CAPÍTULO 1

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      Moro em uma cidade pequena e pacata, todo mundo se conhece, todos sabem de todos (isso me incomoda).
      Há apenas uma rua principal que corta e divide a cidade em dois bairros com casas pálidas e praças verdes distribuídas pelas vielas adentro. Não há prédios altos, a maioria não passa de três andares, o que mantêm um clima (incômodo) de interior com vista aberta à todos. Tem-se alguns comércios, escolas, estruturas básicas de todo local pequeno, mas nada além disso. Não há interesses maiores por aqui além da rotina dos outros.
      Vivo observando as coisas que acontecem ao meu redor. As pessoas se cruzam todos os dias, muitas delas levantam olhares (estranhos) quando eu passo. Eu sei que eles falam muito de mim, só não sei bem o que ou o porquê. Alguns tentaram contato comigo, pegar alguma intimidade, (Ah! Mas eu odeio essa tal de intimidade) então eles não devem gostar muito do meu silêncio!
      Eles não sabem que meu silêncio tem causa, devem imaginar e especular mais de mil e uma possibilidades, mas a verdade é que minha cabeça é a minha maior companhia e desgraça! Na maioria das vezes, os pensamentos que passam não são os melhores, nem os piores, mas são atordoantes e vem como vendaval quando menos se espera. O único momento em que estou em paz é de noite, quando me aconchego em minha cama e consigo apagar em um sono profundo.
      Quando acordo, tento apenas fazer o que devo, como tenho que fazer e do jeito que deve ser, sem pensar, sem parar, mantenho a mente e as mãos ocupadas. Assim, estudo o dia inteiro em um colégio simples, e lógico sou a melhor da turma, não que seja meu objetivo, mas nada como uma mente cheia para espantar os desprazeres. Passo pelos corredores com o objetivo da próxima aula em mente, não troco olhares, não falo com os outros e evito assim entrar em confusão (ela pode aguçar minha imaginação).
      Quase sempre consigo o que planejo, a não ser por aqueles que se incomodam com meu silêncio. Se não bastassem querer saber e tomar conta da minha vida, alguns ainda querem tirar satisfação, me incomodar e me atacar constantemente. Assim é Clara, amarga como nunca vi outra. Ah! Meus pensamentos se fossem reais, ela teria um sofrimento tão lindo, mas ainda assim controlo e me contenho em minha mente, tento sempre deslocar os pensamentos para outros pontos. É, ela estuda na mesma escola e frequenta os mesmos lugares que eu, como se tivesse muita opção, mas o que ela mais quer é criar intriga, fofoca, perturbar minha vida.
      Após um longo e repetitivo dia chego em casa para o jantar e como sempre meus pais estão fora, trabalhando talvez, raramente os vejo e isso é comum. Não que me faça falta, pois a presença é desconfortante, já acostumei com o silêncio dentro de casa, com meus momentos tranquilos e a sós.
      Pego a pouca comida que deixaram, requento e também consigo me deliciar com um pouco de sobremesa que restou, termino, lavo a louça, coloco uma música no celular e levo para o banheiro, vou tomar um banho quente e relaxar o corpo com a mente ocupada pelo som. Agora, enquanto não tenho mais algo para fazer, vou para a cama e durmo naquele sono profundo, para aquietar e evitar meus pensamentos.
      Assim os dias se repetem em um loop infinito e em alguns deles encontro meus pais em casa para o jantar! Sempre jantamos em silencio e vamos cada qual para seu quarto. Porém, nesse dia as coisas tiveram outro rumo, ao ir para meu quarto me deparei com uma conversa entre portas, diziam estar preocupados comigo, que as pessoas falavam muito de mim, queriam me levar para um psicólogo. Não estava muito a fim de como a conversa iria se encaminhar então fui para meu quarto e adormeci.
      No outro dia eles ainda estavam lá, pela primeira vez não saíram para trabalhar e então me convidaram para conhecer um tal de Doutor Pupim. Fomos até seu consultório no centro da cidade, um lugar interessante, há alguns móveis antigos harmonizados com o ambiente escuro, ele era uma pessoa calma e quis ficar sozinho comigo. Perguntou-me sobre o que eu achava da minha casa, dos meus pais, do colégio e eu sempre muito simples respondia com um "bom", "mais ou menos", "está bem". Acho que ele não ficou satisfeito com isso e tive que voltar outros dias, que seguiam o mesmo monólogo, não estava a fim de conversar com quem não conheço.
Pupim não desistiu, tentou de diversas formas saber o motivo de ser reclusa ao meu mundo e eu nunca soube o que responder. Então ele soube de minhas desavenças escolares e começou a chegar perto de mais de minha mente. Me pressionou de várias maneiras a falar, tentava me deixar furiosa me atacando para ver se eu reagia e isso foi me consumindo, por dentro. Ele me fazia pensar, não só isso, ele me fazia sentir meus pensamentos, e eles não paravam, não conseguia me desvencilhar mais.
      Então chegamos à última seção, ele desistiu. Voltei para minha casa já tarde neste dia, cheguei, jantei e fui dormir.

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