Único

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Naruto pertence a Kishimoto-san.

Naruto pertence a Kishimoto-san

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Hoje é meu aniversário.

Sei disso porque consigo sentir o vento brincando ao meu redor, porque a sensação das gotas de chuva caindo uma por vez atravessa minha pele de mármore.

Sei disso porque a única data em que sou capaz de sentir alguma coisa é no dia vinte e três de julho. Nos outros dias, minha superfície é apenas uma casca insensível, incapaz de registrar qualquer coisa que o toque.

Geralmente, eu não sinto nada, embora possa ver cada folha que desliza para longe de sua árvore durante o outono, cada sorriso de quem vem visitar esta praça diariamente. Dia após dia, ano após ano; eu vejo, eu ouço.

Não sei mais há quantos anos eu estou aqui, minha alma presa dentro disso que um dia eu chamei de corpo, mas que hoje não passa de uma escultura de mármore disposta em praça pública.

Já fazem séculos desde que fui amaldiçoado, condenado a assistir os anos escorrerem por entre meus dedos enquanto ouço e vejo o mundo sem sentir absolutamente nada.

Eu era um agente da inquisição durante o que atualmente é conhecida como Idade das Trevas. Persegui, torturei e queimei muitas supostas bruxas até me deparar com uma que realmente o era.

Apesar de centenas de anos terem se passado desde então, me lembro como se fosse ontem dos olhos cheios de ira dela, que me repreendeu por aterrorizar e matar tantas mulheres inocentes; que me chicoteou com palavras pelo fato de eu ser tão ignorante com o avanço científico. Hoje, eu entendo; mas o meu eu ainda humano achava estar ouvindo disparates.

Eu não amava ninguém.

Eu entreguei minha mãe para inquisição ao vê-la tentar desesperadamente curar meu irmão com ervas medicinais. Cego, acreditei que ela o havia guiado para a morte prematura quando tudo que ela tinha feito foi tentar estender seu tempo de vida.

Tive muitos anos para compreender a dimensão dos meus atos e me torturar e odiar por fazer minha mãe ser condenada à fogueira. A bruxa que me encontrou teve o cuidado de garantir isso.

Não tiro a razão dela. Fui uma péssima pessoa, tive uma péssima vida.

Hoje, não vivo. A existência passa por mim enquanto continuo aqui, estoico e ignorado. Diria que sou uma pessoa diferente, mas não sou uma pessoa. Não mais. Se eu pudesse viver, voltar a ser um homem... Eu seria diferente. Ficar séculos sozinho apenas com meus pensamentos com certeza moldaram outra personalidade em mim.

O sol desponta de forma tímida e eu posso sentir seus raios lamberem as gotas que se alojaram na minha superfície. Eu gosto do calor do sol, assim como gosto do frio da chuva.

Devagar, a praça começa a se encher. São turistas e moradores locais, crianças e adolescentes e adultos e idosos. Minha praça é um ponto turístico forte, e a atração principal sou eu. Todos os dias, dezenas de pessoas vem até mim, para tirar fotos, gravar vídeos segurando minhas mãos. Isso acontece porque reza a lenda que quando minha alma gêmea segurar minhas mãos, eu me tornarei humano.

Naturalmente, não sinto nada. Dia após dia. Mãos após mãos. Nada.

Penso que se as pessoas conhecessem a história por trás da escultura em tamanho real do homem bem desenhado que já fui, não tentariam me trazer à vida. Se estou preso nessa forma, foi porque mereci.

Não nego, porém, que gostaria de sair desse receptáculo de mármore e voltar a ter carne, ossos, sangue.

Sentir.

Mas não acalento mais esperanças, os anos parado aqui me tiraram todas as gotas disso.

Hoje, sinto as mãos sobre as minhas e o calor que vem com elas. Hoje, o sol beija meus cabelos e o vento brinca com as folhas que repousa na extensão do meu corpo, e eu sinto cada uma dessas coisas. Eu sorriria, se eu pudesse. Até uma alma torturada tem os seus momentos de deleite, às vezes.

O dia passa mais rápido do que eu gostaria, e, aos poucos, a praça que estava cheia de gente se esvazia. Somos eu e a lua. Restam poucas horas sentindo as coisas, e eu me concentro no frio da noite.

– Se você quer tanto tirar a foto com a estátua, vá em frente – Ouço uma voz masculina e vejo três pessoas se aproximando, dois rapazes e uma moça. Ela olha na minha direção e eu posso jurar que ela vê minha alma. Ela balança a cabeça e desvia os olhos cor de lua para o homem ao seu lado.

– Mas, Shino... Eu tô... – Ela diz, e a voz dela é baixa e gentil.

– Hina – o outro homem a interrompe, gesticulando com o telefone na minha direção –, vai. Você falou sobre essa estátua o dia inteiro. Segura as mãos desse homem e sorri! – Ele incentiva, o outro dando um empurrão discreto nela.

– Certo... – Eu sinto a proximidade dela antes de suas mãos de fato cobrirem as minhas. E então eu sinto. Sinto o sangue voltar a correr em minhas veias, sinto minha superfície se amaciar até voltar a ser uma pele de verdade, células entrelaçadas formando um tecido ao redor de meus músculos.

Pisco, muito surpreso por conseguir piscar. Meus olhos muito negros encaram em choque os olhos perolados daquela que aparentemente é a minha alma gêmea. A boca dela se abre em admiração e eu aperto as mãos dela entre as minhas, enquanto cada terminação do meu corpo dói por voltar a existir. A dor é maravilhosa.

Hoje é meu aniversário. E essa bela desconhecida acabou de me devolver à vida.

NOTAS FINAIS

Essa fanfic foi escrita para comemorar o aniversário do Sasuke em 2019.

Capa pela talentosíssima @Kiyohlme. Obrigada!

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