— Ruth, é melhor fazer isso logo, se ela nos pegar já era!
A voz soou muito estridente na rua vazia, mas Ruth não julgou o tom, afinal sabia que sua amiga e única confidente estava com tanto medo quanto ela.
Não era todo dia que fugiam de casa, muito menos em uma noite estranha como aquela. Mas juntas tinham visto demais e ela não conseguia nem mesmo fechar os olhos ou iria fraquejar. Sabia que para Joana era a mesma coisa, a mulher que cuidou delas a vida inteira depois que ambas ficaram órfãs nunca tinha sido muito amorosa, era mais como uma carcereira, entretanto tinham convivido bem até agora, até aquela tarde.
— Eu preciso de um segundo.
Ruth ajustou a alça da mochila que arrumou de improviso tentando pensar no que fariam, estavam com pouco dinheiro, sem direção e há menos de uma hora de casa, e naquele segundo acabam de parar no ponto de ônibus na beira da estrada, vazio. E ainda tinham outro problema com que se preocupar. Seu tutor. Ou melhor, o tutor das duas.
— Quando o padrinho souber porque fugimos ele vai entender.
Joana deu um tapinha em sua mão e sorriu, mas era um sorriso tremulo e assustado, com toda razão. Ela tinha dúvidas daquilo, não porque Onew Kalamavri fosse um homem cruel, longe daquilo, seu tutor era sério, mas sempre tinha sido gentil com elas, de vez em quando até mesmo carinhoso embora nunca chegasse perto demais, elas nunca tinham tocado nele, desde que se lembravam e tinham ele como tutor desde o berço pelo que sabia, era uma presença constante que regia o mundo delas, desde o melhor colégio à alimentação saudável, a manutenção da casa rural e recentemente a mesada que recebiam, mas pouco sabiam sobre ele, apenas que era o responsável por elas e como viajava muito à negócios, as duas tinham ficado sobre os cuidados da Babá Gal, uma mulher sisuda, rigorosa e silenciosa, que fazia da vida delas um relógio, até essa tarde.
— Essa semana é lua nova, ele virá.
Ruth tinha certeza disso, como se algo dentro dela a avisasse.
Nos últimos meses ele tinha seguido um padrão novo, antes vinha mês sim, mês não, mas agora visitava toda noite de lua nova, bastava o céu ficar sem lua e lá ele estava, diante da porta pouco depois do anoitecer, com os olhos chocolate atentos que ela nunca tinha visto em outra pessoa.
— Não vamos pensar nisso. Temos de ir, se chegarmos na rodoviária podemos pegar um ônibus para sei lá... Para longe.
— Temos dezessete anos Joana, logo vão fazer perguntas. Vão olhar nossos documentos e vão ligar para casa.
— Talvez sim, talvez não. Está desistindo, quer voltar?
Desta vez a voz soou quase sussurrada. Ruth engoliu em seco.
— Não.
— Bem, então temos que sair daqui - Joana prendeu o cabelo volumoso em um coque frouxo e apontou para a rodovia do outro lado – Temos a cidade ou a capital.
— Cidade.
Respondeu rápida dessa vez, a cidade era mais segura. Pelo menos até pensarem melhor no que iriam fazer.
— Beleza - E ela bateu de leve no rosto, um hábito que tinha, sempre fazia aquilo quando estava tentando se acalmar – Nossa carona vem vindo.
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Prometida
FantasyRuth foi dada em casamento desde seu nascimento para dois homens e nada sabia até ser atacada na escuridão por lobos sedentos e violentos. Seu destino estava traçado, mas seria aquele mesmo o seu destino?