Emilly
Respiro e inspiro alguns vezes, abro a janela da cozinha e sinto uma leve ventania tocar a minha face, um toque leve, mágico, aquilo era surreal. Os raios solares invadiram aquele ambiente sem pedir licença, alguns tocavam a minha pele fazendo a mesma esquentar. Me sentia tão bem, era como se Deus estava querendo me compensar de alguma forma, ou era apenas a maneira dEle dizer, estou aqui, filha.
Pego um copo e começo a lavá-lo enquanto cantarolo uma música, quando menos espero ele escorrega da minha mão e bate em cheio na pia. Olho a mesma que sangra um pouco, imediatamente limpo aquele líquido vermelho com um pouco de água corrente.
— Emilly, olha o que você fez. — grita. — Você é uma imprestável mesmo, saia daqui, deixa que eu mesmo lavo. — me empurra e acabo indo ao chão.
— Por que você fez isso? — reprimo as lágrimas desobedientes que queriam sair.
Respiro e inspiro algumas vezes, esse é o meu mantra que repito incontáveis vezes para não me deixar enlouquecer ou perder o controle dos meus sentimentos.
— Porque você não sabe fazer nada, deveria ser igual sua irmã Sophia.
Quando se é criança você tenta sempre ser alguém que você admira, comigo não foi diferente. Sempre quis ser igual minha irmã ou melhor queria ser ela, não porque eu a admirava, na verdade só um pouco, mas porque minha mãe sempre mostrou que gostava mais dela.
Sophia sempre foi pra mim uma utopia, claro que não podia ser como ela, não podia ser ela, mas quem disse isso pra mim?
Queria muito que a minha mãe me enxergasse como sua filha, que ela me amasse de verdade, que me visse como um ser humano. Porém, ao longo do tempo percebi que nada do que fizesse iria mudá-la. Ela me olhava com desprezo e esse sentimento não iria sumir do dia pra noite, nem o tempo iria ser capaz de transformar o que sentia por mim.
Ao longo do tempo percebi também que estava me perdendo, estava virando uma cópia mal feita da minha irmã. Em um certo dia me perguntei quem iria se lembrar da Emilly, aquela Emilly de verdade, então simplesmente voltei a mim e voltei a ser quem era, o que sempre fui.
— Sinto muito te decepcionar não sou Sophia, não posso ser igual ela.
Seguro no armário que estava próximo e com um pouco de esforço consigo levantar, estava em choque ainda com suas palavras e com o susto que tinha acabado de levar.
Respira.
Inspira.
Respira.
Inspira.
Concentro apenas na minha respiração naquele momento, precisava me acalmar e ficar bem, sentia que ia acabar enlouquecendo. Reprimo as lágrimas que insistiam em querer descer pelo meu rosto, não iria demonstrar vulnerabilidade na sua frente. Infelizmente existem pessoas que não merecem uma única lágrima derramada e minha mãe era uma dessas pessoas, chegou a hora de simplesmente largar ela, não valia mais a pena me esforçar e receber em troca mais ''porradas'' dela.
Às vezes me odeio bastante por ser tão frágil, gostaria de demonstrar para dona Charlotte que suas palavras não me machucam ou me afetam. Queria tanto aprender a disfarçar a minha dor, porém, por mais que tente não consigo. Desejaria tanto ser uma atriz, assim saberia atuar e mostraria como estava totalmente bem.
Charlotte começa a me encarar.
— O que ainda está fazendo aqui? Não tem mais nada pra fazer?
Balanço a cabeça afastando os pensamentos.
Para não escutar mais as palavras de humilhação que saiam da sua boca e os gritos, saio da cozinha e vou para a sala. Já estava cansada de me machucar, estava cansada daquela mesma cena repetitiva e monótona, começo a procurar a chave do carro do meu irmão. Se continuasse ali tinha certeza que ela iria arrumar alguma desculpa para me atacar novamente, ela era tão previsível.
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Reaprendendo a viver
SpiritualUma fração de segundos pode mudar tudo. Apesar de todas as brigas com sua mãe, Emilly tenta levar a vida o mais tranquila possível. Mas depois de outra briga feia, ela pega o carro do irmão escondida e dirige tentando esquecer. A tempestade a pega...