PARTE I - Espectro

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Que mundo existe lá fora? Que amor existe para os humanos? Cansei desse abismo sem fim, acordar e perceber que a felicidade de que tanto se ouve falar realmente não existe, saber que a maldade anda solta e a paz aprisionada.

Não tentem mudar minhas concepções, vocês não sabem nada além do que lêem no jornal ou assistem no noticiario, estou cheia de viver presa em um ciclo de "nascer, crescer, multiplicar, envelhecer e morrer", sustentar-se com a mísera moeda governamental que vale mais que uma vida, pior é saber que em um mundo tão grande poucas são aquelas que livram-se dessa corrente inútil e preferem viver aos cortes, vivenciar a profunda dor que uma lâmina traz, dor essa que comparada ao verdadeiro vazio que é o mundo torna-se pequena.

"Olhem só, mais um louco se jogando de uma ponte. Tudo isso porque perdeu a namorada, como se não existissem várias outras outras mulheres ainda melhores pelo mundo". Comentários inúteis depois de ver mais um caso de amor verdadeiro.

Todos já se encheram do prazer e do "amor" humano que dia após dia se coloca perniciosamente em vossas cabeças, através de uma novela, de um episódio de traição, de capítulos hipinotizantes que os deixam fanáticos e cruéis, esvaziam aos poucos tudo que ao longo dos anos construíram, destrói familias, corrompe costumes e transforma todos os espectadores em uma viva máquina de causar o caos e de achar que tudo isso é só mais um espetáculo.

Isso me enoja, tudo poderia ser bom, pessoas se ajudando, respeitando a sí mesmo e as diferenças que se empõem naturalmente; afinal, não foi com essa intenção que Deus criou o mundo?

Cruel vida, acorrentada a ti, que lamento, vejo coisas absurdas que pra todos é normal, e coisas anormais aos outros que pra mim é comum. E daí se converso com sombras, se vejo vultos ou se ouço vozes? Abrir a janela e ouvir os pássaros deveria ser algo comum. Abraçar, rir, e no inverno ficar ao redor da lareira ouvindo histórias que os avós antes contavam deveriam ser frequente, gestos que acabaram, sinto saudades de algo que se quer vivenciei.

Nasci na época errada! Me enojo em ver na rua casais se "amassando" sem pudor, olhar nas praças garotas semi-nuas dançando sob o som de musicas deploráveis. Gente com tanta riqueza e outros na miséria, que mundo escroto e insignificante. Não existe mais saída, os humanos que eram tão racionais hoje lutam contra a própria existência, interferem sem consciência na natureza, preferem encontrar vida em outros planetas à cuidar do próprio habitat.

Fácil seria não ouvir, não enchergar, não viver. Ver tudo isso é como jogar-se de um penhasco ou andar sobre as brasas de um vulcão em atividade e mesmo assim não sentir dor. Sentir-se só é algo tão comum pra mim, não encontro gente que fale coisa útil, que me faça sorrir, gente capaz de preencher esse vazio ou que ao menos me compreenda de verdade. Preciso de pessoas cheias de perguntas gente que veja as coisas como realmente são, tô cheia dessa gente chata que sabe explicar tudo, que perde seu tempo dizendo que me acha legal porque sou diferente, indolentes que acham explicações para o que sinto como se eu fosse doente.

O mundo realmente é um abismo sem fim, a verdade é distorcida e a humildade é pobreza, as lágrimas são covardias e a morte se iguala a fraqueza.

(Diário de Clara, fragmento do dia 22/04/2012)

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-Clara, cheguei! -Exclama Mellanye com um tom exaustivo ao adentrar em casa.

-Clara? Meu anjo onde está você?

Mel anda pelos imensos cômodos silenciosos da casa procurando por sua filha, ciente de que por outras vezes encontrara ela desfalecendo após cortar-se por alívio de mais uma crise. Ao olhar no chão da sala, sobre um tapete artesanal de escarlate, encontra-a com os pulsos ensanguentados e gemendo baixo com sua voz tênue e angustiante.

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⏰ Última atualização: Dec 19, 2014 ⏰

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