Dia X

36 3 4
                                    

Mamã, estou cansada! Quando voltamos para casa? — perguntou a pequena Li Chun.

Estavam no mercado há algum tempo e a sua mãe estava a reunir todos os ingredientes para o seu jantar de aniversário. Em todos os seus aniversários, a mãe e as avós da pequena Li reuniam-se para lhe cozinhar os "Noodles da Longevidade". Ela gostava do cozinhado, mas desta vez pedira à mãe para o fazer mais tarde. A tradição chinesa ditava que os "Noodles da Longevidade" tinham de ser integralmente comidos, ou não dariam uma vida longa ao aniversariante.

Só tenho de comprar mais uma coisa, Li — respondeu Mei Chun, enquanto passeava pelo mercado com a filha numa mão e um saco de compras na outra.

Mei amava a sua filha com todas as suas forças, no entanto, estava a passar por um mês dramático. Por um lado, o seu marido havia sido diagnosticado com cancro do pulmão avançado e passava os seus últimos dias no hospital. Tentava suportar a pressão emocional de ver o seu companheiro esmorecer e de ter de mentir à filha, dizendo que o pai está numa viagem de negócios. A pequena Li estava acostumada a passar alguns dias sem o pai, ele era responsável por uma família grande e o seu salário mal chegava ao fim do mês. Por outro lado, a doença impedira-o de trabalhar as últimas semanas e o seguro de saúde apenas cobria parte das despesas do hospital.

Com o aniversário da filha, Mei aproveitava para se distrair um pouco da situação grave, ainda que tivesse de ser comedida com os gastos. Usualmente, iria ao talho do senhor Zhao, que lhe vendia a melhor carne e cortada do jeito que ela gostava, não fosse um dos talhos mais caros do mercado.

Vamos ter com o senhor Zhao, mamã? — presumiu a pequena Li, reparando que só faltava comprar a carne para os seus "Noodles da Longevidade".

Hoje não, Li. Vamos a outro sítio.

Mei virou para um corredor lotado de pessoas e especialmente abafado. Era a zona mais barata do mercado, onde esperava encontrar a carne que precisava para o jantar.

Com a pequena Li segura ao seu braço, Mei foi empurrando a multidão e inspecionando as barracas e tendas de venda. Ao passar por uma, encarou uma velha grisalha:

— Está à procura de algo? — questionou a velha.

Sim, procuro um pouco de carne... barata.

Está com sorte. Esta chegou hoje — indicou a velha, agarrando numa das carnes suspensas no teto da sua tenda.

É de que animal? — perguntou Mei, não reconhecendo a carcaça. Pouso o saco que trazia no chão e apalpou a carne para avaliar a sua consistência. Antes de voltar a pegar no saco, levou a mão ao nariz para conter um espirro.

Não sei nem quero saber. Faço-lhe a um ótimo preço.

Mei não gostava da ideia de comprar carne mistério a uma desconhecida, contudo, esta parecia fresca e o valor que a velha pedia era, realmente, uma pechincha. Pelo lado positivo, o que que fosse não era uma ratazana — a carcaça era demasiado grande. Tirou do bolso uns trocos e pagou à velha, que lhe entregou a carne num saco preto.

Vamos para casa, Li. Já temos tudo — anunciou a mãe.

A pequena Lu saltitou de alegria e voltou a entrar com a mãe na multidão que passava pelo corredor. De repente, o jovem à frente delas parou de andar.

Desculpe, posso passar? — pediu Mei, com uma fila de pedestres igualmente impacientes a formar-se atrás dela.

O jovem virou-se para Mei e tossiu duas vezes, batendo no seu peito duas vezes com falta de ar. Impressionada, Mei pegou na filha ao colo e passou por ele apressadamente, empurrando-o para o lado. As pessoas impacientes que tinha atrás dela seguiram-na. Felizmente, a carne que comprara daria para um par de dias. Não voltaria àquele sítio tao cedo.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Apr 04, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O Diário da Pandemia - CoronavírusWhere stories live. Discover now