Capitulo 4

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O dia estava a amanhecer, já havia tomado banho, e chorei com toda a alma do meu corpo. Chorei por tudo o que aconteceu e por tudo o que ainda iria acontecer.
Léo me deixou em frente a uma casa, toda pintada de verde por fora, um pequeno portão. Pela dimensão dava pra ver que era maior do que as outras casas ali, e tinha uma moto estacionada na porta, reconheci a Mota de Yago.

— Por favor Léo, eu dou um geito, me ajuda! - Supliquei com lágrimas de novo.

— Eu não posso fazer pó , você foi dormir logo em cima da droga Anabela- Yago disse coçando a cabeça. — Vai la , antes que ele se enerve . Não te preocupa, ele não vai te fazer mal.

Assenti, e caminhei até a porta , bati e ele abriu.

— Chegou tarde já ! Vou te mostrar a casa. - ele fechou a porta na chave atrás de nós.

— Anda porra que eu não tenho o dia todo- ele me empurrou.

A porta ficava isolada das outras peças da casa, um pequeno corredor levava a uma sala, um sofá em L preto, uma mesinha de centro , um tapete terrivelmente sujo e um imenso ecrã. Estranhei ao ver brinquedos no chão, mas eu não estava ali pra fazer amizade, muito menos pra questionar.
Uma outra porta dentro da sala, era a kk , e quase perdi o ar quando vi tudo ali tao bonito, as cores eram vermelho e preto, e parecia estar novo , não fosse o pó que havia , mas havia imensos, inúmeros , incontáveis , embalagens de miojo , salgadinhos , latinhas , garrafas de leite , caixas com cereais , em todo o lado. Gente ? Esse mano não sabe nem por as coisas no lixo ?

—Aqui e a cozinha. Bora - ele falou , e voltamos pra sala onde uma escada levava ao andar superior da casa, um primeiro quarto.

— Aqui é meu quarto, tu não precisa entrar lá dentro.

Assenti , a segunda porta se abre, e dentro dela um quarto de adolescente, onde uma menina dormia em cima de uma cama de casal. O quarto super feminino e muito bem arrumado

— Shiu! Aqui é o quarto da Leninha , logo você conhece ela. A danada foi pro baile- um pequeno sorriso se fez em sua face, mas logo foi substituído pelo semblante de cão com raiva.
Uma terceira porta , uma beliche, dois rapazes dormiam profundamente lá , diria que tem entre 3 e quatro anos, não mais que isso. Saímos dali em silêncio , e a quarta porta, tinha um berço. Olhei pra ele e ele assentiu, me permitindo assim entrar no quarto. Me aproximei e vi um bebé, lindo , dormindo. Talvez tivesse uns 3 meses , talvez menos.
Será que todas essas crianças eram filhos dele ? Não , ele não teria tido tempo pra tudo isso . A menos que fossem de mães diferentes !

Saímos do quarto e ele fechou a porta cuidadosamente , me mostrou os dois banqueiros da casa, me mostrou a arrecadação, e por fim , o jardim , onde uma piscina estava instalada. Ao fundo do jardim uma cabana de madeira, super legal.

— E Ali ? O que tem ? - perguntei ao ver que ele não iria me levar lá.

— Ali tu não pode entrar . Nem tenta ser curiosa que vai se dar mal ! Entendeu ? - falou grosso e eu assenti.

— Então atividade ai que eu vou trabalhar. Ele colocou uma arma nas costas , duas na cintura e o boné ,  e saiu , me deixando com cara de paisagem , olhando pra tudo , sem nem saber o que fazer.

Decidi começar pelo princípio e limpei todas as portas do andar debaixo. Limpei os vidros todos também e aspirei toda a parte de baixo da casa. Na cozinha limpei tudo , coloquei tudo no lixo e aproveitei pra dar uma olhada nos armários e ver o que essa gente toda comia.

— Gente não acredito que as criança só come miojo - pensei.

Quando tudo estava finalmente limpo na cozinha, me virei e dei de caras com aquela adolescente que estava dormindo, no segundo quarto que ela me mostrou.

