HELOISE
Passando a página de um livro novo que comprei para leitura, no hall da casa em que a poucas semanas havia se mudado, me assusto com o barulho da janela se batendo. Estava uma tarde bonita em Paris, mas com ventos fortes. Levantei-me para fechar a janela, e pela fresta observei a Chloe, brincando nos jardins da casa com o cachorrinho novo que adotamos.
- Chloe, querida? Não demore muito aí fora, o tempo está esfriando. – Falei alto para ela ouvir.
- Sim, mamãe. Não vou demorar. Só vou brincar mais um pouquinho. – Falou enquanto corria atrás do cachorro, contente pelo novo amigo que conquistou.
A minha filha tem significado a única coisa feliz que me aconteceu até então nesses últimos anos. Desde que tive que me casar a pedido da minha família, com um Milanês do qual eu nunca tinha visto na vida, sinto que uma parte de mim morreu. Ainda mais da forma como foi, depois da morte de minha irmã e depois de eu ter que deixar de viver um amor, apenas para minha família continuar usufruindo dos privilégios da aristocracia. Então a escolha de engravidar e focar na maternidade logo depois do casamento foi essencial, tanto para esquecer que eu estava casada com um estranho, como também para esquecer do meu amor por Marianne.
Viro-me e olho para as paredes da sala de estar, logo acima da lareira está o quadro que há alguns meses eu fui pintada com a Chloe. O Agostino, pai da minha filha, pagou uma quantia considerável para que um pintor renomado francês nos pintasse. Essa foi a primeira vez que me deixei ser pintada depois que Mariane fez o meu último retrato. Inclusive, esse antigo quadro me traz lembranças tão profundas em olha-lo que após nossa mudança para Paris, não tive coragem de pendura-lo ainda, deixando-o guardado no porão da casa.
Ouço o barulho de ferroadas vindo da rua. Corro de volta para olhar sobre a janela. O Jacquin se aproximava com seu cavalo e as coisas que eu havia pedido para ele buscar no centro. A ansiedade em que eu me encontrava agora aumentou tamanha as expectativas que eu estava acumulada. Sem conseguir respirar direito, desço as escadas em direção a cozinha. Jacquin tinha acabado de entrar pela porta dos fundos.
- Sra. Heloise! – Fala em tom entusiasmado.
- Jacquin, conseguiu tudo que eu o havia pedido? – Olho para suas mãos e percebo que as sacolas estavam cheias das comidas que solicitei. Mas não era pelas compras que eu estava ansiosa.
- Sim, aqui estão as comidas e o bilhete que busquei na casa do pintor François Doyen. – Ele retira do bolso de sua jaqueta um papel envelopado e me entrega. – Quase que não consegui encontrar o Sr. François, dona Heloise. Ele não estava em casa no momento em que cheguei, mas quando eu estava indo embora eu o encontro.
- Ah sim, que bom que o encontrou a tempo. – Digo aliviada. Se o Jacquin não tivesse conseguido acha-lo, eu mesma iria ao centro atrás daquele senhor tamanha a minha ansiedade.
- Inclusive, Sra. Heloise, quando eu estava andando pelo centro, encontrei por acaso aquela moça... – Neste momento Chloe entra na cozinha aos berros.
- Mamãe, mamãe. Eu cai. – Ela fala aos soluços com o rostinho todo vermelho de choro, apontando para o machucado no Joelho. – O Romeu queria fugir para rua, eu ia pegar ele e...
- Chloe, falei para ter cuidado ao brincar com o Romeuzinho. – Tento consola-la pegando-a e colocando nos meus braços. - Não chora filha, é só um arranhãozinho. Vamos limpar que vai parar de doer, está bom?
Ela assente e apoia a cabeça no meu obro diminuindo o choro. Me viro para o Jacquin e ele se mostra preocupado.
- Nossa, tem algo que eu possa ajudar, Sra. Heloise? Parece ser grave?
- Não precisa, é só um machucado leve, não se preocupe. E por hoje é só, Jacquin. Está dispensado e pode ir para casa ficar com a Sophia e o bebê.
- Obrigado, Senhora, ao seu dispor. Até amanhã. – Ele acena com a cabeça e vai em direção a porta de saída.
Neste momento a Rose, a criada nova que contratamos assim que chegamos em Paris, corre em minha direção com o semblante assustado.
- O que aconteceu com a Chloezinha, senhora?
- Ela caiu lá fora e machucou o joelho. Nada de muito sério. Você pode dar um banho nela agora, por favor? Eu vou guardar as compras que o Jacquin trouxe. – Estendo a Chloe para ela pegar.
- Certo... Venha Chloezinha, não chore. Vai passar... – Fala tentando tranquilizar a Chloe, enquanto sai andando com ela nos braços.
Respiro fundo tentando aliviar a tensão do momento e me volto ao bilhete que ainda estava nas minhas mãos que tinha recebido. O bilhete era do pintor que realizou o retrato meu e da Chloe. O fato é que ele pintou o nosso retrato quando morávamos em Milão, e assim que ele soube que estávamos morando em Paris, nos procurou para perguntar se eu deixaria ele levar o quadro para uma exposição importante que iria participar com outros pintores da cena artística Parisiense.
Quando ele me propõe isso, automaticamente eu penso em Marianne e que ela poderia também ser uma das expositoras no dia. A seis anos não tenho notícias dela desde a nossa despedida e a possibilidade de reencontra-la depois de tanto tempo me deixou extasiada. Inclusive esse foi um dos motivos de insistir ao Agostino de nos mudarmos, além de preferir que minha filha estude em uma escola francesa de arte futuramente. E claramente aceitei a proposta. Não teria uma ótima oportunidade de encontrá-la que não fosse aquela, pois eu iria à exposição.
Mas meus planos de ir infelizmente foram por água abaixo. A Chloe adoeceu devido a uma virose e não tinha ninguém com que eu confiasse em deixa-la naquele momento. A tristeza me tomou conta e perpetuou por alguns dias até o Sr. François devolver o retrato essa semana. Pergunto-lhe se ele lembra de ter visto alguma pintora de nome Marianne na exposição. Ele disse não conhecer nenhuma pintora com esse nome, mas como ele ficou muito grato por ter levado o quadro, falou que tinha em casa a relação de todos os expositores que estavam naquele dia e iria me passar.
Era esse o motivo da minha ansiedade pelo bilhete que estava em minhas mãos. Toda frustação de não ter ido a aquela exposição poderia acabar naquele momento. Pois se ela viu o meu retrato e o significado que ele transmite, saberia que ainda penso nela. Já que na figura mostra eu segurando o livro que ela me deu e a página em que ela fez uma gravura sua para mim; p.28.
Respiro fundo e abro rapidamente o bilhete do Sr. François. Lá estão a lista com os nomes. Passo os olhos por toda a página. Leio novamente mais atentamente. Na folha estão 25 nomes, todos masculinos. Nenhuma mulher estava na exposição. Nenhuma.
Fechos os olhos tentando conter a decepção, mas não consegui conter as lágrimas que caíam sobre o meu rosto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Retrato de uma jovem em chamas: after
RomanceNo subúrbio de Paris vive Marianne, pintora que sobrevive da venda de quadros e de ensinar sobre a arte de pintar. Do outro lado da cidade vive Heloise, com uma vida estabilizada, mãe e esposa. O que essas jovens tem em comum é uma paixão avassalado...