Capítulo quatro

167 14 2
                                    

Embora o início da noite não tivesse sido promissor, quando a sobremesa foi servida, não pude deixar de sentir que nossa viagem não seria um fracasso completo.
É verdade que o clima lá fora piorava cada vez mais, o chuvisco transformando-se em um aguaceiro. Mas o capitão nos garantiu que o Enchantment of the Seas navegaria em torno e não através da tempestade tropical. Assim não passaríamos pelo pior dela.
E é verdade que não vi mais sinal do Sombrio Misterioso. Mas era apenas a primeira noite no cruzeiro. Talvez ele tivesse preferido jantar em outro dos 25 restaurantes do navio. Certamente eu teria muitas outras refeições e acabaria encontrando-o.
Rangel, sentando entre mim e Fu, foi gentil e atencioso - felizmente muito mais com Fu do que comigo, à medida que a noite se esgotava e ela provava ter um conhecimento enciclopédico de fã obstinada das incríveis cobranças de escanteio dele, dos passes, e da sua capacidade de levar seus companheiros de time a fazer gol.
E, vendo meu pai rindo e dividindo segredinhos com Cida, eu o perdoei por falsear a verdade sobre a natureza das "férias", como a Dra. Ling sempre me lembrava, meu pai só queria o melhor para mim. Talvez, ao se casar com a mãe de Fu, ele tenha conseguido algo mais, e desejava o mesmo para a filha. Teria sido difícil para qualquer mulher preencher o vazio que a morte de minha mãe tinha deixado no coração de meu pai, mas se alguém poderia fazer isso, certamente seria Cida. Ela entrou nas nossas vidas graças a uma sessão de fotos, mas ficou nela devido a algo (como disse depois) que viu nos olhos de meu pai.
"Parecia que ele não queria que eu fosse embora", ela costumava brincar.
Só que não era brincadeira. Cida pode não ter percebido, mas ela devolveu a vida ao meu pai. Ele só queria que eu encontrasse um cara que fizesse o mesmo por mim.
Pena que esse cara nunca, jamais, seria Lucas Rangel.
Já passava bem da meia-noite quando saímos da mesa do capitão e fomos dormir, todos sonolentos e sociáveis por causa dos muitos brindes de champanhe que fizemos aos recém-casados.
Aquilo, porém, não me impediu de negar veementemente quando Fu puxou meu braço e me disse que Rangel tinha convidado nós duas para ir ao quarto dele... Uma suíte Presidencial, como a em que os nossos pais estavam.
- Ah, Dani, por que não? - exclamou Fu quando neguei - O Lucas só quer me dar a camisa que prometeu. E até parece que ele tem o quarto todo só para ele. Está dividindo com com Josh Grove, o colega de time. Então nem íamos ficar sozinhas . Que mal pode haver nisso?
Muito, pensei, lembrando-me do tal Noah. Depois olhei para o convés e ri. Lucas tinha posto as mãos nos bolsos do paletó do smoking, para mostrar que era um prefeito cavalheiro e guardava suas mãos bobas para si mesmo.
Mas ninguém no nossos grupo estava por perto para ver aquele gesto cômico. Meu pai e Cida, trôpegos, já tinham ido para a própria cabine. Estávamos sozinhos... a não ser pelas centenas de outros passageiros que zanzavam em volta, a caminho das muitas atividades noturnas do navio: as boates, piscinas, lojas abertas a noite toda, o cassino.
Meu coração se abrandou quando Fu me olhou, suplicamente.
- , bom.
Fu tinha razão. Que mal poderia haver?

The Model And The MonsterOnde histórias criam vida. Descubra agora