— Quem é você ? - Ela perguntou me olhando de cima a baixo.

— Oi , é .. Tenho uma dívida com seu irmão , então estou trabalhando aqui até pagar.

— Vai trabalhar aqui a vida toda então , boa sorte - ela riu e se dirigiu a mim, me abraçando. O que essa gente da favela tem que segue abraçando todo mundo sem nem conhecer ?

— Como assim trabalhar a vida toda aqui ? - perguntei depois de retribuir o abraço.

—Meu irmão não perdoa fácil não, ainda te vai dar muito trabalho . Eu sou Leninha , a irmã dessa fera aí - ela apontou vendo o irmão chegar na cozinha.

— Falando de mim é? - Yago perguntou se sentando e olhando em volta.
— Saporra ta limpa hein !

— É, eu limpei tudo , só achei que tinha muito miojo no armário, vocês não comem só isso ou comem ? - perguntei

— Nanana Miojo ! Tu não ta aqui pra avaliar nossa alimentação porra ! Tu e nutricionista agora ? - ele falou alto
— Ah deixa dissso Yago, olha - ela se dirigiu pra mim — ele esteve fora um mês, daí eu tentei me virar como eu consegui, com ajuda de uma zinha aí.

A babá electrónica que estava na cozinha que eu nem tinha reparado, Emitiu o som do bebé chorando no andar de cima. Yago foi rapidamente em direção as escadas.

— Eles são todos filhos dele? - perguntei pra Leninha.

— Credo, tu acha ? Só os gémeos são nossos irmãos , o bebé é de uma moça aí que morreu quando o bebé nasceu. Ela era melhor amiga do meu irmão, daí ele se sentiu na obrigação de ficar com ele.

— Assenti. 10 minutos depois Yago voltou com o bebé todo risonho.

— Que lindo ele é . Qual o nome dele?
— Ele nem tem nome sabe ? Nem registado ele foi! Esse inconsciente aí nem se deu ao trabalho ! — Leninha falou

— Inconsciente é o caralho Leninha tu me respeita que eu te arrebento ! Eu não tive tempo porra, mas um desses dias eu vou lá e registo o moleque caralho ! Fica só enchendo o saco.

— Quantos meses ele tem? - perguntei
— Ele tem 24 anos - Yago falou e eu revirei os olhos .
— Ela estava falando do bebé ! Ele tem um mês! Ele nasceu bem quando Yago foi pro hospital. A dona da casa do lado que ajudava nós com ele, pq eu né nem uma fralda eu sei trocar  - Leninha disse.

— Que gracinha ! Olha , tem como eu ir no mercado fazer umas compras pra fazer umas comidas decentes pras crianças ? - perguntei

— Tem dinheiro naquele pote ali oh - ele indicou com a cabeça. — Esse dinheiro e pra comprar os bagulho pros gémeos e o bebé e pra casa.
Assenti.
— Eu vou contigo. - Lena falou , colocamos o bebé no carrinho e fomos subindo o morro até ao mercadinho.

Comprei de tudo um pouco: Leite , fraldas , iogurtes, pão , queijo , presunto , ovos ( nem ovos tinha naquela casa) comprei feijão e carnes, enfim, tudo o que uma casa precisa pra comer sério , e na hora de pagar, Leninha falou pro homem por na conta do patrão, e eu fiquei olhando pra ela com cara de ?

— Porquê você colocou a conta no nome do patrão ? - Perguntei enquanto andávamos.

— Tu é tapadinha mesmo né ? O meu irmão é o Patrão !

— Mas se ele é dono do mercadinho , porque é que ele não traz comida decente pra casa?

— Anabela , tu vê se abre o olho viu! Yago não é dono do mercadinho , ele é a Fera , o dono do morro.

Parei , e um calafrio percorreu o meu corpo. De todas as histórias que eu tinha lido sobre favelas , nenhuma descrevia um dono do morro assim . Eu estava na toca do lobo .

Eu estava fudida.

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⏰ Última atualização: May 02, 2020 ⏰

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