Perto do cair da noite, todos os dias em um mesmo horário, Fernanda e Marcio saiam na varanda para fumar. Se cumprimentavam, para não fazerem nenhuma falta de educação, mas não passava disso. Um ou dois cigarros, o céu escurecia e eles iam para dentro. O grande ar da curiosidade humana parecia não afetar aos dois, que não possuíam interesses um pelo outro. Sabiam que eram vizinhos de apartamento, que tinham o mesmo horário de fumar na varanda e isso bastava.
Mas ao cair daquela noite fresca de abril, Fernanda não apareceu do outro lado. Marcio fumou sozinho observando o movimento dos carros lá embaixo na rua, e entrou para dentro depois do quarto cigarro com a cabeça baixa, meio encucado. A curiosidade que lhe faltava veio naquela noite. O que estaria fazendo a vizinha que não havia ido fumar? Teria ela arranjado melhores afazeres ou parado com o vício?
De tanto pensar, acabou por realizar seus afazeres noturnos de forma muito meia boca. Mal mal comeu, pouco prestou atenção na TV e quando finalmente se achou na cama para dormir ainda pensava na vizinha. Ela fumava todo dia, assim como ele, então por que não hoje?
Desistiu de pensar. Dormiu. Quando acordou no dia seguinte pouco se lembrava daquela incógnita, voltou a sua rotina.
E no fim da tarde, quando saiu na varanda novamente, aqueles pensamentos lhe atormentaram novamente. Mais uma vez Fernanda não estava lá. Fumou sozinho cinco cigarros, se perguntado se devia arrumar alguma desculpa e ir bater à porta da vizinha ver o que tinha ou se isso seria atrevimento demais.
Chegou a ir perto da porta duas vezes, no intervalo entre o quarto e o quinto cigarro. No fim criou coragem. Pegou um copo na cozinha e meio temeroso foi bater à porta de Fernanda. Diria que precisava de açúcar para fazer um cafezinho.
Bateu uma vez e esperou. Se não atendesse iria embora e esqueceria isso, dizia para si mesmo, apertando o copo de vidro nas mãos. Perto de desistir, escutou passos no corredor. Era Fernanda. Seus cabelos pretos tampavam a visão enquanto ela procurava algo na bolsa.
-Ah...oi. -ela diz segurando um molho de chaves e enxergando, enfim, o vizinho.
-Oi. -ele diz a então mostra o copo. -Queria saber a você tem um pouco de açúcar pra emprestar, o meu acabou e eu queria fazer um café.
-Ah sim, entra aí. -Fernanda fala ao virar a chave na fechadura. - Acho que eu tenho açúcar aqui.
Desconfortável, Marcio ficou em pé na sala observando o apartamento, que embora tivesse a mesma estrutura que o seu, era em si tão diferente do que já tinha visto. No sofá uma colcha de retalho, nos cantos plantas e mais plantas, era tudo muito confortável, tudo muito hippie, ele diria.
Fernanda ia de um lugar ao outro, deixava a bolsa em um canto, sapatos em outro e quando finalmente parou, com o que deveria ser um ritual de entrada, se encontrava em frente a Marcio. Não sabia muito bem onde guardar ou o que fazer com as mãos e Marcio se esquecera do porquê de estar ali ao observar a moça.
-Então... -ela diz esperando a reação dele.
-Então... -ele responde absorto.
-O copo. -diz apontando para a mão do rapaz. -Pra te dar o açúcar.
-Ah, sim. -meio constrangido, como que voltando a consciência, Marcio lhe entrega o copo.
Ele guarda as mãos nos bolsos traseiros do short. Há cortinas na porta que leva a varanda. Lhe bateu a aquela curiosidade de ir ver, mesmo sabendo que a varanda era a mesma, mesmo sabendo que já a virá do seu lado tantas vezes.
-Você parou de fumar? -ele pergunta por impulso e se pergunta se não devia ter sido menos direto.
-Quem dera. -ela volta da cozinha com o copo cheio de açúcar. -É só que parece que meu tempo não é mais o mesmo.
