- [...] com o ataque falho e tendo seus homens perecendo ao frio, à fome e ao cansaço da guerra, o exército alemão sofreu sua primeira derrota. Esse é considerado um dos eventos mais importantes, pois foi com isso que o mundo passou a ter esperanças de que era possível vencer os planos de conquista do Führer. As vidas de milhões, todavia, não foram poupadas - tanto na frente de batalha quanto nos extensos campos de ... - o professor se interrompe com duas tossidas bem audíveis e continua com a voz mais elevada - concentração, sobretudo em território polonês. Senhor Thodorokh, espero que o que quer que esteja chamando sua atenção do lado de fora da janela seja mais importante que sua aula sobre história antiga.

Thodorokh era um jovem garoto de 15 anos que se destacava entre seus colegas de classe, mas não por suas boas notas ou seu excelente desempenho esportivo, mas por sua frequente falta de atenção. Nesse exato momento, estava sentado em sua carteira com a cabeça apoiada em suas mãos, olhando pela janela com a boca aberta e os olhos distantes. Ao ouvir seu nome sendo chamado, tirou rapidamente os braços de cima da carteira e olhou embabaquecido para o professor que estava em frente ao quadro olhando diretamente para ele, assim como toda a turma. 

- Nã-não foi nada, professor Gort. Apenas me distraí por uns instantes, nada demais. Perdão.

- Você tem sorte, jovem. Antes da Reheden, muitos alunos sofriam castigo físico por falta de conduta em sala de aula. Agora vamos, volte a fazer suas anotações. 

O professor pigarreia e volta a discursar para a turma:

- Como eu ia dizendo, os povos não se preocupavam em matar uns aos outros. O homem destruía seu inimigo com derramamento de sangue, e seus compatriotas com fome e negação dos mais básicos direitos.

Novamente, a voz do professor ia ficando mais baixa, mais distante. Thodorokh olhava diretamente para aquele senhor já de idade que não parava de falar, mas já não mais o escutava. Não entendia porque tinha de estudar sobre coisas que não lhe diziam respeito. Afinal, Reheden era uma sociedade completamente diferente do que o professor narrava. Nunca vira uma guerra. Nunca sentira fome. Nunca ouvira de qualquer atentado contra outrem. O mundo era diferente, e a escola parecia não querer se adequar a esse novo mundo; estava sempre a repetir como as coisas eram antes da Grande Revolução. 

Seus olhos foram perdendo o foco no velho Gort. Sua cabeça ia lentamente virando, olhando o dia lindo que fazia do lado de fora do prédio. Os dias eram sempre lindos. O céu sempre azul, com algumas nuvens espaçadas. O vento batia levemente, fazendo as folhas das árvores dançarem para lá e para cá na frente da grande janela da sala de aula. Num desses movimentos, Thodorokh pensou ter visto alguém olhando para ele da árvore. Piscou forte os olhos e olhou novamente. Só as folhas balançando. Devia ter sido só mais umas das peças que sua mente lhe pregava. 

Um sinal eletrônico ensurdecedor disparava. Várias carteiras se arrastando no chão. Um falatório sem fim vindo de todos os lados. Ao fundo, a voz do senhor Gort tentando se fazer ouvir:

- Calma, gente! Não se agitem tanto para sair! Lembrem-se de fazerem a pesquisa sobre as sociedades antigas para a próxima aula, pois receberemos a visita do Grande Klugel para falar mais sobre esse assunto.

Os alunos pareciam não ouvir. Apressavam-se para sair da sala, todos aglomerados como num grande formigueiro de adolescentes. Thodorokh levantou, colocou sua bolsa nas costas e, antes de ir embora, deu uma última olhada pela janela. Nada. Apenas a árvore balançando seus galhos com o vento. Seguiu, então, em direção à porta. "É, melhor esquecer mesmo", pensou. "Afinal, não havia homem com aquele tom de pele em Reheden".


RehedenWhere stories live. Discover now