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Ilha dos Anjos,  ano de 1919

"Ei, não brinque com isso!"

Kari era mais velha que sua irmã gêmea, Kami, por dez minutos de diferença e, o simples fato de ter tido a sorte de nascer primeiro, lhe dava energia suficiente para que ela perturbasse a mais nova como se essa divergência estivesse relacionada a anos.

As duas irmãs estavam correndo, uma atrás da outra, pela praia gigantesca da Ilha dos Anjos - lugar onde ambas cresceram com sua família e que, poucas pessoas de outros continentes distantes conseguiam visitar -, o motivo pelo qual Kami perseguia Kari de maneira incansável, era o fato de que a mais velha lhe havia "roubado" uma carta de amor que ela tinha recebido de um garoto que visitara a ilha nas últimas semanas.

Kari sempre tivera inveja de sua irmã mais nova e grande parte dos amigos das gêmeas tinham conhecimento disso, uma vez que a mesma não tinha a mesma simpatia e nem de longe era tão educada quanto Kami. Kari sempre fora ranheta e debatia até mesmo com seus pais e, a maneira com que sua irmã era amada e bem tratada por todos a incomodava.

Ela queria ser como a irmã mais nova.
Ela queria ser ela.

"Vamos ver o que diz, aqui!", ela gritou, tentando ler a carta enquanto fugia de sua irmã, "Querida Kami... estou lisonjeado por ser o garoto do seu primeiro beijo?", ela parou de correr e se virou para fitar a mais nova, estava claro em seu modo de olhá-la que a inveja percorria cada terminação nervosa de corpo esguio, "Você beijou um garoto?"
Kami tomou a carta da não de sua irmã, seu rosto estava tão vermelho quanta a lava de um vulcão em erupção.

"Papai vai ficar decepcionado com você", ela tinha um ar maldoso ao citar a pessoa que mais se importava com Kami em todo o universo, "Imagina o que ele vai dizer quando souber que sua filha querida andou beijando um rapaz desconhecido?"

"Vá em frente", Kami deu de ombros, sem se render às ameaças da mais velha, "Conte a ele, se isso lhe trará felicidade."

Kari tomou a carta em sua mão outra vez, certa de que conseguiria sair como a filha exemplar daquela vez. Ela queria provar para todos que tinha caráter e, principalmente, que era mil vezes melhor que sua irmãzinha. 

As duas irmãs caminharam em silêncio de volta para o casebre da família, onde viviam com os pais e o caçula de seis meses, Keithan. Em nenhum momento, durante o trajeto, Kami demonstrou estar com medo de ser duramente repreendido pelo pai e, por mais que estivesse tentando disfarçar o incômodo que estava sentindo, Kari permaneceu forçando um sorriso arrogante em seu rosto.
O pai das gêmeas estava sentado em uma cadeira simples de madeira na varanda de sua casa, a tecer uma rede de pesca de maneira despreocupada, aquele era o seu passatempo preferido e, também, seu meio de ganhar a vida.

"Papai", Kari lhe chamou, atraindo a atenção que ele mantinha em sua rede, totalmente para si, "Kami recebeu uma carta de um garoto".

O chefe da família sorriu satisfeito, aparentemente ele se sentia honrado em saber que uma de suas filhas já tinha pretendentes na ilha. 

"Ora, papai", a mais velha revirou os olhos, "Se eu fosse o senhor não ficaria tão feliz, afinal de contas sua filha beijou um garoto desconhecido."
O sorriso do pai das gêmeas se desfez, ao que ele questionou à mais nova se aquilo era verdade.

"Sim, papai", Kami não demonstrava arrependimento, nem mesmo uma gota de suor escorria por sua testa para entregar se estava ou não sentindo medo de levar uma bronca.

O pai abriu um sorriso outra vez e assentiu para as duas, "Está tudo bem. Desde que Kami saiba o que está fazendo, eu não irei repreendê-la."

A gêmea mais nova pegou a carta que sua irmã segurava tão pomposamente há minutos atrás e adentrou na casa, encaminhando-se para o quarto que elas dividiam. Ela sabia que Kari iria tornar a segui-la e que provavelmente lhe desferiria um ou dois tapas para descontar sua raiva em seu rosto.

Seres Místicos - ColetâneaOnde histórias criam vida. Descubra agora