— Você não pode fazer isso. – a chuva batia tímida contra a estreita janela do pequeno apartamento subterrâneo, não era barulho alto o suficiente para abafar a voz recheada de raiva desgostosa que escutava pelo telefone.
— Claro que eu posso, o dinheiro é meu, se não quiser mais lhe fornecer ajuda financeira eu simplesmente não ajudo. – respondeu ríspida, mesmo por telefone conseguia sentir como os olhos fervendo odiosos sobre si.
— Mãe, por favor, eu não namoro mais o Kunhang, não era isso o que tanto queria? – tentava manter a calma similar às gotas que caiam do céu ao lado de fora, e cada vez mais o gosto amargo do pânico o consumia.
— Eu não quero mais saber de você, tudo em você me enoja, me recuso a aceitar que um dia tive que abrigá-lo dentro de minha casa para que no horário de saída do colégio você ficasse.... Ficasse.... Beijando outros rapazes. – o ódio naquelas palavras acertou o peito do rapaz como um punho coberto por um soco-inglês – Você é o completo oposto de tudo o que eu desejei, você é tudo o que repugno e detesto, seu pai teve sorte de morrer antes de ver essa desonra que você virou para todos da família. – o rapaz sentia as lágrimas quentes começando a escorrer por sua bochecha.
— Por favor, é a única coisa que peço e nunca mais lhe incomodo. Você me chutou para fora, conseguiu fazer com que Kunhang terminasse comigo, a única pessoa que de fato me amou um dia, eu estou largado feito lixo nesse apartamento caindo aos pedaços em Macau pois não tenho como voltar para a Tailândia, nem mesmo um mês para que eu arranje um emprego e nunca mais precise da sua ajuda? – a respiração saia falha, por pouco não tropeçava nas palavras e engolia algumas por engano, ou talvez pela fome que lhe assolava por não comer a três dias e algumas horas.
— Não ligue para esse número, nunca mais, e se possível apague todas as fotos que têm comigo. Não quero ligação alguma com gente da sua laia. Passar bem. – o aparelho indicou que a ligação tinha sido encerrada, seguido de um aviso que os créditos tinham acabado.
Estava desolado, em um momento de fraqueza o celular escorregou de suas mãos trêmulas e frias indo de encontro com o carpete encardido sob seus pés, olhou ao redor para confirmar que de fato aquilo era a vida real e não apenas um pesadelo que vinha lhe atormentando a meses.
O teto descascava e formava bolhas pela umidade, as paredes rachadas em um branco encardido, os móveis tão velhos quanto um quahog do oceano e fedendo a mofo, e agora sua alma tão apodrecida que chegava a afetar seu físico de diversas formas negativas.
Desolado em um país estrangeiro, sem um teto para viver após o término e sem uma família para o amparar, os dias de luta e glória já tinham ficado para trás, aqueles já eram os dias sombrios e mórbidos onde não se existia nada além da solidão e o vazio absoluto em sua forma mais fiel.
Com as poucas forças que lhe restavam foi até a geladeira, poucos passos foram precisos para andar naquele apartamento tão pequeno com poucos metros quadrados, procurou como se magicamente fosse surgir algo para poder comer e fazer sua barriga parar de emitir aqueles sons agonizantes e sofridos.
Suas pernas desmontaram, seus braços tampouco tinham algo para o proteger daquela queda brusca contra o chão, o carpete abafou o som da queda e evitou que ferimentos maiores fossem causados. As lágrimas não escorriam mais, seu olhar ficava perdido para a parede branca sem saber que rumo tomar, um olhar opaco e sombrio, tão apodrecido quanto suas energias.
"O completo oposto de tudo o que eu desejei"
Ecoava repetidamente em sua mente, chegava a ser tão barulhento que nem mesmo tampando os ouvidos aquilo cessava, as pernas se encolheram e ficaram escondidas entre os braços ocupados em tentar cessar aqueles pensamentos perturbados, movia-se para frente e para trás tão suave quanto a chuva serena que caia do lado de fora, estava completamente atormentado e sequer via possibilidade de culpar sua progenitora por aquilo, todo aquele fracasso era apenas e unicamente sua culpa.
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Anjo por sete dias
FanfictionMacau, uma cidade que carrega uma história em suas costas e comporta a ponte da amizade, um lugar comum onde histórias sendo escritas são gravadas, e em uma madrugada orvalheira quase deu um ponto final a vida de um rapaz jovem que subitamente perde...