É bem provável, levando em consideração o absurdo da situação, que eu esteja louca. E diante desse encadeamento de desventuras, a réplica azulada e peluda do bebê Yoda parece ser a única coisa que faz mais sentido nesse cenário pavoroso. Contudo, para o grande pesar das almas desafortunadas e fanáticas por "Star Wars", aquela não era a versão fidedigna do Mestre Yoda, tampouco englobava o mundo dessa franquia onipotente. Infelizmente, eu sabia o nome daquele ícone estelar dentro do universo dos games. Ele era o Senhor Andrômeda. E, para o meu total infortúnio, eu não estava agraciando sua presença de uma tela qualquer, mas sim, ao vivo e em cores.
Confesso, sem hesitação, que a culpa por tamanho azar é minha. Fui eu que decidi aceitar uma proposta indecorosa, boa demais para ser verdadeira, que exalava "golpe" em letras garrafais. Entretanto, frente ao meu status de completa viciada em jogos, principalmente quando o assunto é Star Gods, seria um erro plausível.
Eu gastei 16 horas, 32 minutos e vários segundos incontáveis da minha vida naquela fila amedrontadora da lojinha de games no centro, apesar de que, no final, nem conseguia avistar a entrada do recinto. Toda essa aglomeração tinha uma causa aparente: Star Gods II, a continuação do meu jogo favorito. Então, foi um falha justificável aceitar comprar a edição de colecionador desse game pela metade do preço original, para não esperar nem mais um instante sequer naquele mar de pessoas. E oras, eu sou humana! Qualquer desconto é muito bem-vindo no meu bolso. Porém, eu deveria ter desconfiado do vendedor. Ele expelia "trombadinha" por seus poros, e ressignificou o conceito de estranho quando praticamente lançou o objeto nos meus braços ainda na fila, como se o jogo fosse alguma praga contagiosa. Bem aí, eu deveria ter visto que a sorte havia sido lançada.
Feliz seria um adjetivo muito vago para descrever meu estado de espírito. Eu estava radiante. Depois de dois anos, finalmente daria continuidade a saga de amor e aventura espacial do casal mais sexy de todo universo; finalmente, eu voltaria a amar meu extraterrestre favorito: Hasttwe, o Capitão das Galáxias. Sua pele exibia uma tonalidade laranja brilhante, e eu super entendia o motivo da Lady Constelação ter se apaixonado. Quem seria louco para não gostar do cara mais feroz, mortífero e encantador das estrelas? Claro que seria um sonho conhecê-lo na vida real, mesmo sendo apenas animação de um game. Contudo, não esperava que isso fosse realmente acontecer, e de um jeito pra lá de inusitado.
Assim que cheguei em casa e pus o jogo para rodar, não estava nos planos ser transportada ao mundo de Star Gods. Num minuto, o controle do aparelho se encontrava nas minhas mãos; no outro, um brilho intenso cegava meus olhos, e quando dei por mim, asteróides e corpos rochosos dançavam sobre minha cabeça. É, eu devo ter morrido mesmo, era a única explicação plausível. Porém, antes de pirar de vez, o senhor Andrômeda me arrancou dos pensamentos com um sacolejo bruto nos meus ombros. Para um ser minúsculo, ele até que tinha bastante força.
- Pelo amor da Sírius, Lady Constelação! - Suas feições mostravam desespero. - Você precisa encontrar as três estrelas.
Pelo visto, para piorar a situação, eu havia virado Lunitty, a própria Lady Constelação. Ela poderia até ser uma alien de Tscar, planeta distante anos-luz da órbita terrestre, mas possuía nossas características físicas e, facilmente, era confudida como uma humana. Naquele instante, minha vestimenta nada mais era que um vestido branco apertado e esvoaçante. Meu cabelo, antes loiro, estava escuro reluzente e chegava até o final das costas. Se eu me visse no espelho agora, saberia que meu rosto oval fora substituído pelas feições da mulher mais poderosa e bonita da galáxia.
- Lady Constelação, você precisa encontrar as estrelas!
