Era uma tarde agradável de outono, minha estação favorita, o ar bucólico da cidade luz me deixava saudosa, me fazia pensar em coisas boas, lembranças agradáveis de pessoas amadas. Eu havia preferido caminhar naquela manhã para o trabalho, deixando na garagem meu mais novo mimo - uma Ferrari Áurea preta. Gostava do centro naquele horário, as calçadas cobertas de mesinhas esperando à hora do chá, pessoas felizes, crianças brincando, cães passeando com seus donos pela grande praça, e as luzes da bela torre Eiffel começando a iluminar à tarde, então retornava calmamente para casa ladeando o rio Sena.
Para mim sem duvida era fácil caminhar, apesar da roupa não muito esportiva que eu usara naquele dia - calça branca de alfaiataria e camisa de seda lavanda, geralmente precisava de artifícios para mostrar mais idade - quem confiaria à emergência de um hospital a uma recém formada.
O trajeto caminhando consumia algo em torno de duas horas para uma pessoa comum, e eu deveria parecer humana enquanto caminhava - o fazia com especial prazer, aquele trajeto conhecido com o soprar da brisa fria de outono na minha pele - brisa fria, toque frio, mais lembranças na minha mente. Eu precisava pensar um pouco, e fazia isso melhor quando estava em movimento.
Olhei para o meu pulso, minha delicada pulseira em escamas de ouro branco, de onde pendia um pequeno relicário em formato de coração. Esse era sem dúvida, o presente mais precioso de toda a minha existência. Não pelo valor real do objeto, certamente as jóias do antigo império Romeno e da coroa britânica com as quais meu pai Aro me presenteara durante todos esses anos - e ele adorava me dar presentes - eram bem mais valiosas.
Esta em especial, pertencera à mãe de meu amado e me fora dada de uma forma ainda mais especial - quando fechava os olhos ainda podia ver a cena perfeitamente. No dia em que deixei Volterra para começar minha pesquisa sobre minhas origens, ele me esperava ao pé da longa escada em forma de arco do castelo, com uma caixinha nas mãos. Levou-me pela mão até o jardim - meu espaço preferido naquele lugar - abriu a caixinha e tirou a pulseira:
- Fora dada a minha mãe como presente de noivado, esta é a única lembrança que restou de minha vida humana, tenho guardado a muito, esperando que um dia alguém á mereça, quero que fique com ela, Satine, como prova de meu sentimento por você - ninguém nunca poderá amá-la mais. Dentro, coloquei o que mais amo no mundo, assim não se esquecerá de mim, e a separação será breve.
Peguei o relicário na mão e o abri, eu estava lá, um bebe dormindo no lugar mais feliz do mundo, os braços de meu amado. Levei a mão em seu rosto e afaguei levemente, ele a segurou e tocou com seus lábios frios.
- Minha Satine
- Meu Demetri
Um abraço de eternidade e o primeiro toque dos seus lábios sobre os meus - não um beijo, não, ele não me beijara, nunca - mas um delicado toque de lábios fechados, seguido de um beijo na linha do maxilar, entre o rosto e o pescoço e um suspiro - Eu a amo, minha Senhora, e sempre estarei aqui, volte.
Eu sempre voltei.
Demetri era um homem interessante, Um jovem em torno de vinte e poucos anos - ele fora mordido aos vinte e seis - cabelos macios que já foram de muitas maneiras e agora estavam propositadamente, castanho-claro desgrenhados, e pele de giz, um corpo alto e escultural, com músculos de anos de batalha, e boca de sedutor, lábios frios e gentis de quem a pressa se afastou a muito. Quando falava era como se um anjo cantasse, e quando sorria, derretia até o sol.
Claro que colecionava mulheres, imortais e mortais, todas desesperadamente apaixonadas, quando sobreviviam. Ele não ia muito ao castelo, só quando eu estava lá. Ficava nos subterrâneos, cuidando de seus mestres, e nunca sozinho. Heidi sempre estava lá, sua criada particular, lhe trazia tudo que ele precisava e até o que não precisava. Sempre achei que ela não gostasse de mim por isso. Desde que eu chegara a Volterra, ainda bebê, as atenções de Demetri se voltaram a mim, como se eu o tivesse aprisionado. Não houve nada que eu pedisse que me tivesse sido negado por ele, nunca. Por vezes, antes mesmo de pedir, ele atendia. Tínhamos uma conexão estranha, desde sempre, se eu caísse suas mãos me seguravam, se chorasse, me consolavam, se sorrisse me aplaudiam, ele me fazia dormir, me embalava e alimentava. Eu cresci e ele se afastou. Não me tocava mais e evitava me olhar.