1- Lembra-te do seu amigo

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🍂 Setembro, 2010 🍂

Meus passos velozes produziam um barulho nas folhas ao chão semelhante a quando algum animal passa pelo que chamamos "corredor das sombras". É como um corredor, só que em volta é repleto de amendoeiras que deixam o caminho escuro e o chão está sempre coberto de folhas.

Corro o mais rápido que posso pois já estou atrasada. Meu coração bate tão forte que parece pronto para explodir, mas eu não posso parar. Precisava aproveitar cada segundo que ainda me restava com ele.

Há duas semanas recebi a notícia mais triste desta minha curta vida. Meu melhor amigo, meu irmão e o menino que sou apaixonada, tudo na mesma pessoa, vai se mudar porque sua mãe vai casar com um homem de cidade grande.

Só tenho 8 anos de idade, é muita coisa para eu aguentar, mesmo eu sendo a mais esperta da minha idade. Mas estou correndo para conseguir passar alguns minutos com ele antes de vê-lo partir para sempre.

— Paulinho! — estendi o "o" enquanto ainda estava a metros de distância da sua casa.

Eu precisava desesperadamente aproveitar cada segundo com ele. Por isso, já fui o gritando desde o cercado que separa a minha fazenda da sua.

Quando cheguei na varanda, estava quase sem ar. Bati devagar, porém com força na porta azul de madeira e fui puxando o ar com muita cautela a fim de minha respiração voltar ao normal.

— Giovanna. — tia Graça sorriu como um anjo ao me ver e eu apenas retribuo.

Sou obrigada a escolher entre falar e respirar. Como preciso estar viva para me despedir do Paulinho, só sorrio. Ela entende a situação por me ver ofegante e me convida para entrar, servindo-me de um copo com água.

Bebi tudo em um gole só e ainda pedi mais. Depois de ter minha sede saciada e meus pulmões tranquilos, posso cumprir minha missão.

— Vim ver o Paulinho. Posso?

— Mas é claro que você pode. Vou chamar ele pois sei que vocês dois não vão querer ficar quietos aqui dentro, vão logo para o campo. — riu.

— Obrigada tia Graça.

Ela não é minha tia, mas é como da família e por isso a chamo assim.

Meu amigo não demora muito a aparecer e quando o faz, me puxa pelo braço e vamos correndo até o cercado que separa nossas fazendas. Apoio meu pé na primeira fileira de madeira e me sento no topo. Paulinho faz o mesmo.

— Está com medo? — pergunta.

— De que?

— De ficar sozinha na escola.

— Ah. Não. — minto.

Eu estava. Ele era meu único amigo em tudo e todos os lugares. Sem Paulo por perto, eu me sentia o patinho feio, deslocada nos grupos de pessoas, principalmente na escola onde vivem zoando minhas sardas.

— Gio, tenho algo para te dizer.

— Então diga.

— Eu... eu... Eu gosto de você. — confessa.

— O que? — pergunto incrédula.

— Igual nos livros que a gente lê. Eu gosto de você. — balança as pernas agitado.

— Paulinho. — chamo sua atenção — Eu gosto de você também.

Seu sorriso é enorme, nunca vi alguém ter tantos dentes.

— Jura?

— E eu lá tenho motivo para mentir? — pergunto zangada, mas seu sorriso faz a raiva passar em segundos.

Lembra-te de Mim - DegustaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora