Capítulo três

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-Dia difícil? - Christian sabia que a cordialidade exacerbada de Clarisse, mais do que mera formalidade, servia para mascarar sua confusão interna. Nunca entendera como alguém conseguia permanecer tão calmo e controlado por fora enquanto o interior estava caótico. Controle emocional certamente não era um dos pontos fortes do soldado. Essa, provavelmente, é uma das características mais atraentes de Clarisse, aos olhos dele.

-E ele está só começando. - A loira comentou com um sorriso singelo ao chegar na porta do cômodo. - A propósito, vou demorar aqui. Sinta-se a vontade para tirar uma folga ou passar o dia nos alojamentos.

-Sabes que não devo deixá-la desse jeito. - Christian respondeu franzindo o cenho. Era o seu dever cuidar da segurança pessoal dela. Não que ele acreditasse haver perigo dentro do castelo, mas já estava acostumado.

-Eu sei, mas não quero que fique horas escorado numa porta sem necessidade. Tire o dia de folga, você merece, sempre fez um ótimo trabalho comigo. Digo, para mim. - Clarisse sorriu de canto. - Qualquer coisa, diga aos seus superiores que foi uma ordem direta da princesa.

-Você é minha superior. - Christian retrucou cruzando os braços, divertindo-se com a situação. - Mas tudo bem, se é o que desejas, Alteza. - Falou enquanto fazia uma breve reverência por pura implicância. Ele sabia que Clarisse nunca gostara de tantas formalidades e achava engraçado agir com tanta pompa com ela.

-Eu te amo. - Clarisse sussurrou pouco antes de entrar no cômodo e Christian apenas sorriu enquanto seguia caminho para o alojamento. Suas declarações quase sempre eram assim: baixas, ligeiras e, sobretudo, secretas. Palavras tão poderosas quanto essas não podiam ser verbalizadas a todo momento, mas estavam sempre ali. Escondida entre os olhares e sorrisos discretos.

A menina se virou e entrou na sala de jogos. Desde pequena, ela sempre adorou esse cômodo. No início, era repleto de bonecas e brinquedos e foi mudando junto a ela com o passar dos anos. Agora, estava mais neutro com paredes beges decoradas com pinturas de paisagens que Clarisse sempre quisera ver pessoalmente. No entanto, o ar jovial ainda estava presente nas poltronas francesas, cortinas sempre abertas para permitir o máximo de luz natural no ambiente e os vários livros de poemas e romances nas estantes.

-Então, quer começar pela decoração do salão, pelos doces ou pelo seu vestido? - Fahrad perguntou animado. Mais do que trabalho, organizar festas era seu hobby.

-Você quem sabe. - a princesa respondeu sentando no sofá e comendo os biscoitos enquanto via os olhos de Fahrad brilharem de entusiasmo.

E foi assim por horas a fio. Os dois conversaram, riram e, sobretudo, se deliciaram com os vários doces e aperitivos preparados por Anelise. Fahrad era o tipo de amizade gostosa de se ter, pois, apesar de passarem muito tempo distantes, nada mudava quando se reencontravam. A conversa fluía com ele, era divertido ter alguém com quem pudesse falar desde sua cor favorita de vestido até as inseguranças; as quais Clarisse costumava guardar a 7 chaves.

Quando já estava próximo do meio dia, Peyton voltou para buscá-los para o almoço. Os dois amigos o acompanharam até a sala de jantar principal. Lá eram feitas as refeições em dias comuns, geralmente, apenas Clarisse, o Rei e algum convidado do dia a dia como Fahrad ou os parceiros de negócio do reino.

A sala era grande, espaçosa, com uma grande mesa retangular ao centro composta por nove lugares. Como de praxe, o do Rei ficava na ponta, demonstrando toda a sua imponência, e o de Clarisse ao seu lado direito, demonstrando a hierarquia. Porém, um lugar entre eles ficava sempre vazio, era o de sua mãe: a Rainha Elara Beaumont. Mais do que mera formalidade, esse afastamento era quase simbólico para os dois; Thierry nunca conseguira se conectar verdadeiramente com Clarisse desde a morte de sua amada. Todos no palácio sabiam: uma parte de Thierry morreu junto com Elara.