Com o açúcar já em mãos, Marcio imaginou que já não tinha mais o que fazer, já não tinha desculpas para ficar. Fernanda vasculha sua bolsa e tira de lá um maço de cigarros.
-Quer fumar comigo? -sua pergunta surpreende.
Apesar de ter fumado mais do que geralmente tinha costume, Marcio aceitou. Lá se ia o sexto cigarro da noite, mas a tragada deste era diferente. Na varanda de Fernanda a lua já estava alta. A morena se apoiava nas barras, com a fumaça saindo devagar pelos lábios.
-Li em um livro que a menina fumava para morrer. -ela diz. -Ás vezes eu entendo ela.
-Quem é você, Alasca? -ele pergunta levando o cigarro a boca. -Bom livro, trágico, mas bom.
-Você conhece? - a pergunta sai surpresa e o garoto afirma com a cabeça, sem poder falar por cauda do cigarro. -Como pode a gente não ter conversado antes, em?
O sorriso lhe vem fácil a boca e a conversa flui com a mesma facilidade. Dos cigarros já não se fazia conta, nem do tempo em que iam por desfrutar a companhia um do outro. O passar da noite trazia o frio, mas a euforia das palavras trocadas acalorava a alma.
Com a nicotina anuviando os pensamentos, não se soube como ou em que parte da conversa os lábios de Fernanda se juntaram aos de Marcio. Era a simples paixão do desconhecido. Quando as mãos dele passavam pelo rosto dela, pelas costas e cabelos e o fazia sentir como se já fosse comum senti-la, beija-la desse jeito.
É certo que na semana seguinte a esse evento todas as noites Fernanda passava um bilhete por debaixo da porta de Marcio para avisar quando chegava em casa e logo ele se encontrava na varanda dela, onde os dois fumavam juntos e conversavam e se sentiam como qualquer casal que se conhecia e fazia brotar o sentimento da paixão.
Mas em uma segunda-feira de noite quente o bilhete não veio. Marcio andava para lá e para cá, ia na varanda, ia ao corredor, parava em frete a porta de Fernanda, batia e nada. A terça-feira não melhorou seu humor. Pensava em como não havia trocado número de telefone com sua vizinha, havia sido tão burro e agora nem poderia ligar para saber o que acontecia.
No dia seguinte, depois de chegar do trabalho, já iam se esgotando a esperança de ver um bilhete passar por debaixo da porta, quando o papelzinho branco deslizou como um sobro pelo chão frio. Virando o papel de um lado pro outro, ele não conseguia disfarças a decepção, em letras cursivas havia apenas um adeus e nada mais.
Abriu a porta com tal rapidez que quase escorregou ao sair para fora. Viu a pouca distância Fernanda virando ao corredor e correu para alcança-la chamando o seu nome. A morena se virou para encará-lo, as mãos agarrando a alça da bolsa.-O que é isso? -ele pergunta ofegante lhe mostrando o bilhete.
-Eu vou me mudar.
-Porque? -é tudo que ele consegue dizer.
-Perdi meu emprego, mesmo fazendo horas extras direto, agora não tenho mais como pagar pelo aluguel. Talvez eu volte pra casa dos meus pais, não sei ainda.
-Mas eu posso ir te ver, não? Se você me der seu número de telefone...
-As coisas vão ficar difíceis para mim agora. -ela diz lhe cortando, a voz um pouco embargada.
-Isso não é motivo para a gente não se ver. -ele questiona, as mãos na cintura, estático.
-Desculpa, Marcio. -ela diz com uma voz pesarosa. -Minha vida vai tomar outro rumo agora. Talvez a gente ainda se encontre de novo, em outra situação.
Fernanda o abraçou foi embora. Marcio não a impediu, observou ela ir e então decidiu jogar seus cigarros no lixo. Já passara da hora de se livrar desse vicio maldito.
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O Verbo Amar
Short Story¤¤ Amar é um verbo temível e desejável ¤¤ Está livro não é contínuo, mas sim fragmentos de casos de amor. Nesses contos você vai se apaixonar, derramar lágrimas e dar pulinhos de felicidade! Espero que você ame as histórias do mesmo modo que amei es...