Capítulo um

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A chuva caindo forte nos arredores do castelo fazia contraste com a alegria contagiante de Clarisse naquela não tão fatídica manhã.

-Bom dia, Duque.- Cumprimentou o cachorro aos seus pés na cama logo ao acordar. – O senhor está com medo da chuva? Pare com isso, hoje será um bom dia, posso sentir. – O peludo balançava a cauda freneticamente com os afagos de sua dona enquanto conversavam.

Do lado de fora, bem perto de lá, na sala de conferências, o pai de Clarisse, Vossa Majestade Thierry Beaumont, organizava seus próximos ataques na guerra que ocorria nas fronteiras do reino. Aos poucos os inimigos adentravam o território e o exército do recém-formado Reino de Alexandria estava sendo lamentavelmente massacrado. Essas eram as principais dificuldades de um reino jovem! Com seus poucos 54 anos, quaisquer outros reinos maiores se achavam no direito de tomar esta terra para si. Mas, com o vigor do rei, o Reino de Alexandria lutaria até o fim de seus dias.

Clarisse levantou e se dirigiu à cozinha para conversar um pouco com as cozinheiras antes de o seu café ficar pronto. Esse era seu passatempo predileto; conversar com a criadagem. Como sua mãe morrera no parto, a princesa fora criada por babás e era a menina dos olhos de todos no castelo. Sua doçura encantava a todos, era praticamente impossível conhecer alguém que não simpatizasse com a terna loira dos olhos claros e fosse imune aos seus encantos.

-Mas dentro de poucos dias a senhorita completará suas 21 primaveras, certamente Vossa Majestade fará questão de um baile para apresentá-la à sociedade!- a cozinheira, dona Anelise, falava fervorosamente, estupefata pela recusa da princesa a essas “formalidades”, como gostava de chamar.

-Anelise, eu entendo a preocupação de meu pai, mas a senhora sabe bem o porquê da minha recusa ao baile... - Clarisse falava baixo para despistar os curiosos e nem foi preciso terminar a frase para a velha cozinheira saber do que se tratava. Quando a rainha morreu a cozinheira foi quem mais fez papel de mãe para a menina, sempre que possível, ela era a primeira a saber das frustrações ou felicidades da pequena e, com o passar do tempo, as duas foram ficando cada vez mais inseparáveis.

-Sei bem, minha menina, mas desconfio de que seu pai não irá acatar seus desejos e pior será a senhorita tentar justificar. – O sorriso de Anelise morreu ao dizer estas palavras enquanto fritava as panquecas. Todos sabem que o destino de uma princesa está selado antes mesmo dela aprender a falar, casamentos são frutos de diversas coisas, menos amor.

Desde os quatro anos de idade, Clarisse estava sendo preparada para ser a esposa ideal e uma mulher perfeita frente à sociedade. Todos os dias frequentava incontáveis aulas de etiqueta e boa parte do seu tempo livre era passado na biblioteca, onde aprendia sobre a história mundial e do seu próprio reino. 

-A senhorita quer comer aqui ou prefere que arrume a mesa da sala de jantar? -Anelise tirou Clarisse de seus devaneios com o cheiro delicioso daquelas panquecas com chocolate, seu prato favorito de café da manhã.

-Não sei se aguentarei tanto tempo de espera para comer essas delícias. –Disse divertida lambendo os lábios e passando o dedo na calda das panquecas, recebendo, aos risos, um sermão de Anelise em seguida. –Vai dar muito trabalho a vocês, posso comer na mesa da cozinha sem problemas, Anelise.

-Assim a senhorita só me meterá em mais problemas com o rei, madame. –Clarisse apenas sorriu fraco em resposta e sentou-se à mesa da cozinha junto à criadagem sem se importar com que o seu pai pensaria de tal atitude, segundo ele, “reprovável para uma princesa”. Na verdade, Clarisse não entendia o porquê dessa divisão de classes, seus ingênuos olhos enxergavam além do exterior das pessoas. Para a pequena princesa todos deveriam ser tratados da mesma forma, independente do seu poder aquisitivo ou posição social. Um pensamento nobre, mas muito a frente do seu tempo, poucos compactuavam com a sua forma de agir e pensar.

**
-Onde está, Clarisse? –O rei adentrou a cozinha com seu habitual tom de voz intimidador em mais uma vez encontrou a princesa de conversinha com a criadagem, sentada à mesa deles. Assim que seus olhos encontraram os dela, o sorriso de Clarisse morreu e ela se levantou, indo de encontro ao pai.

-Bom dia, papai. –Clarisse sorriu fraco novamente, ela sabia que iria ouvir um longo sermão sobre suas atitudes deploráveis, ao menos não seria na frente de todos, o rei detestava perder a sua postura autoritária e controlada. Só não sabia ainda se isso era algo bom ou ruim naquele momento.

-Para o meu escritório, agora. –Disse entredentes e saiu andando a passos firmes cozinha a fora com Clarisse ao seu encalço. Clarisse ia caminhando de cabeça baixa e, ao entrarem no escritório, fechou a porta e ficou parada frente ao seu pai olhando para os pés. –Quantas vezes mais tenho que te dizer para não se misturar a eles, Clarisse? Isso extrapola todos os limites e nos faz perder credibilidade e autoridade! –Falou alto batendo o punho fechado na enorme mesa de mogno.

-Dentro de um mês teremos a sua festa de aniversário, o que a sociedade irá pensar de nós se te encontrar simplesmente batendo papo com os garçons ou a cozinheira? –O rei gesticulava muito ao falar e o ambiente parecia cada vez menor frente à postura ameaçadora dele, Clarisse apenas continuava de cabeça baixa e concordava quando lhe era conveniente.

Ela sabia que qualquer discussão com o pai era uma batalha perdida, o rei apenas dava ouvidos àquilo que o interessava e a gentileza de Clarisse certamente era algo que não lhe traria nenhum benefício significativo, logo, sequer se importava com qualquer coisa que ela tentava lhe dizer.

-Agora pode ir para o seu quarto, mais tarde o organizador irá encontrá-la para decidirem sobre a sua festa. –Disse de olhos fechados e massageando a têmpora com a mão direita. –E Clarisse, sem mais nenhuma gracinha, estamos combinados? –Clarisse apenas concordou com a cabeça e saiu do escritório para o seu quarto sem dizer mais nada. O estresse com seu pai era tanto que decidiu apenas se deitar junto ao Duque e nem percebeu quando caiu no sono.

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