CAPÍTULO 2

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      Acordei e o dia parecia comum, se não fosse pela sexta de feriado, mas ainda estava sozinha em meu quarto escuro e mais silencioso do que normalmente era, talvez pelo fato dos vizinhos não gostarem tanto de ficar nessa cidade quente e sempre irem ao litoral nessa época, alias local para onde meus pais também devem ter ido.
      Levantei, desci as escadas e fui tomar café. Aparentemente o vizinho de trás não foi viajar, que pena! A música estava alta como sempre, com um grave de entontecer qualquer pessoa.
Tomei o café com calma, saí para o quintal e as outras casas ao redor estavam fechadas. Sorri, pelo fato de não estarem lá, enfim posso ficar mais a vontade, sem olhos curiosos para dentro de casa.
      O vizinho de trás quase nunca se mostra, trabalha o dia todo e faz essa bagunça todo final de semana ou feriado. Ouvia suas gargalhadas sobressaindo da música e som de móveis se arrastando. Ele deveria estar realmente se divertindo, ou mudando os móveis de lugar para variar a decoração.
      Voltei para a cozinha, cuja janela se encontra com parte da janela do vizinho. Ouvia-o cantar, gargalhar mais uma vez e então ouvi um grito. Não era um grito de felicidade e nem era do homem. Aparentemente ele estava acompanhado com alguma mulher e algo parecia ter acontecido com ela. Mas nada que me preocupasse, poderia ser por um costume de topada do dedo mindinho do pé em algum móvel parado infelizmente em seu caminho.
      Subo as escadas e vou para o escritório, este dava também para a janela deles, pude ver o homem e ele estava conversando com alguém, realmente deve ter sido nada. Ligo o computador e começo a navegar pela internet sem rumo. Ouço mais um grito, mas agora parecia ser de uma criança "Para pai!". Voltei à janela e não vi a criança, o "pai" estava rindo, deveria ser alguma brincadeira, talvez.
       A música aumenta de volume, tanto que mesmo que eu evite, tive que ir até ele para pedir que abaixe o som. Como odeio isso!
Desci as escadas, tranquei a porta da frente, saí pelo portão e o fechei. Curvei a esquina da casa vizinha trancada, e fui até a próxima casa, a do bagunceiro.
      Fui caminhando para a casa deles e quanto mais me aproximava, mais o som ficava alto e maior ainda a minha raiva. Cheguei defronte a casa, eles tinham um muro muito alto, tal altura que o portão acompanhava, este parecia estar encostado. Gritei, mas ninguém parecia me ouvir, então ouvi um grito de "Socorro!", talvez da mesma mulher de anteriormente, meu coração acelerou e fiquei estática. Os gritos não cessaram e eram repetidos, misturados ao grito da menina de "Para pai" e às gargalhadas do homem.
      Olhei ao meu redor, não havia ninguém, o bairro estava deserto e quem estava, ora não morava por perto ou não ouvia por causa do som.
      Desesperei-me, levei a mão ao peito, o coração acelerado, a respiração ofegante, ainda estava parada entre o portão sem saber o que fazer! Fui olhando ao redor, gritei que ia chamar a polícia; que tinham pessoas entrando comigo. Assim fui devagar, um passo de cada vez, ainda com a mão no peito, até a porta de entrada. Fui olhando atentamente para cada lado, atrás de mim ficou o portão alto e não havia mais ninguém.
      Os gritos e as gargalhadas tinham cessado, não havia mais nenhum som, a não ser a musica que continuava alta. Parei diante a porta de entrada, estava totalmente aberta.
      A sala estava destruída, todos os móveis estavam fora do lugar. Andei um pouco mais para a frente e o chão estava molhado, olhei mais de perto e parecia sangue, muito sangue. Minha mão foi à boca e segurei um grito de susto. Havia uma faca branca, grande, em cima do que parecia uma cômoda caída, peguei e continuei a andar, com cuidado.
