Capítulo um.

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- Não! Por favor, não! - Essas eram as últimas palavras de que eu conseguia lembrar desde aquele dia. Aquele dia. O dia em que toda a minha vida passou de ser mais ou menos normal pra totalmente anormal. Lembro-me como se fosse ontem das últimas palavras que minha mãe me disse antes daquela viagem, daquela viagem que mudou toda a minha vida e que me fez vir para onde eu estou agora. Eu era uma adolescente de dezesseis anos que vivia com os pais em uma bela casa em Nova York, então certo dia, meus pais resolveram viajar para a Europa e sofreram um terrível acidente que foi fatal. Dois meses depois eu me mudei para uma pequena cidade do interior dos Estados Unidos, em uma bela mansão com o meu tio Tom e estava começando há enfrentar minha segunda semana na escola...
- Senhorita Thompson? - A professora virou com o seu gigante nariz empinado que segurava seus óculos pequenos e quadrados. Droga tinha esquecido completamente que eu estava no meio de uma aula de física. Mas também não era para menos que eu estivesse viajando, eu simplesmente não consigo compreender absolutamente nada dessa matéria - Está tudo bem com você?
Eu ia começar a responder que sim, mas por sorte o sinal bateu, realmente não era um bom momento para escutar sermões de uma professora. Juntei meus livros o mais rápido possível para me livrar daquela sala horrenda e também para me livrar da pergunta que eu teria que responder se continuasse mais um minuto ali. Quando eu estava na porta prestes a sair escutei a professora me chamar novamente.
- Jessica quero que você fique alguns minutos aqui, sim? - Ela apontou para uma cadeira que tinha posto ao lado da sua e fez sinal para que eu me sentasse. Ótimo.
- Algum problema? - Perguntei sentando na cadeira ao lado dela e fingindo não estar ciente de nada do que ela estava prestes a falar para mim, provavelmente ia me xingar por eu estar divagando na aula dela.
- Para falar a verdade sim - Ela se sentou mais perto de mim e me olhou com um olhar de extrema pena. Por que ela sentiria pena de mim? Não há motivo algum... - Quero saber o porquê de você estar sempre divagando na minha aula. E não me diga que é só porque você não entende a matéria, seu tio é o maior físico da cidade e você sabe muito bem que se tivesse alguma dificuldade você poderia pedir ajuda para ele e, com certeza, ele não iria se importar de ajudá-la. Então, me fale, porque a senhorita está sempre divagando na minha aula?
- Que?! - Perguntei fingindo incredulidade.
- Você sabe do que eu estou falando, não tente fingir que não sabe. - Parecia que ela estava lendo os meus pensamentos, que mulherzinha chata! - Faz duas semanas que você vem tendo aula comigo e sempre que eu olho para você parece que você está em outro planeta, em outro mundo! Você não pode continuar desse jeito Jessica, ou vai acabar tirando uma péssima nota na nossa prova. E devo lembrar que não existe recuperação alguma neste colégio.
- Desculpe, não sei o que está havendo. - Foi à única coisa que encontrei para falar naquele momento. Ela soltou um longo suspiro de pena e olhou bem nos meus olhos através daqueles óculos quadrados com alguns cristais do lado.
- Sei o que aconteceu com você, seu tio deixou muito claro que talvez fosse complicado fazer você se adaptar com a sua nova vida, com o seu novo ambiente... Sei que é muito doloroso perder os pais, eu perdi meu pai bem quando eu era pequena, mais nova que você, mas sabe, nós não podemos viver sempre do passado. Tem uma hora que temos de seguir em frente e temos que enfrentar as coisas que ainda estão por vir... - Ela colocou a mão em meu ombro e enrolou um cacho de meu cabelo. - Você tem que buscar coisas novas para se apegar, tem que tentar fazer amigos, se não você nunca conseguirá sair desta situação. E se você não conseguir sair dessa situação, você vai viver sempre deprimida com as sombras do passado e não vai conseguir crescer, se desenvolver e se tornar uma grandiosa mulher que eu sei que você já é e também sei que você é capaz de se tornar mais ainda.
- Sra. Clarkson eu...
- Não precisa me dizer nada, querida - Ela interrompeu minha fala, o que me deixou com uma leve irritação. Eu estava prestes a dizer que perder os meus pais não era a resposta para eu não estar prestando atenção nas aulas dela, queria dizer que eu já havia superado e que o real motivo para eu ficar divagando era que eu não entendia absolutamente nada daquela matéria infernal. Não fazia a menor diferença ser sobrinha do maior físico da cidade, eu não compreendia nada que ela dizia, mas parece que ela não estava a fim de me ouvir. - Eu estou aqui para ajudá-la, assim como seu tio e qualquer outro professor desta escola... Temos um grupo ótimo de psicólogos aqui e se você quiser posso encaminhá-la para um deles, se você não quiser se abrir comigo... Sabe, às vezes é bom desabafar com alguém, faz bem para nós mesmos, para o nosso interior e nos ajuda a superar muitas coisas.
- Professora, desculpe, mas eu não preciso de um psicólogo! - Falei meio irritada, mas que diabos era esse papo de psicólogo?
- Sei o que está pensando, psicólogos não são apenas para problemáticos! Pelo contrário, nos ajudam com muitas coisas e são amigos que nós podemos contar e desabafar nossos problemas, com a certeza de que ninguém nunca ficará sabendo.
