Fundamentos históricos e políticos
Clarice se formou recentemente no curso de Pedagogia e, em sua universidade,a disciplina de Libras já era obrigatória. O aprendizado adquirido em tal cursoserá muito útil para que ela possa ajudar Luzia, mãe de sua aluna Mariana, queestá muito aflita após ter identificado que seu filho mais novo possui uma perdaauditiva. Luzia foi orientada pelo médico que para o sucesso do desenvolvimentolinguístico, cognitivo e social de João Pedro, ele deve ser mantido longe da línguade sinais. Contudo, Luzia assistiu a uma reportagem na televisão, na qual umapesquisa realizada comprovou que ao estudar com professores e colegas fluentesem Libras, as crianças surdas aprendem mais e melhor. Luzia ficou muito confusae então questionou Clarice: "Você que é professora, sabe me dizer por que omédico disse que a língua de sinais é prejudicial ao João Pedro e a reportagem daTV defende o contrário? Por que discursos tão diferentes?"
Essas questões remetem a outras questões, tais como: essa divergência deposicionamentos é recente? Qual o embasamento da fala do médico sobre alíngua de sinais ser prejudicial aos surdos? Para responder a todas essas indagações,Clarice deverá resgatar os conteúdos sobre os fundamentos históricos e políticosda educação de surdos que irão elucidar as razões pelas quais há posições tãodivergentes acerca da língua de sinais.
Nesse sentido, o objetivo desta seção, ou seja, "compreender o processohistórico da educação de surdos", favorecerá a resolução do problema de Clarice,pois assim será possível identificar os desdobramentos da educação de surdos aolongo da história, desde a Antiguidade, passando pela Idade Média e Moderna atéos dias atuais.
Nessa trajetória, você deverá ficar atento à forma como a língua de sinais surgiuna educação de surdos e quais os efeitos (positivos ou negativos) dela sobre odesenvolvimento cognitivo, social e linguístico. Também é importante observar asalterações na legislação concernentes aos direitos de pessoas surdas ao longo dosanos, bem como o papel dos educadores nesse processo
Não pode faltar
Desde a Antiguidade as pessoas surdas tiveram diferentes tratamentos nasociedade. Os egípcios conferiam um ar de misticismo aos surdos, pois acreditavamque por sua forma peculiar de se comunicar, eles eram capazes de transmitirmensagens dos deuses ao faraó. Enquanto isso, os gregos, por atribuírem um altovalor à perfeição física e à oratória, condenavam os surdos à morte, uma vez queeles não atendiam aos padrões exigidos na época. Sem direito à vida em sociedade,esse também era o destino das crianças surdas nascidas na Roma Antiga, quandoeram lançadas ao rio Tibre (CARVALHO, 2007).
Apenas no século VI, a partir do código de Justiniano, as pessoas surdaspassaram a ser consideradas pela lei. Contudo, o código de Justiniano promulgavaque somente os surdos que falassem (oralmente) poderiam herdar fortunas, se unirem matrimônio e ter propriedades. Os surdos que não conseguissem se comunicaratravés da fala oral, tal como as pessoas ouvintes se comunicam, estariam entãoprivados de tais direitos (CARVALHO, 2007).
Até a Idade Média as pessoas surdas vivenciaram uma fase de exclusão, eramconsideradas ineducáveis e incapazes de exercer um ofício, vivendo à margemda sociedade, muitas vezes em condições sub-humanas (SACKS, 1998). Durantea Idade Média, com a ascensão da Igreja Católica, surgiu um novo paradigmaque, na linha do tempo feita por Piza (2007), foi intitulado de "Assistencialismo".O indivíduo surdo deixou de ser visto como sub-humano, passou a ser defendidopela Igreja como um ser dotado de alma, e seus cuidadores eram tidos comopessoas tolerantes e caridosas.
Reflita
E nos dias atuais? Ainda permanece essa visão atribuída aos profissionaisque se dedicam a atuar na área da educação especial como pessoas quetêm um dom de Deus? A história nos mostra que essa representaçãoteve início na Idade Média, quando a Igreja acolheu esse público, masnão desinteressadamente, pois sob seus cuidados, ela detinha osdireitos sobre todos os bens e herança destinados a esses indivíduos.