Capítulo 02

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Capítulo 02

Enquanto dirigia para casa, Maria Júlia refletia sobre os momentos do passado aos mais recentes que teve com Roberta.

Questionava-se o motivo de a ex-professora querer tanto aquela reaproximação. Admitia, com muita mágoa, que ainda nutria algum sentimento pela mulher, afinal, ela havia sido o seu primeiro amor, a responsável por suas descobertas referentes à sua condição sexual e sobre o quanto as pessoas podem ser cruéis umas com as outras.

*.*.*

Por outro lado, após chegar a sua casa, Roberta Fiorenti acendeu a lareira da sala de estar e serviu-se de uma dose de vinho, acomodando-se na confortável poltrona.

Fechou os olhos, lembrando-se da primeira vez em que viu Maria Júlia. Como os olhos esverdeados da menina eram profundos, causando a sensação de que seria tragada para dentro deles. Do sorriso largo e confiante que a adolescente exibiu antes de tocar o piano para ela pela primeira vez, ignorando totalmente seu olhar carrancudo, repleto de reprovação.

Ao ouvir a garota tocar, notou que ela precisava de uns ajustes, mas jamais admitiria que aquele som levemente desafinado houvesse sido o suficiente para mexer com o seu coração.

Abriu os olhos e sorveu uma dose de vinho. A bebida desceu queimando sua garganta enquanto observava as chamas estalando. Suspirou nostálgica com tais recordações.

A serenidade que Maria trazia consigo a cada aula que tinha, mesmo com a pouca idade — dezessete anos na época — assustavam Roberta, pois a adolescente demonstrava-se inatingível com as críticas pesadas.

Fosse pela beleza ou a altivez da moça, com seus trinta e sete anos, Fiorenti passou a nutrir uma atração por ela. Mas mesmo que o corpo a desejasse, sabia que Maria era proibida. Fosse pela menina ser menor de idade ou porque era casada com Luíza.

E não poder desfrutar daquela paixão, despertava a ira de Roberta. Resultando em um tratamento ríspido e hostil, que quase nunca parecia abalar a menina.

Entretanto, percebendo que estava prestes a enlouquecer por todo aquele desejo reprimido, logo que Maju completou os dezoito anos de idade, Fiorenti pensou em declarar-se, abrir sobre os sentimentos, mas faltou-lhe coragem.

Naquela aula, a professora ficou a maior parte do tempo em silêncio, contemplando sua doce pianista e ao final da canção Moonligth Sonata – Beethoven, Roberta sentou-se ao lado da moça.

Observaram-se, sob o silêncio que se formou entre elas. Olhares conectados. Atenção oscilando entre as bocas. Beijaram-se. E, para a admiração da mulher, a menina retribuiu.

Maria Júlia afagou os cabelos da mulher e recostou a testa na dela. Com a adrenalina reverberando por todo o corpo, elas tremiam, mas mantinham os olhos fechados, apreciando a linda sinfonia das respirações enérgicas.

— Nossa! Não consigo parar de pensar em você... — Fiorenti sussurrou em um tom culposo.

— Ah, professora... E-eu também, não — pousou a mão no rosto de Roberta, abrindo os olhos. — Te amei desde a primeira vez em que te vi — Confessou como o verdadeiro clichê de uma adolescente que se apaixona à primeira vista pela professora.

Roberta negou com a cabeça e afastou-se da jovem. Estava desnorteada. Mal conseguia encarar a aluna, permanecendo cabisbaixa, andando de um lado para o outro.

Maria estava sorrindo abobada, tocando os lábios com a ponta dos dedos, deslumbrada com o beijo dos sonhos.

— Ah, olha... Acho melhor você ir pra casa — Roberta pontuou com em um tom firme. Estava agitada.

A menina uniu as sobrancelhas e franziu os lábios volumosos, apresentando uma feição confusa.

— Mas Roberta, e-eu... — moveu os lábios, questionando-a.

Um suspiro, semelhante a uma bufada, escapou por entre os lábios da professora. Ela mirou o fundo dos olhos da adolescente. O rosto estava rubro, condenando parte da raiva, da culpa que estava sentindo.

— Não ouviu o que eu disse? — interrompeu Maju, elevando o tom de voz.

Com os olhos marejados, a menina recolheu a mochila sobre o piano e saiu em passos rápidos da casa da mulher.

*.*.*

Naquela noite, após a apresentação, ao chegar a sua casa, Maria Júlia ligou a banheira e despiu-se, emergindo o corpo até o pescoço na água morna. Respirou fundo, fechando os olhos.

O rosto bonito de Fiorenti lhe surgiu em pensamento, parecendo que se materializaria ali. Queria procurá-la. Conversar. Mas sabia que junto viriam as palavras repletas de escárnio e os risinhos debochados da professora.

Aos vinte e três anos, após seis anos distantes, a pianista já não tinha paciência para o humor ácido de Fiorentti. Queria ter a honra de conversar com aquela mulher doce, poética, sensual com quem teve sua primeira relação amorosa na vida.

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