Iridescente

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O cheiro de mar já havia se fixado àquelas roupas a ponto de se tornar algo familiar. Mais até do que os antigos cheiros da cidade portuária que havia abrigado, durante a juventude, o contramestre daquele navio mercante.

— Khali, o que tu tá fazendo aí?

Foi Adan a gritar. Adan era um homem forte, mesmo que já não tivesse o mesmo vigor da juventude. Sua pele castanha ainda brilhava como sempre, e o rosto de traços largos e fortes mal apresentava marcas. Se Kai não o conhecesse havia tanto tempo, não diria que o capitão da embarcação era quase velho demais.

— Vendo o mar, Adan — a mulher respondeu, com os braços cruzados para trás. Havia deixado a metrópole portuária, sua cidade natal, havia boa quantidade de tempo. No entanto, ainda mantinha seu disfarce masculino, a faixa bem atada nos seios e o nome de Khali.

Adan, o homem que a havia apresentado à vida do mar, era o único que realmente sabia a verdade, e não porque ela contara. Ele havia descoberto sozinho, mas, por respeito e até afeição, mantivera o segredo bem guardado.

— Tem alguma coisa interessante aí? — o capitão perguntou então, ao se colocar ao lado dela.

No entanto, mal precisou olhar duas vezes para o seu rosto para notar as rugas de preocupação entre as sobrancelhas — e mal precisou olhar duas vezes para o céu para entender o motivo delas.

— Não gosto da aparência dessas nuvens... — Kai murmurou então, sentindo o vento marítimo soprar seus cabelos, agora longos e presos na nuca. Acima da cabeça dos dois, o céu ainda era azul e claro, mas a leste havia nuvens acinzentadas que, na experiência da contramestre, não poderiam trazer boas notícias.

— Emir, Daggy! — Adan vociferou então, chamando seus dois Imediatos, que se aproximaram pouco depois. Quando o capitão voltou a falar, sua voz tinha uma nota sombria. — Chamem os outros. Precisamos mudar o curso do navio imediatamente. Uma tormenta se aproxima.

Os dois imediatos ergueram automaticamente os olhos para o céu, identificando sem dificuldade o foco da preocupação do capitão. Eram ambos jovens, talvez com a mesma idade que Kai, mas tinham experiência e eram homens de confiança.

Demorou menos de dois piscares de olhos para que o navio, antes calmo, iniciasse um fervilhar crescente. Adan dava suas ordens em voz enérgica, porém séria. Os tripulantes todos — carpinteiros, mestres de bordo, imediatos e contramestres — iniciaram um movimento contínuo e coordenado, ajustando velas e cordames, dando ordens a seus subalternos e as recebendo dos superiores.

Kai, claro, também trabalhava, ajudando e sendo ajudada por dois outros marinheiros a ajustar uma das velas na posição adequada; estava concentrada, mas sua cabeça se dividia entre o trabalho, o céu e o mar. Ela pensava na tormenta que se avizinhava, mas também pensava em Itawa e na última vez que a vira, meses antes, no Sul. Sentia falta do toque da sereia e de seu sorriso doce, brilhando sob o reflexo das escamas douradas. Sentia falta do beijo com gosto de sal e mar e torcia, do fundo do coração, para que ela estivesse em segurança quando a tempestade chegasse.

— Khali... — a voz de Adan surpreendeu Kai, quando quase tudo estava pronto. Àquela altura, os ventos sopravam com mais força e o céu parecia mais escuro que antes.

— Sim, capitão — a jovem respondeu então, com a voz rouca que, de tanto dissimular, já havia se tornado sua própria voz.

— Acha que conseguiremos fugir?

Kai engoliu em seco, pega de surpresa com a pergunta. Tinha certa experiência com tempestades, mas aquela parecia pior do que todas as outras pelas quais já passara.

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