A Obra da Vida

Capítulo 3 - Cyan

Cyan Moses. Um simples sapateiro que se apaixonou duas vezes. A primeira vez foi por Rusty, a mulher mais linda que ele já havia conhecido. E como era maravilhosa. Uma verdadeira obra de arte. Começou a namorar com ela enquanto ainda tinha seus 20 e poucos anos. Ele percebeu que ele merecia uma vida melhor. Merecia dar uma vida melhor para Rusty e sua futura família. Então ele resolveu achar uma nova forma de ganhar dinheiro. Uma forma diferente e nova. Um investimento que valeria a pena no futuro. Uma das poucas opções que ele tinha era a escola de artes. E foi o que ele fez. E assim ele se apaixonou. Pela segunda vez.

A arte tornou-se seu principal foco. Ele revolucionou a forma com que a arte era pintada na Holanda. Criou um novo movimento: o expressionismo. Nunca haviam visto algo daquele jeito. Ele havia se tornado famoso. Rico. Invejado. E ele tinha orgulho dessas coisas. Mas ele tinha mais orgulho de sua arte. Era linda. A arte mais linda que ele já havia visto. E como era maravilhosa. Tudo o que ele fazia era uma verdadeira obra de arte. Dava festas e participava de eventos, tudo para mostrar a sua arte. A sua paixão.

Até que chegou um ponto em que ela não era mais tão bonita. Mesmo fazendo inúmeras obras, elas eram iguais às anteriores. Mesma nuance de cores, mesma técnica de pincelada, mesmos conceitos, mesmas ideias. Eram praticamente réplicas. Falta de criatividade. Os críticos começaram a prestar atenção em outras artes. Outros artistas. Cyan ficou de lado. Logo mais, ficou esquecido. Sua arte não era mais apreciada por todas. Eles não conseguiam ver a beleza delas? Até que Cyan começou a acreditar que sua própria arte era horrível. Sempre havia sido. Desde o começo. Tudo o que ele tinha feito era uma grande mentira. Uma perda de tempo. Ele teria que se encontrar novamente, se quisesse voltar a ser o que era. Mesmo que isso custasse sua vida. Ou mais. Sua famíia. Tudo pela arte.

[...]

E mais uma vez o velho artista erguia o pincel banhado à tinta em direção à tela em branco. Ele anseava por manchá-la, pintá-la, sujá-la. Não aguentava mais segurar a vontade dentro de si para pincelar mais uma vez um novo quadro. Tudo estava certo, podia observar as linhas sendo formadas, os traços e pinceladas que fazia, as nuances e entonações escolhidas para harmonizar toda a pintura. Sempre controlando como tudo acontecia em suas obras, como as coisas eram feitas, estruturadas, desenhadas, pintadas. Assim como ele queria que controlasse sua vida. Como ele queria que sua casa fosse maior. Como ele queria que não tivesse que segurar suas lágrimas diante do caixão cinzento que carregava seu pai vestido em um terno malfeito e remendado. Como ele queria que pudesse pintar mais uma vez um quadro, como ele sempre fez. Como ele queria fazer isso. Mas não fez. Fez apenas um ponto no quadro. Um ponto. Singular. Solitário. Perdido no meio do nada. Foi ali que, mais uma vez, Cyan jogou o pincel na parede. Parede essa pintada com raiva, desespero e melancolia. Queria ele que suas telas tivessem a arte que sua parede tinha.

- Querido, estou indo ver Aimê. Para comprar os ingredientes, claro. Quer alguma coisa para você? - disse Rusty, que insistia em perguntar mesmo sabendo a resposta.

E essa resposta era nada mais do que o silêncio de Cyan, que ficava ali, sozinho mais uma vez em uma sala gigantesca, cercada de telas quebradas, tinta derramada pelo chão formando um arco-íris depressivo, sem cores quentes ou cores vivas, apenas os sentimentos que ele conseguia expressar naquele momento.

Cyan levantou e retirou a tela com o ponto e atirou-a na parede, quebrando-a, assim como fez com todos os outros quadros. Pegava seu cachimbo recheado com tabaco e ópio, as únicas coisas que conseguiam acalmá-lo de seus pensamentos perturbados, incessantes, gritantes, contínuos. De seus pensamentos que não pensavam nada.

Nesse momento, ao tragar mais uma vez a mistura de morte que ele ingeria todo dia, ao menos umas 10 vezes ao dia, ele ouviu o barulho da porta sendo batida. Provavelmente era sua mulher ou seu filho, mas ele não se importou muito com isso.