Sempre fui à menina da família. Mimada como tudo. Desejada por todos. Amada como nunca.
Mal conheci os meus Bisavós paternos. Mas ainda hoje guardo a Barbie que me deram como presente no meu 1° aniversário. Mal sabia eu que ia ser o primeiro e último presente. Mal sabia eu que ia ser o primeiro e último aniversário juntos. Mal sabia eu que iria amar-vos para sempre, mesmo sem ter grandes memórias vossas.Os meus Bisavós maternos acompanharam bastante o meu crescimento. Todas as sextas feiras ia passar o dia à "Casa da Avó Rosa." A avó não fazia nada nesse dia para além de me dar atenção e de gastar todas as letras de músicas para bebés.
O avô passava o dia a contar-me histórias do passado, da sua juventude, do seu tempo de criança.
E assim eram as minhas sextas feiras até à entrada na escola primária.
Quando entrei para a escola primária, todos os dias eu ia almoçar ao centro de dia onde eles ficavam durante o dia com os amigos. Garanto-vos já que a minha parte favorita do dia era a hora do almoço... Não só porque amo comer claro, mas principalmente porque me dava uma alegria enorme poder vê-los durante uns minutos. Comia tudo à pressa para as auxiliares me deixarem ir lá roubar uns beijos e uns abraços aos meus velhotes e sair de lá com uns vinte rebuçados nos bolsos.
O meu avô teve um acidente de mota, que o levou a ser operado ao coração e desde então tudo mudou. O Sr.Alzheimer resolveu dar as boas vindas.
Tudo muito lentamente. Começou por esquecer-se do lugar onde punha as chaves, passou por fugir do centro de dia pela aldeia fora, por não se lembrar do nosso nome à primeira... Até que caiu e partiu o fémur, o que o levou a uma intervenção cirurgia que agravou o Problema. Nunca mais teve a mesma mobilidade. Deslocava-se de cadeira de rodas. Mal comia. Mal falava. E já nem sabia quem era. Olhava-se ao espelho ou via fotografias dele e dizia "ah... Olha o meu pai...". Olhava para a minha avó, sentada no cadeirão da sala ao pé dele e dizia "ah... Olha aquela velhota ali coitada...".
Ainda me lembro da primeira vez em que o visitei e não soube o meu nome. Deu-me um aperto no coração e uma vontade de chorar descumonal. Mas contive - me. Assim que cheguei a casa disse para a minha mãe "O alzheimer fez com que o avô se esquecesse de mim, mas eu não me esqueci dele." e assim foi. Sempre que podia lá ia eu, bater à porta da "Casa da avó Rosa". Entretinha a avó Rosa com papéis onde tinha escrito o nome dela a tracejado para ela passar por cima e ir aprendendo a escrever, e enquanto isso jogava à bola com o avô, contávamos até 10, cantavam os as músicas que ele sabia e assim ficávamos tardes e tardes e tardes...
Não sabias o meu nome mas sabias quem eu era. O sorriso que fazias quando me vias entrar pela porta dizia tudo. Chegaste a chamar-me enfermeira, médica, filha, mãe e tantos outros nomes, mas tu sabias bem quem eu era, não tinhas como não o saber.
Começamos a não ter condições para tomar conta de ti. Estavas a precisar de cuidados redrobados e ninguém estava a conseguir dar-te a atenção e o cuidado que exigias. Procuramos os melhores sítios para te deixar. E lá foste tu, com a avó a acompanhar-te, porque ela não te queria deixar por nada.
Estavas muito mal, íamos visitar-te sempre com medo de não te voltar a ver, sempre com a ansiedade de sentir que não estavas bem e que nada podíamos fazer por ti. Ligaram do lar passado 1 semana com a noticia que a avó tinha falecido e eu não queria acreditar. A avó, de toe dos normais estava bem, e partiu. Ninguém estava à espera. Passado nem dois meses partiste. Foste para junto da avó, como ela sempre quis.A avó era uma mulher muito perpicaz. Conhecia-me como ninguém. Não valia de nada dizer-lhe que estava bem para disfarçar algo porque ela caçava logo as minhas fraquezas disfarçadas.
Dizia que me queria ver casar. Que eu estava magrinha e tinha de comer. E pedia todos os dias para eu não deixar de ser a boa menina que sempre fui.
Tenho saudades de cantar para eles. De partilhar momentos que ninguém nunca vai conseguir entender. De arranjar a medicação semanalmente. De aconchegar os lençóis e as mantas.O último pacote de bolachas que ofereci ficou a meio.
Tenho saudades vossas.
Tenho saudades de vos ter junto a mim.Guiem sempre, com a vossa luz, a nossa família.
Até um dia, Rosa e AntónioA complicação em pessoa,
Inês ✨
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SOBRE(VIVER)
Teen FictionA história de uma adolescente. A realidade que ninguém vê. Os pensamentos que ninguém ouve. Inês.