Jordan

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Observo o desenho com cuidado, meus dedos seguem as linhas lentamente. Talvez se eu fizer isso muitas vezes, vezes sem conta, talvez linhas imaginárias se fundissem nas minhas digitais, então, os sorrisos que Andy desenhou para nós dois se impregnassem em mim. Virassem uma parte de mim, e por um segundo, eles fossem reais.

Eu não teria que me despedir deles, quando o papel ao qual eles foram feitos, se deteriorasse, caísse no esquecimento.
Uma lágrima rola pelo meu rosto e cai na folha, o meu coração se quebra um pouco mais. Não quero que o Andy caia no esquecimento, não quero ter que me adaptar a uma vida sem sua companhia, sua risada, seus desenhos, uma vida sem ele. Não quero acordar e perceber que estou sozinha. Só temos um ao outro, os irmãos Bale, eu por ele e ele por mim.
Ouço a maçaneta sendo movida, limpo meu rosto rapidamente e me levanto. Dra Morgan entra e me encara por segundos, longos segundos, e tive que me segurar para não desabar.

Eu sinto muito – é o que ela dizia com o olhar. Desvio minha atenção para outra coisa, qualquer coisa, que não fossem seus olhos carregados de pena e neste momento, as goteiras caindo da torneira se tornaram a coisa mais interessante do mundo.

– vim me trocar – limpo a garganta ao notar que minha voz saiu falha – precisa de algo? – dra Morgan levou uns segundos até que abriu a boca.

– sim. Kate não pode vir hoje – inclino minha cabeça para o lado confusa – você pode cobrir o turno dela? – havia trabalhado todo o dia, iria ficar com Andy agora. Não quero deixa-lo sozinho mais do que o necessário. Mas era meu trabalho, dra Morgan conseguiu ele para mim, não posso falhar com ela também.

– Não tem mais ninguém? – nega com a cabeça e diz que sente muito, Assinto.

– obrigada Jordan – ela aperta meu ombro – tenho que ir – ela abre a porta saindo mas antes de fecha-la, ela se vira – Jordan?

– sim? – ela me analisa por um tempo, como se decidisse se devia falar ou não, até que suspira. – estou aqui para o que precisar – Assinto e então ela sai. E me vejo sozinha, novamente.

Caminho lentamente até a pia, meu passos são arrastados, sinto como se tivesse uma tonelada sobre meus ombros e eu estivesse a um fio de desabar.
Observo meu reflexo no espelho. Meus olhos estavam vermelhos e inchados, a ponta do meu nariz também vermelha e um fio de sangue saia do meu lábio inferior, resultado das constantes vezes que o mordi para impedir os soluços de saírem. Ligo a torneira da pia e jogo a água no meu rosto, limpando todo e qualquer vestígio de lágrimas.

Paro em frente a porta do quarto de Andy, ajeito minha roupa e passo minha mão puxando os fios de cabelo que se soltaram de meu coque. Abro a porta e o vejo, Andy está concentrado no papel em seu colo, um vinco formado no meio de suas sobrancelhas e a língua entre seus lábios, um olhar característico de Andy, isso aquece meu coração. Andy finalmente tira os olhos do desenho e me encara, as pontas de seus lábios sobem formando um lindo sorriso, isso fez meu dia valer a pena. Eu faria qualquer coisa para ve-lo sorrir. Até que ele tosse e o meu sorriso vacila, e então volto para realidade.

– não acha que já está tarde mocinho? – ele faz uma careta pela forma que o chamei.

– estava terminando o meu desenho. – volta sua atenção para o papel, me aproximo e o vejo virar a folha.

– não posso ver? – cruzei meu braços, ele sempre me deixava ver seus desenhos, isso é estranho.

– não está bom – claramente ele estava mentindo e isso quer dizer que ele estava aprontando alguma.
– qual é Andy, ambos sabemos que isso é mentira, agora me mostra ou eu não trago mais milkshake para você – digo calmamente enquanto Andy me olha indignado.

