nada! Pensei alto!"

"Ah, sim!"

Ele falou como se me conhecesse. Apenas ignorei sua fala e passei a mão pelo meu rosto, tentando deixar um pouco menos úmido.
O homem me olhava com uma profundeza que me fez ficar sem graça.

"Gostei do esmalte!"

"Obrigada!"

"Quer comer alguma coisa?"

"Não, obrigada! Estou bem..."

"Você comeu hoje?"

"Claro..."

"Eu odeio mentiras!"

"Eu não...estou..."

Seu olhar sobre mim era dominador, ele agia como se conseguisse ler minha mente.

"Tudo bem! Eu não comi. A verdade é que eu dei meu café da manhã para um senhor que estava na rua... ele estava com mais fome que eu..."

"Mais uma vez, pensando mais nos outros!"

"O senhor fala como se me conhecesse!"

"Eu? Por que acha isso?"

"Não sei! Só achei estranho!"

Sem pensar acabei espirrando novamente. Dessa vez, não fora apenas um. Estava quase levantando da cadeira quando uma mão pousa sobre meu ombro.
O homem tira seu paletó e coloca sobre meus ombros. De início pensei em recusar, mas estava com frio e aquele ar-condicionado piorava tudo.

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