- Eu só... Estava tentando... - Entrar! Eu percebi isso.... É muito feio roubar! – Disse a menina de forma severa enquanto colocava as pequenas mãos na cintura. – Só pode roubar para comer e ajudar os outros, igual o Peste Rubra faz!Julinha não sabia o que dizer diante da menina que parecia bem nervosa com sua tentativa de arrombar a porta da própria irmã. A jovem engenheira não conhecia a garota, mas podia supor que era sua sobrinha. Antônia e Heloísa chegaram ao Brasil encantadas com a docilidade e esperteza da filha de Robin. Todos os dias lhe contavam alguma estripulia da garota. Era como se já convivesse com ela. A irmã caçula de Robin desceu os olhos pela criança e Marielle era exatamente como Robin e suas mães haviam descrito. Desde seus cachos cor de mel, até a postura atrevida, de menina que acha saber tudo. Mesmo que a recepção não tenha sido das melhores, Ana Julia já poderia declarar seu carinho imediato pela pequena que a olhava de forma desconfiada. Assim que pudesse encheria a bochechinha gorducha de Marielle de beijos.- Eu vou me aproximar para explicar o que está acontecendo, mas prometo que não farei nada. Tudo bem?- Não precisa se aproximar, eu escuto bem daqui, continue aí. – Marielle deu alguns passos para trás, olhando rapidamente para sua sapatilha de balé. Provavelmente o calçado delicado estragaria caso precisasse correr daquela "bandida". Na tentativa de não assustar a menina, Julinha levantou os braços em sinal de redenção e sentou na varanda. Não queria deixar Marielle amedrontada, a criança tinha toda razão em estar desconfiada, afinal Ana Julia era uma pessoa desconhecida para ela. - Tudo bem.... Está vendo aquelas malas ali? – Julinha apontou para o amontoado de malas que estavam ao lado da porta.- Você as roubou?- Não! – A jovem não pode deixar de rir da persistente desconfiança que a menina tinha a respeito de sua índole. – Essas malas são minhas, eu cheguei de viagem agora há pouco... - Porque você estava tentando invadir a casa do meu pai?- Eu não estava tentando invadir...-Estava sim...- Tudo bem, eu estava. – A menina franziu o cenho em reprovação diante da constatação da mulher. – Mas eu tenho uma boa justificativa, Marielle! - Como você sabe que meu nome é Marielle? - A garota questionou com medo.Julinha fitou a garota.- Eu leio mentes... E sabe o que está passando na sua agora? Você quer saber quem eu sou, acertei? - Marielle arregalou tanto os olhos que Julinha teve medo que eles caíssem e rolassem pelo chão. A jovem acabou rindo e então se explicou. - É, brincadeira... Eu sei quem é você, sei quem é o seu papai porque eu o conheço desde que nasci. Meu nome é Julinha, eu sou irmã mais nova da... Do Robin... - Julinha esclareceu. - O nome das minhas mainhas são Heloísa e Antônia, você conhece elas, não conhece? Mariele abriu a boca surpresa com tantas informações. Sua memória começava a trabalhar. Ela já havia falado com aquela mulher por telefone. Ela tinha a voz e o jeito cantarolado de falar parecido com da sua avó Heloísa. Fisicamente, ela também se parecia bastante com a mãe baiana de Robin. Só podia mesmo ser filha dela.Sem saber muito bem o que fazer após aquela informação, a menina deu um leve tapa na própria testa se achando muito boba por ter dado uma senhora bronca na própria tia. Será que Julinha ia ficar aborrecida com ela por causa daquele engano?- Você realmente parece com a vó Heloisa... Eu não sabia, desculpa...- Imagina, você estava certa. É muito feio roubar e invadir casas alheias... – Disse bem-humorada agora se aproximando da menina, logo em seguida estendendo a mão. – E é muito bom lhe conhecer pequena Marielle, acho que sou sua tia...- Percebeu um ar ressabiado vindo da garota. - Ainda está desconfiada de mim? Eu posso comprovar que meu nome é Ju...- É que eu não sei o que é alheias... - Marielle confessou fazendo a adulta rir. - Estou me sentindo muito burra.- Pois você não é... - Julinha garantiu se aproximando da garota. - Você é esperta e realmente muito valente. - Deixou um beijo apertado no rosto da garota. - Só que na próxima vez que ver um desconhecido em uma situação comprometedora, você vai sair correndo e não vai enfrentá-lo. Promete?Marielle revirou os olhos diante do pedido da tia, mas no fim concordou com ela. Seu "pai" e Madu já haviam dado o mesmo conselho, alertando para sua própria segurança. Por mais que a menina já tivesse passado muito tempo na rua, não deixava de ser só uma criança. Marielle era esperta o suficiente em saber que eles estavam certos e queriam protege-la.- Prometo! E desculpa por achar que você era ladra. - Está tudo certo. Vamos sentar na varanda para esperar seu pai chegar?- Não precisa, não...- Julinha olhou para a menina sem entender. Com a intenção de explicar para tia, a menina se aproximou e sussurrou bem baixinho como se contasse um segredo. – Eu sei abrir portas sem chave, mas na casa do papai não precisa pois eu tenho a minha própria chave. – Finalizou mostrando a chave que antes estava guardada em sua pequena bolsa que par com seu traje de bailarina. - Vamos entrar!Julinha sorriu. Marielle era mesmo um anjo. Ursal era linda e tão quente quanto sua Salvador, seu corpo implorava por sombra e um belo banho. A casa de Robin parecia seu oásis no deserto. Nunca tinha entrado naquela casa em sua vida, mas logo que pôs os pés dentro daquele ambiente não pode deixar de pensar:"Lar, doce lar". (...)- Eu nem sei o conteúdo do envelope e já estou nervosa. – Gabi disse estendendo a mão e mostrando o quanto estava trêmula.A cantora não sabia expressar o quanto era significativo aquele gesto de Anahí. Mesmo que fosse apenas um simples cartão postal ou algo parecido, para Gabi, o ato de ser lembrada à quilômetros de distância deixava seu peito quentinho em conforto pela reciprocidade de afeto e consideração. Por conta de sua história de vida, Gabi perdeu muitas pessoas e tornou-se carente de afetos.Anahí se deu conta do estado de nervosismo da mulher apenas em olhar o envelope. Preocupada, a professora deixou Gabi sentada em sua cama e se levantou para pegar um copo d'água na cozinha. Ao voltar, Anahí entregou o copo a Gabi que tomou em um gole só. Ela parecia pressentir o quanto o conteúdo daquele envelope era importante. - Melhor? – Perguntou a professora verdadeiramente preocupada, sentindo-se culpada pelo repentino nervosismo da outra. - Estou sim. Desculpe-me, eu só... Não costumo receber presentes, faz tanto tempo que não sou lembrada de fato, nem sei dizer a última vez que isso aconteceu.... Sei que perece bobo, mas é muito significativo para mim. Obrigada, Anahí. De verdade. - Você pode me agradecer assim que abrir o presente. Quem está ficando nervosa agora sou eu. – Anahí comentou bem-humorada. Deu um aperto carinhoso em sua mão. – Acredito que você irá gostar... E assim o pedido da professora foi atendido. De forma cuidadosa, afim de preservar o envelope como lembrança, lentamente Gabi abriu a correspondência. Suas mãos estavam tremulas. Um pequeno rasgo foi feito, o suficiente para Gabi ver que seu presente não era um cartão postal e sim uma carta. Gabi olhou para Anahí com um ponto de interrogação desenhado em sua feição. Não entendia o porquê da carta, sendo que Anahí estava ali e poderia dizer tudo que quisesse, sem precisar do subterfugio de papel e caneta para externar qualquer coisa que fosse.- Leia, você irá entender...Após um rápido suspiro, Gabi pôs-se a observar as letras miúdas e bem-feitas. A assinatura do remetente estava logo a cima do texto, mas Gabi não precisava ler o nome para saber quem havia enviado. Gabriela sabia que aqueles traços delicados eram daquela que lhe ensinou a ler e escrever o seu nome, assim como suas primeiras trocas de confidencias e afeto verdadeiro.A primeira lagrima molhou o papel antes que Gabi conseguisse terminar a carta. Ainda estava na metade e não sabia se conseguiria chegar até o fim. Saber que sua avó ainda estava viva e lembrava de si era o melhor presente que alguém poderia lhe dar, Anahí tinha acertado em cheio. Jamais ia esquecer aquele gesto. Tanto tempo longe fez com que Gabi realmente acreditasse que tinha sido definitivamente esquecida por sua família. A cantora, que desde muito jovem, havia saído de casa por problemas familiares relacionado a sua sexualidade e gênero, aprendeu a se cuidar sozinha. Mesmo na infância percebia a diferença de tratamento por parte de seu pai e sua mãe por causa de seus trejeitos ditos femininos. Seu refúgio era o colo de sua avó Giulia, que a protegia de todo e qualquer ataque de algum membro da família e de pessoas da rua. Gabriela era muito grata por isso, e sempre que podia, voltava escondida para visitar a sua avó, a única que lhe sempre apoiou incondicionalmente. Nem mesmo suas limitações físicas, ao estar presa em uma cadeira de rodas, impediu Giulia de proporcionar a Gabi um dos maiores presentes de sua vida, que foi a redesignação sexual, algo pouco conhecido no Brasil. Desde as questões financeiras, até o suporte pós-operatório foi viabilizado pela avó. Mesmo de longe não deixava de ser um anjo na vida de Gabi.Sendo Gabi uma das primeiras mulheres transexuais brasileiras a fazer tal procedimento, a batalha, que antes era interna e familiar, se tornou judicial e publica. Tratada de forma hostil por populares e pela própria justiça que a todo custo tentava lhe barrar, desrespeitando sua vontade. Quantas vezes Gabi não foi considerada incapaz de tomar decisões sobre seu corpo? Muitas pessoas passavam pelo mesmo conflito. Direitos que eram sufocados pela intolerância resistiram bravamente, até a última gota de sangue vertida durante as horas de cirurgia. Contrariando todas as expectativas negativas, Gabriela renasceu, agora livre para ser quem sempre foi. Como no passado, Dona Giulia foi responsável por um sorriso sincero e leve desenhado na boca de Gabi. As palavras de carinho, preocupação com seu bem-estar eram a parte que mais emocionava Gabi ao ler cada parágrafo daquela breve missiva. A cantora podia sentir o carinho transbordar por cada palavra lida. A saudade apertou seu peito e a vontade voltar era maior que tudo naquele instante. - Obrigada. – Foi a única coisa que Gabi disse ao chegar no ponto final. Além de não saber mais o que dizer, os baixos soluços a impedia de elaborar longas frases. - Como você... - Julinha me ajudou a localiza-la. - Anahí limitou-se a dizer. – Dona Giulia ficou muito feliz em ter notícias suas...Anahí nada mais disse, respeitando o momento de Gabi. Apenas fazia leves contornos circulares na palma da mão da outra que vez ou outra suspirava em meio a repetidos agradecimentos. Movida pelo ímpeto, Anahí levantou ambas as mãos, afim de abraçar a mulher, mas a insegurança barrou o ato na metade do caminho, terminando em um gesto delicado ao limpar as finas lagrimas que brotavam dos bonitos olhos de Gabi. As mãos no rosto da cantora se demoraram mais do que deviam e aos poucos se arrastaram até que estivessem envolvendo o corpo esguio. Tão lento quanto o movimento das mãos, o abraço se materializou com Gabi apoiando a cabeça no ombro da professora. Cada centímetro de pele da cantora se arrepiou ao sentir seu corpo junto ao de Anahí que lhe apertava de forma carinhosa. - Por que estão demorando tanto? O bolo e o café estão esfriand... – O questionamento ficou pela metade, quando dona Rosa abriu a porta e viu sua filha e Gabi se abraçando, enquanto a cantora soluçava no ombro da professora.Dona Rosa não pode evitar a preocupação e as duas mulheres não puderam evitar o susto pela chegada repentina da senhora que entrou sem bater. Logo Anahí e Gabi se separaram, deixando Anahí receosa com chegada de sua mãe e uma possível repetição do episódio fatídico que resultou em sua saída daquela casa. Mal havia chegado e esperava não ser expulsa novamente. Mais do que nunca Anahí queria aproveitar a paz que seu interior transbordava e faria o possível para evitar que sua vida fosse um ciclo de desastres.- Por que está chorando, minha filha?Anahí olhou para a mãe confusa e sentiu ainda mais confusa quando percebeu que dona Rosa se referia a Gabi e não a ela. A pergunta preocupada de Dona Rosa surpreendeu Anahí positivamente. A ação seguida de sua mãe não poderia ser mais satisfatória, aproximou-se de Gabi e a amparou, tomando assim o lugar de Anahí em consolar a cantora que ainda não havia parado de chorar. Anahí não pode deixar de ficar mais encafifada com o ato de sua mãe que, de forma tão amistosa, fazia leves movimentos de consolo nas costas de Gabi como se fosse uma velha amiga.- O que houve? – Foi a seguinte pergunta que Dona Rosa fez a Gabi, quando os soluços diminuíram. - O que você falou para ela, Anahí?Anahí arregalou os olhos.- Eu só entreguei um presente, eu...- Minha avó me enviou uma carta, dona Rosa. Lembra quando mencione que aprendi um pouco de tricô com ela?- Lembro sim. Imagino o quanto você deve estar feliz, querida! – Dona Rosa exclamou feliz por Gabi. - Ficar longe de nossa família não é nada fácil, mas você não está sozinha. Nós estamos aqui com você. Não é mesmo, Anahí? - Eu? Oi? Sim, sim... – Mesmo pega de surpresa conseguiu responder aos tropeços. - Estamos... Anahí estava deveras confusa com a cena que presenciava. Sua mãe não era dada há muitos afetos, hospitalidade não era uma de suas qualidades, o que teria acontecido? Até onde a professora podia supor, Gabi e Rosa tinham pouca intimidade. Pelo menos era que pensava, mas, aparentemente aquele tempo longe havia trazido mudanças não apenas para si, como para sua mãe também.- Quer um pouco de água com açúcar? – Em sua distração na cozinha, dona Rosa não percebeu que Anahí havia buscado um copo d'água minutos antes e o mesmo copo repousava na mesa de cabeceira. - Anahí, vá buscar a água com açúcar para a menina! - Não, não. Anahí me trouxe um copo d'água. Obrigada. – Pondo-se em pé, Gabi continuou a falar. - Já dei trabalho demais.- O que é isso? Você trouxe minha filha de volta. É mais do que bem-vinda em nossa casa! Quer alguma coisa da rua? Anahí pode buscar para você... - Não se preocupe, dona Rosa. Eu só fui buscar Anahí no porto.... Anahí merece a melhor recepção, não foi esforço algum... Eu preciso mesmo ir.Anahí pensou em fazer uma objeção a respeito da insistência de Gabi em ir embora, mas não teve espaço para iniciar sua fala, já que sua mãe e Gabi estavam tão focadas em conversar.- Tenho certeza que sua contribuição foi muito além disso.... Pelo menos tome um café e coma um pedaço de bolo enquanto ainda está quentinho... Não me dê esse desgosto! Sem outra alternativa, Gabi assentiu e as três caminharam rumo a cozinha para tomar o café em comemoração a chegada de Anahí. O contentamento que rodeava o trio era inquestionável, mesmo que vez ou outra Anahí se perdesse na conversa, achando extremamente inusitado a cumplicidade que havia entre Gabriela e sua mãe.Logo após o café da tarde, alguém bateu na porta de dona Rosa, era uma vizinha que queria encomendar um vestido de casamento. Dona Rosa pediu licença a sua filha e a Gabi e levou a mulher para o quartinho dos fundos onde funcionava seu ateliê de costura. Ali a cliente poderia se trocar à vontade. Antes de seguir para o ateliê, dona Rosa alertou Anahí para não deixar Gabi ir sem levar um pedaço de bolo para comer depois. Segundo ela, Gabi estava magrinha demais. A cantora se colocou a rir com a observação da mulher mais velha e Anahí aproveitou que estavam a sós para tirar suas dúvidas. - Você e minha mãe... - Desconfiada. - O que você fez com ela? Gabi riu. - Deixa de ser boba, Anahí. Dona Rosa sempre foi uma mulher carinhosa, talvez a saudade que ela sentia de você acabou aflorando mais esse lado.... Nos aproximamos porque eu passei algum tempo cuidando dela... - Anahí arqueou as sobrancelhas sem entender. - Ela passou algumas semanas adoentada na cama, ela teve tuberculose. Após trabalhar meses cuidando de Alzira de graça, dona Rosa começou a apresentar sintomas de um resfriado forte. Como a tosse não passava, dona Alzira simplesmente pediu que a irmã saísse de sua casa para não infectar mais pessoas e a abandonou a própria sorte. Dona Rosa consultou Robin que logo detectou que o simples resfriado podia ser algo mais greve e recomendou alguns exames. Após alguns dias, a desconfiança de Robin foi confirmada, dona Rosa estava com tuberculose.Ao ouvir a fala de Gabi seguido do nome da mulher, Anahí fechou o cenho. Apesar de se sentir mais leve, ainda tinha muito rancor de Alzira. Sua tia que motivou sua mãe a tomar atitudes tão severas em relação a sua sexualidade, fato que levou a sua expulsão de casa. Gabi explicou com detalhes sobre a doença de sua mãe. Como dona Rosa já tinha certa idade e era um tanto esquecida, Robin solicitou que Gabi levasse os medicamentos que a mulher necessitava todos os dias. Com dó por conta do estado de abandono que a mulher se encontrava, Gabi passou a visitá-la por conta própria a fim de lhe fazer companhia. Aos poucos, dona Rosa foi se recuperando e apegando-se a cantora. Mesmo sem verbalizar seus sentimentos, Gabi sentia o carinho maternal que dona Rosa lhe transmitia. Mesmo estando no estágio final do tratamento, Gabi passava pela casa de Rosa todos os dias. Anahí estava assustada com todos os acontecimentos que sucederam sua partida. - Como tia Alzira pode ser tão insensível? Vivia enfiada na igreja e parece ser incapaz de um ato de amor... - Infelizmente as pessoas raramente seguem o que pregam, Anahí. Não quisemos avisá-la porque a situação estava sob controle. Acredito que ela se abateu mais pelo gesto da irmã do que pela doença em si. - Eu não sei como agradecer a você e a Robin... Nesse tempo todo eu mandei dinheiro, mas era um dinheiro que não dava para sustentar uma casa porque achei que tia Alzira estava pagando minha mãe e tinha as costuras. Como ela se virou por tanto tempo parada? Você emprestou dinheiro a ela?- Anahí, eu sou uma simples secretária que faz vezes de cantora, mesmo se eu quisesse nem tinha como... - Gabi disse bem-humorada. - Dona Rosa foi diagnosticada um pouco antes de dona Antônia e dona Heloísa partirem. Elas se compadeceram da situação e deixaram um bom cheque que cobria todos os gastos da casa... E elas pediram para que ninguém lhe contasse, se a situação não se agravasse, para que você não quisesse partir mais cedo do que era necessário...Anahí passou as mãos no rosto em um gesto confuso.- Aquelas duas são dois anjos em minha vida. Me estenderam a mão quando eu mais precisava. No Brasil eu fui tratada como uma rainha e ainda fazem isso... Eu não sei o que fiz para ter duas pessoas tão boas me ajudando... Me arrependo tanto das palavras que disse ao... - Anahí se interrompeu. - A filha delas... - Robin é uma boa pessoa... Você a machucou, mas tenho certeza que ela saberá perdoá-la. Eu vejo em seus olhos o arrependimento.- É um tanto novo tudo isso para mim... - Anahí confessou a Gabi. - Mas eu não quero mais machucar ninguém... - Gabi sorriu. - Também te agradeço muito.- Oras, dona Rosa é muito querida por todos e você também. Sabe que seu dinheiro também ajudou a sustentar a casa?- Mas o que eu mandava era tão pouco que...- Não esse dinheiro... Dona Clara intercedeu a Madu por você... Ela pediu que não te demitissem da escola por conta de seu afastamento. - Anahí encarou Gabi. - Ela solicitou que Madu lhe concedesse um prêmio pelos serviços prestados a comunidade alfabetizando as crianças. É uma licença de alguns meses, remunerada. Ela tinha esperança que você voltasse para assumir sua nova função na escola. E você voltou. A remuneração da licença, ela mesmo entregou a sua mãe pois sabia das dificuldades do tratamento médico.- Então... Eu continuo na escola? - Eu não sei maiores detalhes, mas acredito que sim. Ela disse que você trabalhará em uma nova função. Você deve procurá-la o quanto antes. - Gabi explicou. - Agora eu preciso mesmo ir... Sem objeções Anahí levou Gabi até a porta e despediu-se da cantora com um até logo. Ela lhe deu tantas notícias boas que prometeu vê-la em breve. Um novo restaurante seria inaugurado aquela noite em Ursal e Gabi foi contratada para se apresentar todas as noites. A cantora convidou Anahí para ver sua apresentação e Anahí se comprometeu a ir acompanhada de dona Rosa. Assim que Gabi saiu, Anahí foi se banhar. Já trocada, passou pelo ateliê da mãe e avisou que daria um pulo na escola. Queria agradecer Clara pessoalmente , falar sobre seu emprego e também estava morrendo de saudade de seus alunos. Será que eles ainda se lembravam dela? (...)- Não acredito que dei essa pernada à toa... - Madu comentou com Robin. - Embaixo desse sol escaldante... - Madu comentou se abanando com a gola da própria camisa. - Não sei como não cai dura e seca.Robin riu do drama exagerado da namorada. As duas haviam se encontrado na porta do consultório médico da doutora. Chegaram ao mesmo tempo, Robin de sua peregrinação atrás de Gabi e Madu atrás da diretora da escola que havia saído para resolver problemas pessoais e solicitou que Madu a encontrasse mais tarde. Para não ter que voltar ao gabinete, Madu resolveu aguardar a diretora no consultório de Robin e passou o telefone do local. Assim que a tal diretora chegasse, ligariam para lá e ela então seguiria para a escola. Até entrarem na casa onde funcionava o consultório, Madu ainda fazia reclamações sobre o tempo perdido provocando um ar de riso na médica. - Do que você está rindo? - Do seu talento para o teatro, meu amor... - Riu. - Você devia pensar em se dedicar as artes cênicas. Madu riu. Robin finalmente abriu a porta e entraram. A médica logo tratou de servir um suco a sua namorada. - Vou levar esse seu comentário como um elogio porque eu seria mesmo uma excelente atriz... - Madu disse orgulhosa. - De colocar a Elizabeth Montgomery no chinelo... Robin riu. - Elizabeth Montgomery? A Feiticeira? Ela é uma das melhores atrizes da américa e uma das mais lindas também. Nada modesta você... - Ás vezes modéstia é uma perda de tempo terrível... - Madu finalizou seu suco. - Só de pensar em voltar a caminhar nesse sol me dá uma preguiça... - Madu comentou se esticando. Sentou no sofá. - Aí, aí... Robin se acomodou ao seu lado e Madu aproveitou para se aconchegar na médica. Apesar do calor, aquele contato era agradável. - Você sabe que você perdeu um bom tempo vindo pra cá, né? Podia esperar a diretora na escola...- Eu não acho que perdi tempo vindo para o consultório com você... Se estivesse na escola, eu não poderia fazer isso aqui... - Disse roubando alguns beijinhos da médica. Robin sentiu sua pele se arrepiar. - Tem tanta coisa que dá para fazer nesse meio tempo, amor... Robin fitou os olhos e enxergou as intenções de Madu. Abriu os lábios para aprofundar o beijo e sentiu as unhas da Rainha brincando com a pele de sua nuca. Não resistiu e puxou Madu para junto de seu colo. Nunca haviam se beijado no ambiente de trabalho da médica. O risco de serem flagradas parecia que aumentava a excitação das duas mulheres. Madu jogou sua cabeça para trás oferecendo seu pescoço a Robin, a médica deixou beijos no local fazendo a mais nova afrouxar em um suspiro. Deu um apertão no ombro da médica fazendo Robin rir. - Não me deixa marcada... Não esquece que eu tenho uma reunião importante em um local cheio de criancinhas, mães e professores. - É sacanagem isso comigo... - Robin lamentou. Deixou beijos de leve elo pescoço da namorada, beijou sua boca e então afastou suavemente para poder olhar em seu rosto. - Você coloca o doce na minha boca e depois tira... - Eu tenho uma imagem a zelar... Imagina que escândalo, a Rainha andar por aí cheia de chupões... - As duas riram. - Isso porque oficialmente eu nem namoro... Robin encarou Madu sem entender.- Eu achei que estávamos namorando oficialmente.... Até minha filha sabe que somos namoradas... Você não vê como namorada ou... - Madu riu da insegurança da médica. - O que foi?- Achei bonitinha você assim, toda medrosa... Claro que te vejo como namorada, Robin, mas eu sou uma figura da corte real... Tenho que seguir alguns ritos como te apresentar socialmente como minha namorada para a sociedade...- Namorado, Madu... Não esqueça que para toda sociedade eu ainda sou o doutor Robin.- É difícil pensar em você no masculino depois de descobrir a mulher maravilhosa que você é... - Madu admitiu provocando um sorriso em Robin. - Enfim... Para namorarmos oficialmente, eu preciso te apresentar como namorado para minha família, no caso, o meu pai, meus irmão e meu primo Miguel. Eles vão se informar sobre suas intenções e então, se você for aprovado, o namoro estará estabelecido. - Você fala de uma forma tão fria...- Porque é um ritual idiota, frio e completamente antiquado. Para mim, aquele pedido de namoro que eu fiz para Marielle vale muito mais que esse ritual, mas é o Regimento de Ursal e eu não sou o Regimento. Claro que não sigo à risca, mas tem algumas coisas que eu evito fugir para não me dar dor de cabeça, entende? Já basta as que eu já tenho como essa da escola... - É um ritual antiquado mesmo... - Robin pensou longe. - Ainda bem que me livrei disso... Madu encarou Robin sem entender.- Se livrou? De um rito real? Como assim?- É... Me livrei de ser criada em um regime tão fechado... Por ser filha de duas mulheres, minhas mães são mais compreensivas em certos assuntos... - Robin tratou de se explicar um tanto atrapalhada. Madu ainda parecia confusa. - Imagina, se eu tivesse que apresentar publicamente a sociedade cada namorada que eu tive, minhas mães gastariam uma nota em jantares... – Comentou divertida. A Rainha fechou a cara e apertou o ombro de Robin com mais força. - Aííí! Madu?- Foram tantas assim, sua safada?!- Ah... Você não era namoradeira, não? - Madu não conseguiu sustentar seu ar de seriedade e riu de forma maliciosa. Robin fechou a cara. - Madu?- Estamos falando de você... - Madu disse segurando o riso. - E eu perguntei primeiro... - Deixa eu pensar... Teve a Cristina que foi a primeira garota que eu beijei, a Luísa que era da minha sala e tinha umas pernas... - Robin suspirou com a lembrança. - A Maria Helena, a... - Tá, tá, tá... Já entendi... - Madu se impacientou. - Essas horas que queria ser uma feiticeira de verdade para te deixar muda... Não precisa ser tão sincera... - Robin riu. - Sem vergonha.- Sem vergonha? Eu sou tão comportadinha... - Robin deixou alguns beijos próximo dos lábios de Madu em um ato de provocação. - Não tenho ideia do que você está falando... - Comportada? - Madu questionou e Robin fez um gesto afirmativo. - E essas mãos apertando o meu traseiro, são de quem? - Madu questionou também provocando Robin. A médica ia retirar as mãos, mas Madu não permitiu. - Não foi uma reclamação... - Depois eu que sou sem vergonha... - Robin disse em tom divertido. Suas mãos se firmaram sobre as ancas de Madu que tremulou com o toque. - Safada... Em resposta, a Rainha buscou sua boca e deixou um beijo intenso. Emendavam o segundo beijo quando o telefone tocou. Tentaram se concentrar no beijo, mas a pessoa do outro lado da linha insistia desconcentrando o casal. Madu esticou o braço para atender, rapidamente se despediu da pessoa. Era da escola. - A diretora chegou. Tenho que ir... - Temos que ir... - Robin a corrigiu. - Não esqueça que sou o médico da comunidade... Esse surto de virose também é preocupante para mim... - Então se ajeita e vamos. - Madu deixou um selinho na boca da namorada. - Ao trabalho!Em poucos minutos, Robin e Madu ganhavam as ruas. Foram a pé até o colégio. Caminhavam de mãos dadas e durante a caminhada, muitas pessoas cumprimentava o casal. Madu era naturalmente popular por conta de seu cargo no reino e sua personalidade naturalmente extrovertida e expansiva. Robin era mais contida que a namorada, mas a maioria tinha gratidão pela doutora por cuidar tão bem da saúde da comunidade e sempre estar à frente de questões importantes. O casal, apesar de oficialmente não ser assumido, causava simpatia nas pessoas. Muitos sorriam e as cumprimentavam causando orgulho em Robin e interrogações em Madu. A Rainha se questionava o que a maioria daquelas pessoas pensariam se descobrissem que seu doutor era, na verdade, sua doutora. Já na porta da escola, Robin percebeu o ar pensativo de Madu.- Que foi, amor? Tudo bem? - Apenas pensando em alguns casais que nunca vão ter a chance de fazer isso que fizemos agora, passear de mãos dadas... Será que as mesmas pessoas que nos cumprimentaram e foram carinhosas com a gente reagiriam da mesma forma se soubessem? É triste pensar que a maioria viraria a cara, não é mesmo? A gente não faz mal a ninguém... - Deu os ombros. - Eu queria que as coisas fossem diferentes... O que a gente precisa fazer para o mundo ser melhor, hein?- Eu também queria que as coisas fossem diferentes, muito... Fui criada por duas mulheres, duas mulheres ditas femininas, eu sei o que elas enfrentavam apenas por demonstrarem carinho em público... - Fez um carinho em Madu. - O mundo talvez precisasse de mais Madus para ser melhor... A Rainha sorriu comovida, não resistiu e deixou um beijo sobre os lábios da namorada. A porta da escola se abriu quando ainda estavam com os lábios colados. Separaram assustadas após ouvirem um barulho de algo caindo. Quando se deram conta do que acontecia, a intensidade do susto se multiplicou em cem. - Aí meu Deus... - Anahí estava sem cor. Desajeitada, tentava recolher o material que trazia nas mãos e deixou cair ao dar de cara com Robin e Madu. Clara acompanhava a educadora. Elas tinham acabado de conversar sobre a situação da professora. Ao ver Robin e Madu, Clara também ficou sem graça. Madu havia lhe confidenciado sobre seu relacionamento com Anahí quando Clara veio solicitar sobre a permanência de Anahí no grupo escolar. A ruiva ajudou Anahí a recolher os materiais. - Desculpa... Eu não sabia que vocês estavam aqui... - Anahí não sabia como encarar as duas. Não quis ir até a casa de Robin por conta da vergonha que sentia e Madu.... Simplesmente não conseguia agir como se nada tivesse acontecido. Ao se deparar com o casal trocando um beijo, tomou um choque de imediato. Estava visivelmente nervosa. - Desculpa mais uma vez... - Você... - Madu também não conseguia agir naturalmente. Não pensou duas vezes em atender ao pedido de Clara e guardar a vaga de Anahí para trabalhar no grupo escolar, sabia que ela era uma excelente professora, mas isso não queria dizer que estava preparada para encarar a professora outra vez. - O que está fazendo aqui?
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Os Monarcas - Segunda Temporada
RomanceOficialmente à frente de Ursal, Maria Eduarda, a jovem Rainha da ilha, agora possui o desafio de fazer o país progredir enquanto tenta se estabilizar no trono, ainda muito cobiçado por seu pai, Juan Batista, entre outros inimigos não declarados. Mos...