Malade

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A casa estava barulhenta. Todos corriam, dançando com a música alta no andar de baixo e tremendo em meio ao prazer no andar de cima. Jimin estava lá, encarando anos de esforço jogados ao nada.

O champanhe já não trazia a felicidade que experimentara alguns minutos atrás, então ele se levantou, ciente do olhar do Sr. Kim e serviu-se de uísque na mesma taça suja pela outra bebida. Tomou e quase voltou a rir.

Não tinha gosto de nada.

Ele sabia que seria assim, que tudo seria assim a partir daquele instante. Sabia que no momento em que Sr. Kim deixasse aquele quarto, nada mais teria gosto. Não haveria sonho ou fumo, nem histórias que o fizessem sentir nostalgia. Não haveria ritmo nas músicas ou significado em suas palavras.

Ele levaria tudo quando partisse.

- Et ça va faire bientôt deux ans que tu t'en fous (vai fazer quase dois anos e você não se importa).

- Jimin...

- Dois anos! Eu me dedico a você há dois anos, e você decide que outro é mais digno do seu amor.

- Eu não escolhi, Jimin. Por favor, eu...

- Je suis fatiguée (estou cansado). Estou cansado de aparentar empolgação quando está lá embaixo com todos e olha apenas para ele. Por que ele?

Sr. Kim o olhava perdido, as mãos estendidas como se quisesse oferecer o que não tinha e isso irritou Jimin. A taça foi arremessada de sua mão em direção a porta e pela primeira vez em quase dois anos, Sr. Kim viu no jovem emoções além do sorriso fácil e dos gemidos de prazer.

Jimin se via acorrentado, como se o homem à sua frente fosse uma rocha, um pecado que não fazia questão de confessar. Sentia doente, completamente doente.

- Je suis malade (estou doente).

- Jimin, me ouça.

- Estou doente, t'entends? Você vai embora e eu vou ficar doente.

- Não faça isso - Sr. Kim tentou chegar mais perto, mas Jimin tremeu como se tivesse tocado algo nojento e olhou para o rosto do homem mais gentil que conhecera.

Ele era tão lindo. Tão lindo. Os olhos escuros que brilhavam mais que o sol e os cabelos macios que balançavam à mais leve brisa. Jimin lembrava do movimento dos fios quando sua respiração tocava a cabeça do homem, nas poucas vezes em que Sr. Kim pôde ficar a noite inteira e adormecia esparramado em seu peito. Era incomum achar alguém tão doce num ambiente tão hostil.

Mas Jimin achara. E sentia falta dele.

Não era justo.

- Eu não escolhi, Jimin. Não foi uma decisão minha.

- N'importe quoi! Você escolheu ir! Escolheu me deixar, como se eu fosse um pássaro que você atropelou.

- O que quer que eu faça? Eu não posso continuar com isso. Se ficasse, estaria mentindo pra você. É o que quer?

- J'en peux plus. J'en peux plus. Eu não aguento isso.

- Eu não sabia, Jimin. Eu não... me perdoe, eu... acho melhor eu ir...

Claro que ele não sabia. Como saberia? Jimin era apenas isso. O súcubo da cidade, sem esperanças de ser conquistado de verdade. Ele fazia amor, mas não amava. Não era o que falavam? Ele caminhou até o criado-mudo, ignorando Sr. Kim que lentamente avançava para a porta, e puxou a arma da gaveta.

Não valia a pena, não mais.

- Je n'ai plus de vie... não mais...

- O que está fazendo?

Ele não ouvia. Os olhos fechados enquanto apontava o canto para a têmpora direita. Por um instante, pensou em fazer como Werther, de uma das muitas histórias apresentadas pelo Sr. Kim, mas não tinha tempo. As mesmas frases se repetiam várias vezes em sua cabeça: Je n'ai plus de vie. Je suis malade.

Eu não tenho mais vida. Estou doente.

- Jimin...

- Je n'ai plus de vie... je suis... estou doente...

- Pare! O que está fazendo?

Jimin sentiu Sr. Kim tentar chegar perto sem assustar o jovem que achou conhecer por tanto tempo, mas que parecia fora de si. Ouviu passos quase silenciosos, a presença do Sr. Kim ficando em frente a Jimin, que derramava lágrimas e repetia a mesma coisa vez ou outra.

- Eu estou aqui, Jimin – disse a voz suave, quase fantasmagórica – Abra os olhos.

- Je n'ai plus de vie...

- Por favor, olhe pra mim. Por favor

Jimin aos poucos abriu os olhos, vendo Sr. Kim bem perto de seu corpo, como costumavam ficar durante horas e horas. Tudo parecia tão distante agora. Não baixou a arma, mas permitiu que Sr. Kim o puxasse para perto enquanto se ajoelhavam. O homem puxou Jimin para seu colo, com as pernas entre as dele. E sentiu Jimin baixar aos poucos a arma e começar a tremer.

Seu corpo parecia um terremoto, o choro o fazendo convulsionar e se agarrar aos ombros de Sr. Kim, que o segurou de forma tão agradável que era quase imaginária e esperou que Jimin largasse a arma, mas este parecia alheio a qualquer outra coisa que não fosse seu sofrimento.

- Cet amour me tue et si ça continue, je crèverai seul avec moi (esse amor me mata, e se isso continuar, eu morrerei sem você)...

- Tente respirar. Devagar.

- Je t'aime... mon trésor

- Eu estou aqui. Apenas respire devagar

Jimin largou aos poucos os ombros do Sr. Kim, deixando a arma entre seus corpos, sem sair do colo do homem. Ele tinha certeza de que parecia muito frágil e odiou isso. Ninguém deveria vê-lo daquele jeito.

Mas era o Sr. Kim.

- Je ne sais plus où aller tu es partout (não sei mais pra onde ir, você partiu)...

- Me perdoe, Jimin. Me perdoe por não enxergar.

- Mon trésor...

A arma disparou.

Jimin não fingiria que não teve a intenção. Ele não tinha mais opções. Conseguia sentir o sangue manchar sua camisa e seu corpo tombar para trás, com Sr. Kim caindo sobre ele, braços envolta do seu corpo. Não fez questão de se mexer, permitiu que Sr. Kim o abraçasse até que tudo acabasse. Procurou lembrar de tudo o que ele lhe contara sobre seus sonhos e realizações, a vida que via partir aos poucos, com o gotejar rápido da ferida aberta no peito.

- Pardon, mon trésor. Je suis complètement malade (me perdoe, meu tesouro. Estou completamente doente).

Nunca um tiro doera mais num coração do que o tiro disparado por Jimin. Podia sentir o respirar do homem em seu pescoço, enquanto fechava os olhos e os imaginava como nas poucas vezes em que Sr. Kim pôde ficar a noite inteira e adormecia esparramado em seu peito.

Não foi fácil tomar a decisão que tomou, mas ele precisava quebrar as correntes que o prendiam. Jimin precisou escolher entre morrer sabendo que perdera seu amor ou viver sem mais ter que esperar ele voltar.

Jimin escolheu... E chorou, seu coração doía, mas parecia leve. Liberto. Não havia mais a quem se atar. E sorriu.

Apesar de mais uma noite, não ter sido escolhido por quem amava.

Olhos FechadosWhere stories live. Discover now