– você não presta Bale – Andy diz me olhando como se eu tivesse feito a coisa mais hedionda do mundo, apenas sorrio cínica esperando, ele volta a tossir e estica o braço me entregando o desenho.
Meu queixo vai parar ao chão, Andy tinha desenhando Alex, claramente era ele. O chocante é que ele desenhou chifres e uma calda indicando que ele é um demónio. Olho com cara feia para ele e ele revira os olhos.

- Andrew Bale – digo com o melhor tom de repreensão que consigo, até porque não é nada fácil lidar com Andy e manter a seriedade.
– nem vem, o cara é um mala – ele diz como se fosse a coisa mais normal do mundo. Fecho os olhos negando com a cabeça.

– Alex é um cara legal.

– legal? O cara te encara como se você fosse a última barra de chocolate do mundo. Eu, no mínimo, teria medo – ele levanta as mãos em sinal de rendição. Mas volta a baixa-los rapidamente quando começa a tossir, passo minha mão pela sua testa checando sua temperatura, normal.

– Andy você está exagerando, isso é só porque você tem ciúmes dele – me aproximo mais dele e levanto mais o cobertor acomodando ele na cama – agora prontos, tenho que cobrir o turno de Kate. Volto para ver você mais logo. – digo caminhando até a porta.

- depois não diz que não avisei – reviro os olhos e mostro a língua para ele saindo, é inevitável sorrir, as vezes Andy fala as coisas mais sem noção do mundo e eu não sei se fico chateada ou se dou risada.

Até parece, Alex me encarando.

Ri-me com o pensamento bobo de Andy, ele não gosta quando caras se aproximam de mim, ele é daqueles que pergunta "está olhando para onde?" quando cruzamos com garotos nos corredores do hospital e isso é engraçado. Imagina um garoto de doze anos desafiando caras mais velhos, só o Andy mesmo. Meu celular apita no bolso, pego ele e desbloqueio a tela vendo a mensagem de Andy.

Mano<3: vai um milkshake? ;)
Reviro os olhos e sorrio entrando no elevador.

Eu: vou pensar no seu caso.

O elevador para no primeiro piso, saio e caminho em direção a lanchonete, chego no balcão e espero atrás de um cara que estava sendo atendido.

Andy: não demora, estou com fome.

Encaro a tela indignada, mas é muito folgado esse moleque.

Eu: boas maneiras mandou lembranças.

Andy: diz que mandei um beijo e que perguntei pelas tuas boas maneiras.

Ri-me, Andy é igualzinho a mim, a gente vive se alfinetando e eu gosto disso, a gente tem uma boa relação, sou sete anos mais velha que ele mas a gente conversa abertamente sobre tudo.

Sinto um empurrão no meu ombro me mandando para o lado, levanto meus olhos me deparando com um garoto que agora está na minha frente, seus dedos batem no balcão repetidamente com uma nota de cem dólares entre eles. Pisco os meus olhos repetidas vezes até que espanto em mim some e da lugar a raiva.

– o que você pensa que está fazendo? – a minha voz sai carregada de raiva, ele se vira lentamente e me encara como se eu fosse a coisa mais insignificante do mundo e não estivesse falando com ele.

– você está falando comigo? – sua voz é puro escárnio e sarcasmo.

– sim, não sei se você percebeu, mas eu estava aqui antes de você.

– e então? Nunca ouviu falar de prioridade? Sou apenas um pobre doente – ele fala a última parte de forma teatral e precisei contar até dez para não o mandar para a puta que o pariu, ele percebe isso e sorri cínico – e você é apenas uma funcionária que pode esperar.

Contei novamente, até trinta, tentando manter a calma. Caso contrário, eu faria um escândalo aqui mesmo.

Calma Jordan, ignora ele.

Repito para mim mesma, em poucos minutos ele iria embora, eu compraria o que queria e prontos. Nunca mais voltaria a ver ele.
É como se o diabo estivesse rindo de mim, falando sério, eu tinha cuspido em alguma cruz, só pode.

Nunca mais ver ele? Eu não poderia estar mais enganada!

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