O senhor Andrômeda repetia os supostos objetivos da Lunitty incansavelmente. Não precisava ser um gênio para saber do que ele estava falando, ainda mais comigo sendo uma grande fã. Star Gods é um jogo de batalha espacial, cuja ambientação era o próprio céu estelar; fato esse bem evidente diante dos inúmeros astros e corpos luminosos ao nosso redor.
O principal dever da Lady Constelação é encontrar as três estrelas cadentes do destino e deter, consequentemente, a destruição da galáxia pelos Duxters, uma raça de lagartos alienígenas. Quando unidas, as estrelas viram um tipo de astro gigante e interplanetário, que salva todo o universo. E pronto, final feliz. Revirei os olhos. Quem dera a vida fosse tão simples assim.
- Encontre as estrelas, Lady! - O minúsculo extraterrestre já estava me dando nos nervos com tamanho falatório. Ele era o ícone do jogo e, sempre que possível, mostrava as tarefas, quantidade de vida e todas as outras opções de jogabilidade da personagem. E, para reafirmar meu quadro de completo azar, sua outra função também é perturbar a coitada da Lunitty, no caso eu.
Será que a réplica do Mestre Yoda realmente acreditava que aquilo era, de fato, real? Pelo amor da Sírius, estrela mais brilhante do céu noturno, tudo não passava de um sonho delirante; e daqui a alguns instantes, o despertador colocaria fim nessa realidade paralela.
- Senhor Andrômeda, isso é um sonho! Não precisa se preocupar tanto. - Balancei as mãos na frente do rosto. - Que bobagem! Posso me ferir agora e nada acontecerá.
Não sabia se o agravamento do meu estado de loucura era oriundo da conversa anormal com um alienígena, ou a tentativa de provar meu ponto de vista para o ser azulado. De qualquer forma, apanhei uma pedra espacial pontuda.
- Se eu enfiar no peito, não vou sentir nada.
- Não faça isso, Lady Constelação! - O grito esganiçado da versão do Mestre Yoda ainda tentou me deter, mas, infelizmente, a pedra já perfurava meu coração.
Primeiro veio a dor dilacerante; depois, a escuridão. Um poço vazio, perpétuo e escuro. Eu estava caindo cada vez mais rápido num grande nada; e quando pensei que me espatifaria no chão frio, voltei para o local de início do jogo, isto é, a estrela Canopus. Os olhos amendoados do senhor Andrômeda continuavam me observando de forma inquisitória.
O ar sumiu dos meus pulmões, mesmo que, de certa forma, o corpo da Lunitty esteja habituado a conviver nas condições adversas do espaço. Por todos os deuses das estrelas, aquilo não era um sonho? Eu sabia que meu rosto mostrava todas as consequências assombrosas dessa verdade. Quando o E.T. azul flutuou na minha direção, continuei jogada no chão empoeirado da estrela Canopus, simbolizando meu status de choque. O senhor Andrômeda mostrou a barra do que parecia ser minha vida dentro daquela realidade.
- Você só tem mais duas chances, Lady Constelação. Se as desperdiçar, nunca retornará ao seu mundo.
Eu empalideci. Não quero nem imaginar o que deve acontecer se o limite de vida for extrapolado. Além disso, ficar presa dentro do jogo por toda eternidade estava fora de cogitação. Ainda nem tinha feito tudo o que queria no meu outro mundo.
Quando saí do estado de torpor e percebi que deveria fazer mais perguntas ao alienígena, ele já desaparecia numa chuva de poeira estelar brilhosa, mas antes pronunciou suas últimas palavras:
- Salve a galáxia, Lady Constelação!
É, agora eu estava realmente largada às traças.
1200 palavras
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Star Gods II
Romance"E, para o meu total infortúnio, eu não estava agraciando sua presença de uma tela qualquer, mas sim, ao vivo e em cores." Tudo o que Ayla Ramona queria era dar play no seu jogo favorito. Era de conhecimento universal o quanto ela ansiava por aquele...