As barras da calça jeans mal alcançavam seus tornozelos. E aquele pequeno pedaço de pele exposto, que constrastava com a cor amarela do all-star, influenciou minhas orbes a observarem o conjunto da tua essência.
Dedos esguios seguravam aquele pedaço de destino que, por um breve momento, fez teus lábios sorrirem e meu estômago revirar. Lá estava você, usando um boné escuro da The North Face, em pé no corredor do trem. Um lado do fone pendendo sob o ombro esquerdo, enquanto o outro suportava o peso da mochila preta. Encontrei o teu olhar e juro que nem percebi quando pediste licença pra se sentar.
Não levou muito tempo até que metesse suas mãos dentro da bolsa e as lentes da câmera se preenchessem com o esplendor esverdeado. Desviei a atenção do livro aberto em meu colo afim de também observar o cenário pela janela.
Como o primeiro sopro de um par de pulmões novos, meu sistema parassimpático controlou minhas cordas vocais brevemente naquele momento.
ㅡ Uau... ㅡ Foi a exclamação que saiu completa numa única expiração. Eu olhava e olhava, nunca sendo o suficiente. Então olhava novamente.
ㅡ Eu sei, é realmente lindo, não?
Ele retirou o olhar do visor da câmera e voltou-se a analisar as fotos tiradas. Concordei balançando a cabeça, virando meu rosto em sua direção lentamente, ainda arrebatada pelas formas do dito lugar.
ㅡ Na época da ocupação japonesa, Taichung era chamada por "Kyoto da Formosa" devido à beleza e calmaria. ㅡ Suas mãos continuavam a pressionar os botões do aparelho enquanto falava. Fiz o mesmo, contudo de forma inesperada, apertando as páginas do livro ao que suas janelas, desprovidas de pálpebras duplas, receberam um novo ângulo do meu êxtase.
Aqueles olhos, tão dramaticamente desenhados assim como as ondas de Hokusai. Havia algo impietoso neles, mas ainda assim, mansos.
ㅡ É sua primeira vez em Taiwan? ㅡ Questionei.
Por alguns milésimos de segundos sua impietosidade desviou-se para a parte inferior da poltrona à frente, e eu agradeci aos céus por conseguir engolir em seco, juntando forças para sustentar eles.
ㅡ Estive em Taipei algumas vezes ㅡ de forma espaçada a frase era formada no tom profundo da voz ㅡ mas é minha primeira vez viajando pelo interior. ㅡ um inglês que soava nativo e bem articulado ㅡ E quanto a você?
Ajustei os óculos, empurrando levemente contra meu nariz ㅡ Primeira vez no país. ㅡ meus lábios acanhados aos poucos desejavam cessar os movimentos, contudo tomaram coragem ao que os umideci passando a língua sob ㅡ Sabe, é meio surpreendente que essa seja a sua primeira vez viajando por Taichung. ㅡ ele arqueou as sobrancelhas em questionamento ㅡ Baseado no que disse antes, parece que já veio para cá muitas vezes.
E naquele momento, você riu.
Riu com aquele sorriso bonito que faria inveja ao mais angelical dos anjos.
E ah, meu Deus. Em tuas bochechas estavam esculpidas duas fendas. Fendas que se aprofundavam a medida que eram pressionadas por aquele sorriso de dentes perfeitamente alinhados.
Um conjunto completo que foi capaz de atacar minha labirintite.
ㅡ Ah, aquilo... ㅡ sua boca ainda estava curvada em um meio sorriso ㅡ eu gosto de conhecer um pouco da história dos lugares que visito. ㅡ abri a boca em um assentimento quieto ㅡ Pelo visto você também gosta de histórias ㅡ seus olhos apontaram para o livro em meu colo, fazendo-me acompanhar seu olhar.
ㅡ Yea, yea... mas quem é que não gosta de histórias, certo? é a forma que aprendemos, a forma que construímos e vemos o mundo.
Senti seu olhar sob mim ㅡ Acho que você 'tá certa. O mundo é só uma grande história esperando por seu fim. ㅡ respirou fundo e se reencostou na poltrona, olhando para as cenas que corriam a fora.
Ri anasalado com aquilo ㅡ Falando assim soa um tanto quanto depressivo ㅡ movi meu rosto a tempo de vê-lo levantar os ombros minimamente, enquanto seus lábios se pressionavam um contra o outro e seus olhos se espaçavam de forma leve, numa expressão que poderia ser considerada cômica.
Tal resposta corporal por parte dele foi capaz de relaxar as articulações das minhas mãos, que deixaram de segurar o livro para aponharem-se em ambos os braços da cadeira.
Me senti a vontade em sua presença.
Essa mesma energia assegurou meus lábios tímidos de que estava tudo bem se pronunciar, e fez minhas cordas vocais produzirem um som mais alto e uma seriedade brincalhona ㅡ Não me diga que é um seguidor de Schopenhauer... ㅡ Dramaticamente enrruguei o espaço entre minhas sobrancelhas e olhei para seu rosto.
O riso agora ainda mais verdadeiro, acompanhado dos olhos que haviam se transformado em simples linhas, invadiram meus ouvidos.
Pela segunda vez me encontrei tonta, e depois daquilo outra e outra e outra e outra vez.
Ali, na linha 801 em direção a Shuangxi, a cidade da dupla felicidade, eu encontrei uma delas no caminho. E eu ri junto dele, outra e outra e outra e outra e...
Sistema parassimpático = parte do sistema nervoso que tem a função de fazer o organismo retornar ao estado de calma.
Hokusai = artista japonês, pintor de estilo ukiyo-e.Schopenhauer = filósofo alemão do século XIX 》 a vida é dor, a existência não faz sentido e não vale a pena viver porque cada vontade realizada é trocada por outra.
Shuangxi (雙喜) = em caracteres chineses seu significado é de "dupla felicidade".
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a n e m o i a
Contoessas são as formas que te encontrei em todas as minhas diferentes vidas. em todas as minhas vidas imaginárias.