Professora sim, tia não.

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FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d´Água, 1997.

Retomando á reflexões de obras passadas como “Pedagogia do oprimido” e “Pedagogia da esperança”, o autor expõe uma intensa critica ao sistema ideológico imposto pelo poder de classe, mais especificamente, aos interesses da classe dominante. Segundo o autor, “Ensinar é profissão que envolve certa tarefa, certa militância, certa especificidade no seu cumprimento enquanto ser tia é viver uma relação de parentesco. Ser professora implica assumir uma profissão enquanto não se é tia por profissão” (p.9). Reforçando novamente que a professora deve ser valorizada dentro de sua profissão como um profissional capaz de lutar pela democracia e não apenas associada á laços afetivos e submissão ao autoritarismo da administração.
Na obra o autor aborda a questão sobre quem ensina ser também um aprendiz, o que nos reflete a rever nossas práticas em sala, será que estamos nos permitindo ouvir para sermos ouvidos também? Freire nos responde essa questão quando aponta que,

“É preciso não esquecer que há um movimento dinâmico entre pensamento, linguagem e realidade do qual, se bem assumido, resulta uma crescente capacidade criadora de tal modo que, quanto mais vivemos integralmente esse movimento tanto mais nos tornamos sujeitos críticos do processo de conhecer, de ensinar, de aprender, de ler, de escrever, de estudar.” (p.7)

Seguindo essa linha de pensamento começamos á nos questionar de nossa capacidade de manter uma relação professor-aluno. No ambiente escolar, sendo o diálogo um dos principais aspectos da democracia, ouvir, compreender e respeitar os interesses alheios é de extrema importância em um ambiente que se faz necessária o envolvimento coletivo. Problemas de comunicação entre o corpo docente com seus estudantes desfavorece a prática de inserir democracia no ambiente escolar, pois, diante de tais situações agravam-se ainda mais os imensos problemas sociais vividos nos dias de hoje. A troca de informações através da oralidade nos permite concretizar a nossa proposta de transformação no processo de ensino-aprendizagem.

Para o autor a difícil tarefa de educar vai além de apenas razão, exige uma sequência de fatores emocionais e preparo físico e psicológico. Educadores são antes de qualquer coisa seres humanos com cargas de diversidade cultural de diversas formas, com aspectos cognitivos, culturais, políticos, econômicos, ideológicos, religiosos e sociais. Segundo Freire,

“Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com, esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo 'do emocional É preciso ousar para ficar ou permanecer ensinando por longo tempo nas condições que conhecemos, mal pagos, desrespeitados e resistindo ao risco de cair vencidos pelo cinismo. É preciso ousar, aprender a ousar, para dizer não à burocratização da mente a que nos expomos diariamente.”(p. 8-9).

Nesse sentido podemos refletir diante de questões sobre a importância que um professor tem na transformação social, o impacto que ele impõe a partir do momento que assume sua identidade como profissional capaz de ir contra as injustiças do sistema, manifestar suas ideias e revolucionar o antigo tradicionalismo vindo das heranças culturais.

Ainda refletindo sobre a busca por assumir nossa identidade como educadores e o respeito á herança cultural e como inseri-la em nosso meio, enfrentamos o medo. O medo de errar, o medo de se expor, o medo do difícil, o medo de lutar sozinhos pelos direitos á uma educação de qualidade e valorização do educador, pois esse por si só é um caminho difícil de percorrer sem haver hesitação. Sobre isso o autor nos explica que,

“[...] o primeiro passo na direção deste respeito é o re-conhecimento de nossa identidade, o reconhecimento do que estamos sendo na atividade prática em que nos experimentamos. É na prática de fazer as coisas de uma certa maneira, de pensar, de falar uma certa linguagem, [...] é na prática de fazer, de falar, de pensar, de ter certos gostos, certos hábitos, que termino por me reconhecer de uma certa forma, coincidente com outras gentes como eu.” (p. 64-65)

Nesse contexto, convém lembrar-se que no momento histórico que estamos inseridos, exige da comunidade escolar expandir uma nova visão de educação, revisando suas metodologias. Promover uma inquietação ao “tradicional” já é uma forma de protesto contra os padrões sociais da classe dominante, e inicialmente, reforçar a importância pela busca de respeito e igualdade que todos os indivíduos devem possuir. Contudo, não se deve deixar que as heranças históricas sociais permaneçam apenas no passado, devemos identifica-las, respeita-las e usa-las como instrumento de modificação no presente.

Em meio a conflitos de ideias entre o que se deve fazer ou não no que se condiz a educação, é importante que a professora reconheça seu papel fundamental na construção de bases sólidas na vida de um educando, exercendo sua função, reconhecendo a responsabilidade, agindo com liberdade diante do autoritarismo.  Assim como ressalta Freire,

“Mas, ao reconhecer a responsabilidade política, superemos a politiquice, ao sublinhar a responsabilidade social, digamos “não” aos interesses puramente individualistas, ao reconhecer os deveres pedagógicos, deixemos de lado as ilusões pedagogistas, ao demandar a eticidade, fujamos da feiúra do puritanismo e nos entreguemos à invenção da boniteza da pureza.” (p.77-78)

A educação, portanto, exerce o papel fundamental de inserir ao aluno a realização dos seus direitos, a busca de suas habilidades e seu espaço de valor na sociedade. Portanto, cabe ao educador incentivar um ambiente propicio a construção desses valores, começando a revisar a si próprio. O aluno bem instruído transforma a si mesmo e o ambiente em sua volta, ocasionalmente, é para isso que a educação existe, para transformar, instruir, e desenvolver todo o processo contínuo de formação de ensino-aprendizagem, ressaltando as experiências do indivíduo em sociedade á ser passado de geração á geração.

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