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— É tudo muito estranho, não acha? — perguntou Lora. — Algo muito improvável e bom! Veja por esse lado Raquel! — Exclamou, enquanto fechava a mala da amiga desastrosamente, amassando todas as roupas que cuidadosamente tinham sido arrumadas.

Sentou-se na cama e encarou a tela do celular, onde continha o e-mail. O conteúdo dizia que a presença de sua melhor amiga, Raquel, se fazia necessária para uma espécie de reunião, e quem tinha entrado em contato era o advogado da família que há temos ela sequer via. Era uma solicitação clara e objetiva que a convidava para comparecer até a casa dos Brandes.

Por vários dias Raque havia ignorado o e-mail e até pensado em não ir, mas nos debates com sua terapeuta, ficou claro que seu retorno até aquele lugar seria bom para pôr fim em alguns ciclos, e principalmente: pôr uma pedra em certos assuntos.

Logo, com aquela possibilidade de se ver livre de uma vez por todas, Raquel decidiu enfrentar de peito aberto a situação, mesmo ainda que a ideia não a agradasse.

— Não vejo nada de bom nisso, Lora. Só não entendo o porquê minha presença foi solicitada naquela casa, só isso! — Pausa. — E é Ana Raquel! Quantas vezes tenho de repetir?

— Mas vamos combinar minha amiga, um baita casarão! — Lora exclamou, fazendo pouco caso do que Raquel acabara de dizer, e continuou... — Se eu tivesse a oportunidade me deitaria sob o sol daquele lugar, só sairia de lá com uma insolação! — ralhou enquanto se jogava na cama e abria os braços imaginando a cena surreal.

Foi quando de repente parou e encarou o teto, reparando na mancha terrível de mofo.

— Nunca entendi como você teve coragem de se mudar para cá e morar neste lugar minúsculo. — Olhando em volta para o pequeno apartamento de três cômodos que ela vivia sozinha há quase cinco anos, Raquel reparou que não conseguia enxergar seu lar com os olhos de Lora.

Sentia orgulho de sua trajetória e entendia que no momento, era o que podia arcar, mas resolveu ficar quieta. Sabia que para os padrões de Lora, aquele lugar era pouco demais para atender aos seus estalões exigentes, e a amiga pareceu entender bem o recado silencioso.

— Você sabe como sou, Raquel. Já te convidei para irmos morar juntas, mas você faz questão de negar. E sabe que eu jamais abdicaria do meu conforto para morar em um lugar inferior.

Raquel sabia que apesar da língua afiada e opinião bem definida, Lora não era má pessoa. No grupo de amigos que tinham, todos concordavam que Lora parecia um personagem saído diretamente de algum seriado de patricinhas do Netflix.

Mas apesar da diferença entre elas, as duas haviam meio que se conectado instantaneamente imediatamente assim que se conheceram na época da faculdade, e a julgar por serem o oposto uma da outra, descobriram uma amizade esteticamente peculiar, muito embora forte.

O abuso havia feito com que se quase tivessem se tornado a mesma pessoa, fazendo com que passassem a se enxergar como verdadeiras irmãs e a partir dali se ajudassem, se doassem uma pela outra nos momentos que precisavam desabafar ou se refugiar dos demônios que as perseguiam.

— Acho que abdicaria, sim, principalmente se tivesse visto o que passei ali dentro. — Por mais que estivesse concentrada no que fazia e sua voz agora, não mais embargasse apenas por mencionar o passado, era evidente a seriedade nas palavras, além de um certo amargo no tom.

Suspirando, fechou a bolsa e abaixou-se novamente, ajeitando suas coisas e certificando-se de que toda a bagagem estava em ordem para dar início a viagem de mais de quatro horas que faria.

Foi quando se virou, buscando o rosto da amiga que Raquel viu o olhar de Lora pesar e escurecer, combinando com a pergunta que veio logo em seguida:

— Tem certeza que quer prosseguir com essa viajem? Se quiser, posso pedir alguns dias de férias a mais e vou com você... — Levantou da cama e foi direção da amiga, se postando a sua frente. — Sabe que me preocupo em deixar você ir sozinha para enfrentar tudo aquilo novamente, não é mesmo?

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