-Boa tarde, Clarisse, Fahrad. - Thierry cumprimentou os dois que já estavam sentados a mesa quando adentrou a sala.

-Boa tarde, Vossa Majestade. - Fahrad cumprimentou baixando a cabeça. E Clarisse fez apenas uma reverência silenciosa, assim como os guardas. Apesar de não guardar mágoas, ainda estava inflamada pela discussão de cedo.

Assim que o rei se sentou, o almoço foi servido e Clarisse comia quieta enquanto Fahrad e seu pai conversavam sobre o reino e os preparativos para a festa. A menina se deliciava com o cordeiro assado ao molho de frutas vermelhas, estava na época delas e Anelise sabia muito bem aproveitar essas frutas sazonais. Ela sempre tivera o costume de se perder nos próprios pensamentos. Não que fosse uma pessoa difícil de conversar, muito pelo contrário, na verdade, mas eram raras as oportunidades que tinha para expressar suas opiniões, então preferia ficar quieta e observando na maior parte do tempo.

Quando estavam na sobremesa, Clarisse foi tirada bruscamente dos seus devaneios.

-Você me ouviu, Clarisse? - Thierry reforçou a pergunta e o rosto perdido e confuso da filha entregavam a resposta antes mesmo que ela precisasse falar.

-Perdão, papai, me distraí com o bolo, qual foi a pergunta?

-Não foi uma pergunta. Estava informando ao Fahrad que deixasse um dia vago na agenda para nós, pois dentro de alguns meses teremos também o seu casamento.

-Ah - Clarisse estava genuinamente surpresa com essa declaração. Ela sabia que teria que se casar em breve, mas preferia pensar nisso só depois do seu aniversário e da coroação. - Eu não pensava nesse acontecimento tão cedo, na verdade, achei que seria possível esperarmos mais um ano ou dois...

-Onde já se viu? Uma menina reinar sozinha por um ano ou dois! Onde você está com a cabeça hoje, Clarisse? - O rei falou já estressado. Cada questionamento desses soava como uma afronta pessoal para ele. Como uma princesa poderia ser tão insolente, petulante e inconveniente? Clarisse nem tenta disfarçar o seu desprezo pela ordem. - O casamento terá de ocorrer antes da coroação, sabes bem que não podes governar.

-Por que não? É para isto que venho sendo preparada desde que aprendi a falar! - Clarisse levantou o tom. O clima de tensão era quase palpável no ar.

-Você vem sendo preparada para ser uma rainha e mulher exemplar, não para governar. - Thierry falava com uma calma cortante. Ele nunca precisou levantar a voz para ser escutado, mas sua forma de falar era naturalmente afiada, ainda mais quando se dirigia à filha.

-Isso é ridículo! - A princesa falou alto levantando da mesa. Apesar de ser calma e controlada como o pai na maior parte do tempo, a menina tornava-se muito passional quando discutia com ele.

-Eu sou seu pai e exijo respeito! - Thierry também levantou da mesa e passou a falar mais alto. - Isso não foi um pedido, Clarisse, foi uma ordem. - Suas palavras saíam assustadoramente ácidas e duras. Clarisse sentia cada uma delas ressoar na sua cabeça causando uma cefaléia ainda mais estressante.

Os dois se encararam por alguns segundos. A tensão no ar, as palavras não ditas rasgando a garganta de ambos implorando para sair, mas presas no orgulho, criavam uma atmosfera de guerra. Era como se, ambos fossem barris de pólvora: inertes no momento, mas podendo explodir com qualquer fagulha.

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⏰ Última atualização: Apr 29, 2020 ⏰

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