Gracinha desceu o morro da vila toda animada, agarrou-se as alças de sua mochila sobre os ombros deixando a mãe para trás, que trancava a porta de casa afobada, advertindo a menina que a espera-se. Logo que ajeitou a bolsa na mão e a sacola na outra, avistou a filha junto a dois coleguinhas vizinhos que costumava ver nas missas do sábado em uma igreja próxima dali. Assim que a mulher apertou os passos, observou de longe um homem estranho passar do perto, pois ali todos se conheciam, e ele não lhe era familiar. Além disso, seu semblante era sério, taciturno e sua forma de andar, bastante retraída chamou atenção de quem passava na rua naquele horário, todos espiavam em silêncio, entre um cochicho e outro até mesmo das crianças, ele venceu a rua longa da vila....
Da parte mais alta do morro, a janela de dona Dalva, moradora mais antiga e popular, fornecia uma vista privilegiada de tudo, inclusive do novo morador, o que provocava inveja em outros. Com os óculos fundo de garrafa, ela firmava o olhar para captar tudo com precisão, vasculhando na mente se alguma vez o havia visto por ali, mas concluiu que não. A curiosidade não só da anciã como dos outros deu asas a novos comentários e especulações, em outras palavras, a fofoca correu solta e palpites foram criados acerca do homem estranho.
Dias se foram a curiosidade manteve, mesmo porque o homem era fechado, não dava conversa e apenas meneava a cabeça por educação. Dessa forma, mesmo sem grande alarde em sua presença até mesmo as crianças esticavam o pescoço para não perder cada atitude sua, na tentativa de identificar qualquer informação sobre o morador. Mais dias se passaram e os comentários não cessaram, pelo contrário, aumentaram agora que sabiam o nome dele: Sézamo. Esse tal de Sézamo é nariz em pé com a gente, porque com os outros é celebridade, afirmava Maria Joaquina do início da rua para a vizinha da frente, pois agora, embora residisse em imóvel alugado o homem recebia visitas constantes e tão suspeitas quanto ele, o que levava a vizinhança em loucura, naquele momento, nem mesmo a novela AVENIDA BRASIL reuniu tantos telespectadores como Sézamo e seus anfitriões estranhos despertavam.
Com o tempo a brincadeira das crianças se tornaram outras, como espiar o vizinho e relatar para os pais, o que os deixavam de cabelo em pé, concedendo direito a reza na missa e protesto ao padre da região, temendo que a vila pacata se transforma em outra, plantada pela fantasiosa semente do mal, a preocupação estava em seu limite e pensar no futuro parecia arriscado demais, até menção de anticristo já tinha sido feita pela boca de uma fiel.
Naquela manhã de quinta-feira era para ser como outro dia qualquer na vila, mas quando Gracinha desceu o morro teve de parar para contemplar direito o que estava ao redor. A mãe da menina, concentrada na fechadura da porta como de costume teve sua atenção captada pelas paredes e quando a filha disse: parece a paleta de cores do meu estojo, mamãe! Ela não pôde discordar, pois não só sua casa como as dos vizinhos, o lugar parecia outro, repleto de cores diversas e vividas, e não, não havia cheiro forte apenas as cores que emendaram sentimentos bons à medida que as pessoas iam deixando suas casas e dando-se conta de tudo.
Durou pouco tempo até que a rua estivesse cheia com pessoas fascinadas que mal tinham olhos para abrilhantar tudo. Dona Dalva que sempre habitava sua janela agora estava na calçada, com as mãos no rosto rechonchudo encantada pelo que via, pela vila que de repente se transformou.
O tempo passou e desde o grande feito Sézamo não foi mais visto, nem ele e nem suas visitas. O que permaneceu foram os belíssimos tons que afagavam os corações de quem via através das paredes da vila das cores.
VOCÊ ESTÁ LENDO
RETALHOS INACABADOS
RandomEssa não é uma história de grandes heróis, belos romances ou fantásticas aventuras. Aqui há um pouco de cada coisa, especialmente sentimentos que clamam por ser expressados quando foram deixados pelo caminho e que ainda respingam um presente dolorid...