Minutos Antes
Eu vi... Vi toda a sua dor, cada vez que você relutava para ir a escola, cada vez que você chegava com a feição amoada, eu vi e até tentei me aproximar e saber os motivos mas você não me dizia. Eu podia insistir, e se o fizesse você falaria e eu sabia disso mas não fiz, tinha medo de invadir seu espaço e te deixar ainda pior do que já estava.
Fui negligente, não soube o quanto você sofria, porém no dia em que você me chamou para conversar e me disse... Eu soube, soube o porquê de tudo, da relutância, da dor... Eu descobri que meu maior amor sofria porque da maldade, da crueldade do mundo.
Naquele dia você se assumiu para mim e disse com todas as letras "mãe, eu sou gay" e eu queria, queria mesmo, ter dito tudo o que eu pensei, ter dito "filho, foda-se, eu te amo e não me importa a sua sexualidade ou o cacete que for" mas eu não disse, invés disso eu apenas me calei, fiquei quieta e me retirei da sala. Eu não pude ver mas sabia o quanto isso o machucou, o quanto você estava magoado e com medo de ser rejeitado, eu sabia mas não consegui reagir, não consegui te dizer o quanto te amava e talvez a minha reação tenha te machucado mais do que qualquer ofensa que você pudesse ouvir.
Dias depois eu finalmente consegui te encarar e dizer tudo o que estava preso, te chamei para uma conversa e eu pudia ver o temor no seu rosto, nada nunca doeu tanto quanto ver aquela expressão. Então com dor no coração eu disse:
- Meu filho, o mundo é um lugar terrível e você vai passar por todo o tipo de repressão, vão te odiar sem te conhecer, vão te maltratar sem nenhum motivo mas quando você atravessar aquela porta você vai ter todo amor, compreensão e carinho que eu puder te dar porque... Meu amor eu te amo do jeito que Deus te fez e por favor me desculpe por não ter reagido como deveria, por favor.
E depois de ter expulsado todos esses pensamentos eu vi surpresa, alívio e sobretudo felicidade em seus olhos, você me abraçou forte e chorou, chorou como um bebê, como o meu bebê que você sempre será.
- Filho, quando não estiver aguentando mais toda a pressão desse planeta, dessas pessoas más e não se sentir a vontade para falar comigo... Olhe para a lua, converse com ela porque em algum lugar alguém que sabe exatamente pelo o que você ta passando vai estar te respondendo lá do outro lado. - Me lembro de ouvir vários resmungos seus de agradecimento por algo que não passava da minha obrigação.
O tempo foi passando e a cada dia que se passava eu percebia você mais abatido e partia meu coração ver meu filhote sofrendo nas mãos de pessoas medrosas porque é isso que elas são, nós humanos tememos o diferente e costumamos odiar aquilo que tememos, odiamos tudo que não entendemos e por isso, hoje, nós vivemos em uma sociedade cruel e inescrupulosa.
Eu sempre pensei que você sofria agressões verbais, ataques daqueles que deviam lhe apoiar mas naquela fatídica noite eu descobri... Percebi cada hematoma, cada roxo, cada arranhão causado pela homofobia, e eu juro que daria tudo, tudo mesmo, para estar no seu lugar e tomar toda a sua dor para mim.
Sabe, eu passei 15 anos me preparando para a morte, juntando dinheiro para quando ela chegasse pudasse deixar aqueles que eu amava estáveis e eu estava pronta, a morte nunca foi um dos meus pesadelos eu não a temia, nunca temi mas o destino é o filho da puta do caralho. Não me preparei para isso mas algo me diz que mesmo que eu passasse toda a minha vida me preparando eu nunca estaria pronta para isso, nenhuma mãe está.
Naquela noite eu vi o seu corpo caído no chão do nosso jardim, ensanguentado, eu ouvia suas lamúrias de dor, via sua agonia. Eu te abracei tão forte em meus braços como se pudesse te fazer ficar aqui comigo, chorei como nunca antes e pedi, implorei aos céus e a Deus para que não levasse meu amado primogênito pois no estado em que você se encontrava só um milagre te faria ficar.
Eu chorei tanto, minha visão estava embaçada mas eu ainda via todas as feridas em seu corpo, o som das buzinas e dos vizinhos sumiu e naquele momento eu só ouvi a sua vozinha fraca e entrecortada dizendo "não chore mãe, Deus está precisando de mim, sabe... ele está precisando de um pouco de cor", eu vi a sua vida escapando de seus olhos lentamente, permiti que você escapasse por meus dedos.
Eu poderia dizer que nesse momento eu perdi meu chão, meu ar, meu coração, eu poderia mas seria total mentira porque quando eu vi você fechar seus olhos, dessa vez para sempre, eu não senti mais nada, foi como se minha alma tivesse ido junto a você e cá entre nós eu realmente acho que ela foi.
Então ali, com o seu corpo desacordado e sem vida em meus braços, eu desabei cantando baixinho a sua música favorita, aquela do Bruno Mars, você sabe de qual estou falando. A angústia apertou tanto em meu peito que... Não posso explicar, não dá, nem mesmo com mil palavras.
Perder pessoas é normal e dói, dói pra caralho porém nenhuma dor jamais vai se comparar a dor de perder um filho, você perde tudo, até mesmo a vontade de viver porque o motivo que você tinha para continuar nesta terra se foi.
E agora aqui estou eu, ajoelhada no topo da montanha mais alta de nossa cidade, falando com a lua como uma louca me segurando numa merda de esperança de que você possa realmente me ouvir do outro lado. Esperando que, diferente de mim que não escutei seu chamado silencioso de ajuda, você escute meu clamor, escute meu grito desesperado e me responda, porque... Meu filho eu não aguento mais, te perder foi a pior de todas as dores.
Você se foi e levou minha alma, meu coração, minha alegria e meu amor junto, então... Por favor, me espere meu amor porque eu não aguento viver neste mundo sem você, a sua estrelinha, como você costumava me chamar, está a caminho para passar toda a eternidade ao lado da lua mais brilhante do universo.
Agora
Após dizer tudo que lhe assombrava, a mulher se levantou erguendo o olhar para a lua e sorriu melancólica, pegou a faca que repousava ao seu lado banhando-a com suas lágrimas antes de apunhalar-se com toda a sua força. A morena caiu deitada no gramado da montanha e olhando para a lua uma ultima vez ela cantarolou baixinho:
- Talking to the moon, tryin' to get to you, in hopes you're on, the other side, talking to me too.
Uma luz forte a puxou e quando ela reabriu os olhos ela viu... Viu seu precioso filho estendendo a mão para ela com um belo sorriso. E assim ela se foi, deu seu ultimo suspiro a lua e se foi, partiu para o infinito, para um lugar que nem mesmo ela sabia se era real, mas acreditava, tinha fé que no final de tudo ela reencontraria seu filho e iriam juntos para o céu ou para o inferno, não importava, a única coisa que importava era estar com o seu tão querido bebê.
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Talking to the Moon
Short StoryEu fui negligente e omissa, via o quanto os outros te machucavam por ser quem é e nunca fiz nada, via o estrago que poucas palavras faziam mas nunca movi um dedo para o ajudar. Sempre pensei que uma hora acabaria, que você aguentaria até o fim de to...