O dia estava a amanhecer, já havia tomado banho, e chorei com toda a alma do meu corpo. Chorei por tudo o que aconteceu e por tudo o que ainda iria acontecer.
Léo me deixou em frente a uma casa, toda pintada de verde por fora, um pequeno portão. Pela dimensão dava pra ver que era maior do que as outras casas ali, e tinha uma moto estacionada na porta, reconheci a Mota de Yago.— Por favor Léo, eu dou um geito, me ajuda! - Supliquei com lágrimas de novo.
— Eu não posso fazer pó , você foi dormir logo em cima da droga Anabela- Yago disse coçando a cabeça. — Vai la , antes que ele se enerve . Não te preocupa, ele não vai te fazer mal.
Assenti, e caminhei até a porta , bati e ele abriu.
— Chegou tarde já ! Vou te mostrar a casa. - ele fechou a porta na chave atrás de nós.
— Anda porra que eu não tenho o dia todo- ele me empurrou.
A porta ficava isolada das outras peças da casa, um pequeno corredor levava a uma sala, um sofá em L preto, uma mesinha de centro , um tapete terrivelmente sujo e um imenso ecrã. Estranhei ao ver brinquedos no chão, mas eu não estava ali pra fazer amizade, muito menos pra questionar.
Uma outra porta dentro da sala, era a kk , e quase perdi o ar quando vi tudo ali tao bonito, as cores eram vermelho e preto, e parecia estar novo , não fosse o pó que havia , mas havia imensos, inúmeros , incontáveis , embalagens de miojo , salgadinhos , latinhas , garrafas de leite , caixas com cereais , em todo o lado. Gente ? Esse mano não sabe nem por as coisas no lixo ?—Aqui e a cozinha. Bora - ele falou , e voltamos pra sala onde uma escada levava ao andar superior da casa, um primeiro quarto.
— Aqui é meu quarto, tu não precisa entrar lá dentro.
Assenti , a segunda porta se abre, e dentro dela um quarto de adolescente, onde uma menina dormia em cima de uma cama de casal. O quarto super feminino e muito bem arrumado
— Shiu! Aqui é o quarto da Leninha , logo você conhece ela. A danada foi pro baile- um pequeno sorriso se fez em sua face, mas logo foi substituído pelo semblante de cão com raiva.
Uma terceira porta , uma beliche, dois rapazes dormiam profundamente lá , diria que tem entre 3 e quatro anos, não mais que isso. Saímos dali em silêncio , e a quarta porta, tinha um berço. Olhei pra ele e ele assentiu, me permitindo assim entrar no quarto. Me aproximei e vi um bebé, lindo , dormindo. Talvez tivesse uns 3 meses , talvez menos.
Será que todas essas crianças eram filhos dele ? Não , ele não teria tido tempo pra tudo isso . A menos que fossem de mães diferentes !Saímos do quarto e ele fechou a porta cuidadosamente , me mostrou os dois banqueiros da casa, me mostrou a arrecadação, e por fim , o jardim , onde uma piscina estava instalada. Ao fundo do jardim uma cabana de madeira, super legal.
— E Ali ? O que tem ? - perguntei ao ver que ele não iria me levar lá.
— Ali tu não pode entrar . Nem tenta ser curiosa que vai se dar mal ! Entendeu ? - falou grosso e eu assenti.
— Então atividade ai que eu vou trabalhar. Ele colocou uma arma nas costas , duas na cintura e o boné , e saiu , me deixando com cara de paisagem , olhando pra tudo , sem nem saber o que fazer.
Decidi começar pelo princípio e limpei todas as portas do andar debaixo. Limpei os vidros todos também e aspirei toda a parte de baixo da casa. Na cozinha limpei tudo , coloquei tudo no lixo e aproveitei pra dar uma olhada nos armários e ver o que essa gente toda comia.
— Gente não acredito que as criança só come miojo - pensei.
Quando tudo estava finalmente limpo na cozinha, me virei e dei de caras com aquela adolescente que estava dormindo, no segundo quarto que ela me mostrou.
— Quem é você ? - Ela perguntou me olhando de cima a baixo.
— Oi , é .. Tenho uma dívida com seu irmão , então estou trabalhando aqui até pagar.
— Vai trabalhar aqui a vida toda então , boa sorte - ela riu e se dirigiu a mim, me abraçando. O que essa gente da favela tem que segue abraçando todo mundo sem nem conhecer ?
— Como assim trabalhar a vida toda aqui ? - perguntei depois de retribuir o abraço.
—Meu irmão não perdoa fácil não, ainda te vai dar muito trabalho . Eu sou Leninha , a irmã dessa fera aí - ela apontou vendo o irmão chegar na cozinha.
— Falando de mim é? - Yago perguntou se sentando e olhando em volta.
— Saporra ta limpa hein !— É, eu limpei tudo , só achei que tinha muito miojo no armário, vocês não comem só isso ou comem ? - perguntei
— Nanana Miojo ! Tu não ta aqui pra avaliar nossa alimentação porra ! Tu e nutricionista agora ? - ele falou alto
— Ah deixa dissso Yago, olha - ela se dirigiu pra mim — ele esteve fora um mês, daí eu tentei me virar como eu consegui, com ajuda de uma zinha aí.A babá electrónica que estava na cozinha que eu nem tinha reparado, Emitiu o som do bebé chorando no andar de cima. Yago foi rapidamente em direção as escadas.
— Eles são todos filhos dele? - perguntei pra Leninha.
— Credo, tu acha ? Só os gémeos são nossos irmãos , o bebé é de uma moça aí que morreu quando o bebé nasceu. Ela era melhor amiga do meu irmão, daí ele se sentiu na obrigação de ficar com ele.
— Assenti. 10 minutos depois Yago voltou com o bebé todo risonho.
— Que lindo ele é . Qual o nome dele?
— Ele nem tem nome sabe ? Nem registado ele foi! Esse inconsciente aí nem se deu ao trabalho ! — Leninha falou— Inconsciente é o caralho Leninha tu me respeita que eu te arrebento ! Eu não tive tempo porra, mas um desses dias eu vou lá e registo o moleque caralho ! Fica só enchendo o saco.
— Quantos meses ele tem? - perguntei
— Ele tem 24 anos - Yago falou e eu revirei os olhos .
— Ela estava falando do bebé ! Ele tem um mês! Ele nasceu bem quando Yago foi pro hospital. A dona da casa do lado que ajudava nós com ele, pq eu né nem uma fralda eu sei trocar - Leninha disse.— Que gracinha ! Olha , tem como eu ir no mercado fazer umas compras pra fazer umas comidas decentes pras crianças ? - perguntei
— Tem dinheiro naquele pote ali oh - ele indicou com a cabeça. — Esse dinheiro e pra comprar os bagulho pros gémeos e o bebé e pra casa.
Assenti.
— Eu vou contigo. - Lena falou , colocamos o bebé no carrinho e fomos subindo o morro até ao mercadinho.Comprei de tudo um pouco: Leite , fraldas , iogurtes, pão , queijo , presunto , ovos ( nem ovos tinha naquela casa) comprei feijão e carnes, enfim, tudo o que uma casa precisa pra comer sério , e na hora de pagar, Leninha falou pro homem por na conta do patrão, e eu fiquei olhando pra ela com cara de ?
— Porquê você colocou a conta no nome do patrão ? - Perguntei enquanto andávamos.
— Tu é tapadinha mesmo né ? O meu irmão é o Patrão !
— Mas se ele é dono do mercadinho , porque é que ele não traz comida decente pra casa?
— Anabela , tu vê se abre o olho viu! Yago não é dono do mercadinho , ele é a Fera , o dono do morro.
Parei , e um calafrio percorreu o meu corpo. De todas as histórias que eu tinha lido sobre favelas , nenhuma descrevia um dono do morro assim . Eu estava na toca do lobo .
Eu estava fudida.
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A bela e a Fera
RomanceQuando a Bela chega a Favela , a Fera descobre que tem um pronto fraco . "Porque não há dor , que o amor não cure "