Prólogo

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Rio de Janeiro, Brasil

As luzes da cidade ofuscavam o brilho do céu. A imensidão escura da noite dominava a clareza imposta à ela. Os morros iluminados preenchiam o horizonte, casas não acabadas com tijolos à mostra, telhados quebrados, e ruas sinuosas configuravam a maior parte dos cenários daquele lugar. A situação piorava a cada dia e Leo sabia disso, sentia o clima ali mudar a cada dia que passava. Pessoas sumiam, como se nunca tivessem existido. Poucos questionavam, já não era mais papel deles se importar. Afinal, quem ligava para tudo aquilo?

Leo saiu da varanda e entrou para a sala, fechando a porta que dividia os cômodos em seguida. Pegou seu telefone e deu de cara com uma notificação de varredura policial na área em que vivia, ela dizia para manter a calma, se apresentar em frente à porta da frente da casa, e então aguardar a chegada dos oficiais. Leo odiava o procedimento, porque, só naquela semana, haviam ocorrido três varreduras similares. Ainda relutante, procurou seu chinelo e seguiu para fora de casa.

Alguns minutos depois, uma equipe de 5 policiais acabava de sair da casa de um vizinho, que, assim como ele, estava submetido à busca. "O sistema não presta", pensou. Quanto mais tempo ele teria que suportar tudo aquilo. Lembrou-se do tempo antes da crise. As coisas não eram lá tão prósperas assim, mas pelo menos ainda havia bom-senso nas pessoas. Agora tudo parecia ter perdido o norte, as instituições desapareceram, ninguém se importou. Pessoas desapareceram, o silêncio se instaurou. De repente, o controle já havia sido passado para outras mãos, e enquanto o relógio do fim do mundo chegava ainda mais perto da meia noite, todas as pessoas naquele país estavam sujeitas à desumanidade travestida de ordem.

Os policiais entraram na casa de Leo em fúria, quebrando algumas decorações nas prateleiras, e bagunçando tudo que havia em gavetas, armários e nas mesas. A idolatria de alguns por atitudes tão irrespeitáveis como aquela ainda era um mistério para Leo. Como tantos foram enganados? Tão facilmente? De maneira tão estúpida!

Um dos oficiais permaneceu do lado de fora, observando Leo, sem trocar nem uma palavra com ele. A vestimenta da polícia havia mudado, disso ele lembrava. Tornou-se algo mais concreto, de um único tom de preto, apenas. Um capacete foi adicionado ao uniforme, associado com ferramentas novas oferecidas por nações estrangeiras que visavam suprimir insurreições ao redor do mundo. A nova ordem mundial era a manutenção da desinformação e a diminuição de todo o pânico que deveria haver em escala global. O planeta deu seu último aviso, as nações unidas não passam de um sonho distante. Ninguém consegue chegar em um consenso acerca do meio-ambiente, a temperatura global aumentou 2 graus na última década. A era do globalismo se encaminhava para o fim.

Os outros quatro policiais se retiravam de sua casa, conversando entre si por meio de sinais. Pelo que indicavam, estava limpo. Leo acreditava que estavam procurando por evidências de colaboração com procurados do regime. Ele não se envolvia nesse tipo de coisa. Achava que sobreviver por si só já era um desafio diário. Nunca pensou ou se deu o luxo de pensar em trabalhar ativamente contra o regime. Entretanto, tinha certas atitudes quando o assunto era tecnologia.

Ele tinha descoberto maneiras de entrar no sistema de vigilância da polícia e manter suas informações atualizadas. Ele foi um dos responsáveis pela popularização do Submundo, a rede virtual ilegal utilizada por todos aqueles que procuravam por um tipo de substituto para a internet. Leo era o principal fornecedor de informações sigilosas para o restante do país e agia como correspondente local para todas as outras redes locais espalhadas pelo mundo. O Submundo era uma excelente ferramenta se soubesse procurar direito.

Apesar de não ser membro de nenhum grupo antigoverno, ele era contra o regime. As poucas memórias que lhe restavam sobre a vida antes da nova ordem serviam de incentivo para sabotar o sistema. Algumas informações vazadas por ele, geraram consequências negativas para o governo, como assassinatos, sequestros, roubos de armamentos e de quantias enormes de dinheiro. Ainda sim, com toda a participação passiva em crimes considerados como traição, e, por isso, crimes capitais, manteve-se fora dos holofotes, aderindo à vida pouco movimentada nas favelas, tirando as constantes invasões policiais.

Assim que os oficiais saíram de sua vista, ele entrou em casa, dando um jeito de levantar a porta que estava caída no chão e tentar colocá-la de volta no lugar. Ligou o notebook, iniciou a máquina virtual e entrou no Submundo.

" R.J., Dezembro 2020. Invasão nas favelas da Zona Oeste. Cuidado.", publicou sob o nome pelo qual ele era conhecido online: Insurgente. Em questão de minutos a mensagem tinha sido replicada diversas vezes. O alcance era uma arma poderosa. Esperava poder ganhar tempo para aqueles que moravam por ali e, assim, evitar mortes desnecessárias.

A ideia de criar um canal alheio às comunicações oficiais era simples, mas não inovadora, ele só auxiliou a criação de um refúgio de toda a miséria e repressão. O Submundo era popular, conhecido o suficiente para o regime programar ataques aos servidores, mas as defesas não eram tão fracas assim, o Submundo estava ligado com outras redes espalhadas por diversos países. Em parte, parecido com a internet, mas de forma que os firewalls impediam o acesso não autorizado, pois foi elaborada uma ponte entre as redes, elas funcionavam entre si, os códigos mudavam duas vezes por dia, os sistemas apareciam e desapareciam. Era uma plataforma fantasma.

Após conferir algumas câmeras de segurança, e relatórios de missões de busca. Leo desconectou-se do Submundo. A fluidez e inconsistência da rede também limitava o tempo de acesso autorizado. Nunca mais do que dez minutos. Depois disso, o acesso era terminado à força.

Deu uma ultima olhada em alguns arquivos de texto do seu notebook, olhou para uma pasta em especial, nomeada com um ano: 2019. Pensou por alguns segundos e depois desligou o computador. Estava acordado tinha quase um dia e meio, precisava descansar, e isso não estava para discussões.

Código Zero - Filhos da GuerraWhere stories live. Discover now