Das flores, dos amores e das dores.

O caos

"É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante."

― Friedrich Nietzsche

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Caos. Então era essa a palavra que eu estava tentando lembrar. Memorar as palavras que eu usava quando estava na Terra tornou-se minha nova missão. O vocabulário parece muito mais extenso quando penso que agora é também inútil para alguém que perdeu a comunicação. Tento me preparar para o dia que vou voltar a utilizá-las.

Caos é uma palavra estranha. Me pergunto se alguém no mundo pode ter vivido algo tão próximo do que tem sido meus últimos dias. Fui enviada numa missão espacial. Sou bióloga. Por que eu? Afinal, quem sou eu para ter sobrevivido a tudo isso?

Sobreviver: Significa sair de uma situação extrema onde sua vida quase foi posta ao fim. Mas por força de algum milagre ou coisa do tempo, você continua. Fugir da morte, prevalecer ao perigo.ー Faço mais uma anotação em meu diário. Sou uma sobrevivente do caos.

A base foi montada no planeta à poucos dias. Meu esforço foi dobrado. Minha companheira Marie Claire foi a última a suspirar, eu não poderia cobrar tanto dela. Mas ainda assim, me ajudou. Graças a ela, estou a alguns passos de estabelecer uma conexão com a base que me enviou. É tudo o que necessito para continuar viva.

Quando nos chocamos com aquela coisa que nos trouxe aqui, refleti o que deveria ter me motivado a entrar nessa tormenta. Cresci imaginando que poderia contribuir para a recuperação da Terra. Mas agora, aos 32 anos, entrei em outra missão. Irei colonizar um novo planeta com um jardim. A poética de destruir algo levando-lhe flores me parece um pouco doce e ao mesmo tempo asquerosa.

Mas a verdade é que esta é a única forma de recuperar o meu planeta. E ainda é necessário pensar na raça humana, por isso me mandaram até aqui, mas não exatamente para cá. Há alguns meses, tivemos uma ameaça de Guerra Nuclear. Se configurou uma nova corrida espacial. Brinde ao país que primeiro coloniza um Novo Mundo. Claro, podemos ter perdido o prêmio, não cheguei ao lugar planejado.

Não posso revelar de que país venho, pois esta mensagem pode chegar à receptores indesejados. Essa missão, por mais impossível que pareça, é secreta. Estou aqui no anonimato, perdida e esquecida. Tudo o que tenho para conversar é o meu diário, o jardim recém plantado, e minhas próprias memórias. Tento economizar energia, é algo vital.

Entro na base de comunicação do foguete. A imagem de Marie ainda está sendo refletida na minha cabeça. As outras pessoas foram jogadas no espaço de uma forma que tento esquecer a cada segundo. Tive que fazer o mesmo por ela, não poderia deixá-la apodrecer. Me perdoem, eu não merecia estar aqui.