       Ouvi um murmuro que vinha de cima, parecia ser a garotinha, mas não consegui identificar o que ela falava. Andei com a esperança de encontra-la bem, já não havia mais som do homem. Andei até a escada, e vi uma grande poça de sangue que vinha de uma porta, anexada abaixo da escada. Fui com cuidado até a porta, esperando encontrar a menina lá, ou a mulher!
      Abri a porta, o coração apertou de tal maneira que parecia que ia parar, lágrimas desciam de meus olhos sem que eu esperasse. A minha frente estava a mulher, a cabeça cortada, sangrando, pendurada pelos cabelos, amarrados onde teria um dia, casacos pendurados. Seus olhos estavam abertos, arregalados, pareciam mais assustados como nunca vi outros antes, a boca estava aberta. Caído no chão estava o corpo degolado, sem roupa.
      Então ouvi de longe, em meio a musica, um "me perdoa, pai" que ecoaram nos meus ouvidos, voltei meus pensamentos para a realidade, virei para a escada novamente, com a faca em punho, coração disparado, mas não havia ninguém ali embaixo.
      Subi as escadas com calma, devagar e a cada degrau havia marcas de sangue de sapatos grandes e outros pequeninos. No topo da escada me deparei com a criança, sentada no chão e encostada na parede, com a respiração ofegante, suja de sangue e segurando uma faca que tinha sido encravada em seu peito. Ela me olhou no fundo dos olhos e a ultima coisa que disse foi que não conseguiu parar ele. Então suas mãos caíram ao lado de seu pequeno corpo, sua respiração foi ficando mais lenta até parar. Morreu, com o desespero em seu olhar.
       Ouvi um barulho no corredor a minha direita, olhei rapidamente e lá estava o homem em cima de um banquinho, me encarando, sorrindo para mim, com uma corda no pescoço, amarrada em um pequeno lustre. Então ele deu um passo e dependurou na corda, pelo pescoço. Ainda me encarando, com o rosto arroxeando, sorriu mais uma vez e então não havia mais reação.
       Não conseguia me movimentar, não daria um passo se quer, olhava de um lado para o outro, de um corpo para o outro, estava desesperada. Olhei para a pobre criança, desfalecida em seu canto. Virei as costas e desci correndo as escadas, passei pela porta, pelo portão, sem nem olhar para trás.
       Cheguei a minha casa e liguei para a polícia. Não demorou muito para ouvir o som da sirene. Fiquei sentada, na cadeira onde tinha tomado café mais cedo, estava incrédula. Já não sentia mais meu coração, meus pensamentos tinham sido destruídos por aquilo tudo, minha cabeça não só tinha acalmado, estava parada, sem pensamento, sem reação.
      Os policiais vieram até minha casa, conversaram comigo, ligaram para meus pais que demoraram um pouco, mas chegaram. Minha mãe me levou para um banho, arrumou algo para eu comer e então fui para o meu quarto, fiquei deitada em minha cama, olhando para o teto, ainda sem pensar em nada. Fiquei muito sonolenta e apaguei, talvez pela mistura de remédios que minha mãe tinha me dado.
       Acordei, sentei na cama ainda um pouco atordoada, sonolenta. Com a mente em paz e sem aqueles pensamentos estranhos, dos quais nunca contaria a ninguém, eles sumiram. Levantei e fui me arrumar no espelho, sorri pela calmaria da minha mente e isso me trouxe a lembrança daquele homem, daquele sorriso e de todo o acontecido, olhei pela janela do meu quarto e a rua estava calma, sem carros, desci as escadas para tomar meu café em paz, olhei de relance para a casa do vizinho e os poucos móveis que vi estavam no lugar, mesmo que a casa estivesse calma, não parecia que um assassinato tivera acometido naquele lugar e será que realmente aconteceu?
       Há um bilhete na mesa onde sempre tomo meu café:
                                                    "04/11/01
      Precisamos viajar para cuidar da casa na praia, retornaremos em breve, se cuida!
                                                      Mãe e Pai.".


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⏰ Última atualização: Apr 25, 2020 ⏰

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