- Professora, acho que a senhora não me entendeu bem... Eu já superei tudo isso.
- Oh querida, eu entendi mais do que você imagina... - Ela me encarou por vários minutos, eu já estava começando a ficar sem graça. Que porcaria é essa de psicólogo? Eu não preciso desse tipo de coisa! Já superei há tempos essa morte dos meus pais, sem falar que eu não fiquei deprimida nem com vontade de me matar, também não virei um psicopata serial killer, realmente não tinha nenhuma necessidade de eu ir procurar algum psicólogo em busca de uma "ajuda" e de um "amigo". Eu não queria e também não precisava desabafar com ninguém sobre os meus sentimentos. - Vou dispensá-la do seu último período, vá comer alguma coisa no refeitório ou se você quiser eu posso ligar para o seu tio vir buscá-la.
- Muito obrigada, mas acho que vou ficar por aqui mesmo.
Me levantei o mais depressa que pude da cadeira em que estava sentada e fui novamente em direção a porta, virei rapidamente para ver se a professora continuava me observando e ela abriu um sorriso calmo para mim, que não tive outra escolha a não ser retribuir.
Fui caminhando para a cantina do colégio, fazer um lanche até que não seria uma má ideia. Me senti feliz pela Sra. Clarkson ter me dispensado da ultima aula, era espanhol, outra matéria que eu não tinha o menor talento, mas, por alguma razão, eu sempre fui bem em todas as provas que eu tinha sobre gramática espanhola. Caminhei até o meio do pátio do colégio, que estava vazio neste horário, exceto por alguns alunos Inter cambistas que provavelmente estavam tentando ler alguma coisa em inglês e, provavelmente, estavam tendo a maior dificuldade em fazer isso.
Sentei na mesa mais próxima que encontrei e me surpreendi ao abrir minha bolsa e ver que Martha, a governanta do meu tio, tinha feito um enorme sanduíche de atum para mim. Desenrolei o pacote e comecei a comer dando graças por alguém no mundo ter inventado essa comida tão boa. Fiquei olhando para os Inter cambistas que ainda tentavam traduzir um texto em inglês para o seu idioma. Eu realmente não conseguia compreender o que fazia com que pessoas de outros países viessem fazer intercambio nessa cidade, afinal, ela não tinha nada de bom. Com tantas outras cidades como Nova York (que era minha cidade há dois meses, antes de tudo acontecer), Londres e outras várias cidades conhecidas e admiradas pelo mundo todo, me admirava saber que alguma alma viva preferiria estar aqui neste fim de mundo no Oregon, que não tinha nem Mc Donald's (acho que era por isso que as garotas daqui são muito magras). Eu não achava de todo ruim à cidade, eu sempre gostei de cidades pequenas com grandes montanhas e bastante neve e sempre desejei viver em uma porque assim eu poderia me sentir como aquelas garotas de filmes que andavam a cavalo e cuidavam de suas fazendas, mas nessa situação que eu me encontrava eu preferiria mil vezes estar em uma cidade grande com os meus pais ao lado. Não que eu estivesse depressiva por causa da morte deles, pelo contrário, eu estava aceitando bem isso, afinal, era como a Sra. Clarkson havia dito há alguns minutos atrás, a vida segue em frente, mas se eu pudesse escolher voltar no tempo eu com certeza não pensaria duas vezes em impedir aquela maldita viagem deles à Europa.
Dei minha última mordida no meu sanduíche de atum no mesmo instante em que o sinal bateu e o pátio começou a encher incrivelmente rápido. Eu estava me preparando para sair e ir embora para casa quando senti uma mão tocando o meu ombro e me virei rapidamente.
- Jessica não é? - Uma garota de cabelos cacheados e bem loiros, com os olhos mais azuis que eu já havia visto em toda a minha vida e cheia de pequenas sardinhas na cara estava parada atrás de mim com um olhar de dúvida. - É você?
- Ahn, sim sou eu. - Quem diabos era ela?!
- Prazer sou Sara, Sara Williams. - Ela estendeu a mão formalmente, tinha um sotaque leve bem engraçado - Eu estou na sua turma na aula de espanhol e bom, o professor Andersen passou alguns deveres para nós e eu vi que você não estava lá e me ofereci para lhe entregar a lista com os deveres que ele nos passou.
Ela entendeu a mão e me entregou uma folha de caderno com alguns desenhos estampados na parte de cima e embaixo, os deveres estavam escritos em tópicos e com uma caligrafia extremamente linda.
- Ah claro, muito obrigada, de verdade. - Sorri. - Eu realmente não posso desperdiçar pontos nessa matéria.
- Acho que ninguém dispensa alguns pontinhos em espanhol, as provas do Sr. Andersen são realmente impossíveis! - Ela retribuiu o sorriso e eu concordei com a cabeça, mesmo nunca tendo feito uma prova dele. - Bom eu tenho que ir indo, nos vemos amanhã! Tchau.
- Tchau! - Acenei enquanto ela se direcionava para um carro que estava parado bem em frente à entrada da escola. Foi realmente muito legal da parte dela escrever os deveres para mim, afinal, eu nunca havia sequer visto ela nas aulas.

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