Temporada 2 - Capítulo 3

131 11 14
                                    

Mais tarde, quando lhe contaram quanto tempo fazia que estava no hospital, ela mal pode acreditar. O tempo ficara fragmentado, não administrável, chegando e partindo em caóticos blocos de horas. Era o cafe da manha de terça-feira. Agora era o almoço de quarta. Ela aparentemente dormira por 18 horas -- isso foi dito em um tom de certa desaprovação, como se houvesse uma grosseria implícita em estar tanto tempo ausente. E dai era sexta-feira. De novo.  

As vezes, quando acordava, estava escuro e ela levantava um pouco a cabeça do travesseiro branco engomado e observava os movimentos relaxantes do hospital a noite. O arrastar de pés muito suave das enfermeiras pelos corredores, uma ou outra conversa em voz baixa entre enfermeira e paciente. Ela podia ver TV a noite, se quisesse, diziam-lhe as enfermeiras. Sua namorada tinha um bom plano de saúde -- ela podia ter quase tudo o que desejasse. Ela sempre dizia não, obrigada: já bastava a confusão que lhe provocava a perturbadora enxurra de informações, mesmo sem o incessante tagarelar da TV no canto. 

A medida que os períodos de vigília ficavam maiores e mais frequentes, foi se familiarizando com os rostos das outras mulheres na pequena ala. A mais velha, no quarto a sua direita, tinha um cabelo negro retinto preso com laque em uma escultura rígida e perfeita no alto da cabeça e as feições congeladas numa expressão de leve desapontamento e admiração. Pelo visto ela atuara em um filme em sua juventude, e se dignava a contar isso a todas as enfermeiras novas. Tinha uma voz autoritária e recebia poucas visitas. Havia uma jovem rechonchuda no quarto em frente, que chorava baixinho de madrugada. Uma senhora enérgica -- talvez uma baba -- trazia crianças pequenas para visita-la por uma hora todas as noites. Os dois meninos subiam na cama, agarrando-se a ela, ate a baba manda-los descer, pois ''vão acabar machucando sua mãe''.

As enfermeiras lhe diziam o nome das outras mulheres, e as vezes os próprios, mas ela não conseguia se lembrar de nenhum. Estavam decepcionadas com ela, desconfiava. 

Sua namorada, como todo mundo se referia a ela, vinha quase toda a noite. Usava uma camisa bem-cortada, de sarja azul ou cinza, dava-lhe um beijo perfunctório no rosto e na maior parte das vezes sentava-se no pé da cama. Puxava conversa sobre trivialidades, muito solicita, perguntando se Joalin estava gostando da comida, se queria que ela providenciasse algo. As vezes ela simplesmente mexia no celular. 

Era uma mulher bonita, talvez uns dez anos mais velha que ela, com uma testa alta, curvada, e olhos sérios e profundos. Joalin sabia, bem la no intimo, que ela deveria deveria ser quem dizia ser, que Joalin namorava com ela, mas era incrível não sentir nada quando obviamente todo mundo esperava uma reação diferente. As vezes Joalin a fitava quando ela não estava a olhando, esperando ser acometida por alguma sensação de familiaridade. As vezes, ao acordar, Joalin a encontrava sentada ali, o celular abaixado, olhando para ela como se sentisse algo parecido.

Dra. Marcela Mc Gowan, a especialista, passava la todos os dias, verificava o prontuario, perguntava se ela saberia lhe dizer o dia, a hora, o próprio nome. Ela sempre acertava essas coisas agora. Ate conseguia lhe dizer que o primeiro-ministro era o Sr. Macmillan e que ela estava com 18 anos. Mas tinha dificuldade com manchetes de jornais, com coisas que haviam acontecido antes que chegasse ali.

-- Isso vai vir -- dizia a doutora, dando-lhe tapinhas na mão. -- Não tente forçar, muito bem.

E depois havia sua mãe, que trazia presentinhos, sabonete, bons xampus, revistas, como se fossem ajudar a transforma-la numa copia do que aparentemente ela era.

-- Andamos todos muito preocupados, Joalin querida -- dizia ela, colocando uma mão fria em sua cabeça. 

Era bom. Não familiar, mas bom. As vezes sua mãe começava a dizer algo, depois murmurava:

-- Não devo cansar você com perguntas. Tudo vai voltar. Eh que sua medica diz. Então você não deve se preocupar. 

Ela não estava preocupada, Joalin queria dizer. Dentro de sua pequena bolha era bastante tranquilo. