Gin e rum

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A taverna estava cheia, um fenômeno anormal para o fim da tarde. Era um lugar sujo frequentado por clientes imundos, e a movimentação costumava ser pouca, especialmente durante o dia. Hoje, no entanto, a freguesia abarrotava as mesas; um amontoado de homens de olhar cansado vigiavam e avaliavam um ao outro. Cheiravam a suor e ferrugem. Os vapores que vinham da cozinha tinham um cheiro azedo de comida requentada e panelas sujas, podres. A dor que causavam ao meu nariz era um preço pequeno a se pagar por disfarçar o meu próprio odor, eu dizia a mim mesmo. Com o tronco meio largado no balcão, sinalizei para o barman pôr outra garrafa de rum e me aquietei no banco, lamentando em silêncio. Eu não sabia qual o motivo da bebedeira dos homens e me incomodava sua presença num estabelecimento que normalmente era só meu, mas parte de mim estava grata por não estar comemorando sozinho.

Em algum dia desse mês, dois anos atrás, eu assassinei meu próprio pai.

Suspirei, desejando, pela enésima vez, poder escolher morrer. O rum ardeu em minha língua e senti-o descer ao meu estômago, onde ficaria até eu conseguir vomitá-lo de volta. Distraído, meus ouvidos entorpecidos captavam trechos de conversas sussurradas.

- ...vai pagar bem, mas é totalmente louco... - murmurou um homem, tão baixo que seus parceiros quase não o ouviram.

- ...três talhões de ouro! - exclamou um jovem aos fundos, agitado.

- Um dinheiro a mais não faria mal, mas não sei se o risco compensa. Sem mim, a família não segura o inverno - meditou o velho ao lado.

A bodega era um ponto de encontro para mercenários - não Mercenários da Guilda, apenas homens desesperados o suficiente para alugar sua vida em troca de algumas moedas - e contratantes, e aparentemente hoje estavam todos esperando um cliente importante. Eu entornei a garrafa, bebendo sem parar para respirar. A dor e a rejeição do meu corpo ao líquido eram amigas bem-vindas. Uma distração, por assim dizer, como também haviam sido os trabalhos que eu aceitara até então. Eu não precisava trabalhar para sobreviver. Não tinha família para sustentar, como o velho Porco. Mas o álcool me ajudava a seguir em frente, e bebidas custavam caro, mesmo num país de fim de mundo como Aldrein.

Gato miou, esperançoso. O felino insistira em me seguir depois de Eleazar - talvez eu devesse parar de alimentá-lo.

- Um prato dessa sua carne podre pro Gato aqui, Tião - pedi mesmo assim. Animais eram proibidos no estabelecimento, mas eu era um bom cliente e Gato era comportado. E, de qualquer jeito, quem é que teria coragem de tentar expulsar um puma gigante da taverna? Tião, um jovem magrelo que trabalhava na cozinha, me lançou um olhar assustado e correu para acatar meu pedido. Eu escondi um sorriso, virando meu rosto para a madeira oleosa do balcão em que me apoiava.

Sem aviso, a porta se abriu com força, deixando entrar um vento forte, com cheiro de ferro e couro. Eu me virei por reflexo. Lá fora, o sol refletia fortemente na neve, ofuscando minha vista. Coloquei as mãos à frente dos olhos, tentando enxergar melhor os três vultos que se espremiam pela entrada. Mesmo contra a luz, eu imediatamente soube que o do meio era um contratante. Tinha um porte pequeno demais, magro demais para ser um mercenário, e seus passos vacilantes me lembravam um enfermo. Andava se apoiando em uma das figuras, inseguro. Bufei com desprezo, piscando contra a luz.

Um dos homens fechou a porta atrás de si, confinando-se no espaço abafado. Era Capa, reconheci, e sua cópia quase idêntica do outro lado só podia ser Tarou. Dois mentirosos e ladrões, pensei, lembrando-me das vezes que havia trabalhado com eles, meses atrás. Voltei meu olhar para o cliente, decidindo se devia alertá-lo, e me assustei.

Era uma mulher.

Levei um tempo para processar a informação. Mulheres eram, para mim, uma visão rara. No último ano, eu as havia encontrado algumas vezes, mas nenhuma delas era como esta. As mulheres que eu vira vinham da sarjeta, como eu; seus corpos haviam sido há muito consumidos por drogas, ou pela idade, ou pela prostituição forçada. A que entrara na taverna mal chegara à idade de mulher; era uma menina, com um rosto ainda intocado por mazelas e pele suave, saudável. Só seus olhos traíam sua aparência delicada: eram grandes e sem expressão, tão mortos quanto os meus.

Senhor da FlorestaOnde histórias criam vida. Descubra agora