Lírios D'água

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Existe uma história por aí. É antiga, bonita, verdadeira e fala de amor. Não lembro bem onde ouvi, se foi no farfalhar das folhas da primavera ou no cantar suave da água nas pedras. O importante é que preciso passá-la adiante; e espero fazê-lo bem.

Há muito, muito tempo, nasceu das flores e florestas uma fada chamada Yasen, cuja pele era escura como o tronco do ipê, e cujos olhos brilhavam amarelo como suas flores. Suas asas, com desenhos intrincados como os das folhas, eram frágeis a ponto de filtrar a luz do sol e fortes o suficiente para levá-la onde os pequenos pés não alcançavam. Como todas as outras fadas, Yasen tinha a tarefa de zelar pelas plantas e flores da floresta onde nascera e, por isso, possuía liberdade para voar e andar pelos caminhos que mais lhe agradassem, desde que nunca deixasse os limites impostos pelos antigos freixos que guardavam o seu lar.

Da mesma forma, há muito, muito tempo, nasceu das águas e do sal uma sereia chamada Aysel, cuja pele era clara como o luar e cujos olhos eram profundos como o oceano. Sua cauda, com finas escamas que lembravam ondas, refletia, ao anoitecer, a luz da lua; e, ao amanhecer, os primeiros raios de sol. Como todas as outras sereias, Aysel tinha a tarefa de cuidar das águas e de tudo que ali vivia e por isso possuía liberdade para nadar pelos cursos que mais a agradassem, desde que nunca deixasse o meio aquático, seu ambiente natural.

Yasen e Aysel eram tão diferentes quanto poderiam, e, mesmo assim, possuíam algo em comum. Talvez a curiosidade implacável, o leve desrespeito às regras naturais. Talvez, por serem tão diferentes, se atraíssem de alguma forma, se buscassem como complemento.

Talvez tivessem sido esses os motivos, ou talvez não existissem motivos para o ímpeto que levou Yasen a desrespeitar as regras impostas pelas fadas e ultrapassar os limites dos freixos, deixando a floresta num certo dia de verão. Com medo, claro, mas com tal curiosidade que tornou impossível à natureza negar-lhe o desejo. E assim Yasen viu-se num mundo totalmente diferente do seu, onde planícies permitiam que se visse o horizonte como ao alcance dos dedos e onde o sol brilhava sem a sombra das enormes árvores para impedir.

Durante toda uma manhã, Yasen voou pelo ar livre, sentiu o sol lhe aquecer a pele, deixou-se repousar na grama macia, satisfazendo cada curiosidade que a liberdade lhe inspirava. Explorou até se cansar e, quando isso aconteceu, pousou na beira de um riacho que havia ali, maravilhando-se com o frescor e a textura da água, tão diferentes das chuvas que caíam em seu lar. Foi sorrindo que tocou, quase com medo, a superfície cristalina com a ponta dos pés, brincando de fazer crescer belos juncos ao seu redor. E foi nesse momento que Aysel, que tudo observava guardando distância e curiosidade, decidiu aproximar-se.

"Quem é você?"

Yasen saltou com o susto, espalhando água. Com as delicadas asas batendo tanto quanto o coração pequeno, aproximou-se devagar, observando a criatura com grandes e belos olhos azuis, rodeados de cílios tão brancos quanto o resto da pele.

"Quem é você?", perguntou, por sua vez, "Não é uma fada, é? Não tem asas..."

"Asas?", Aysel franziu a testa, confusa, "O que são... asas?"

Yasen virou-se então, mostrando as belas e intrincadas asas à criatura, que acompanhou maravilhada o movimento. Com um breve floreio, a fada voltou a sentar-se, colocando de novo os pés na água límpida.

"O que é isso?", Aysel perguntou, admirada, esticando os dedos pálidos e unidos por membranas para tocar o pé da fada, que riu baixinho ao sentir o toque frio e escorregadio.

"É o meu pé. Você não tem pés?"

A sereia negou, subindo com curiosidade os dedos pela batata da perna de Yasen, o que deixou um rastro molhado na pele escura.

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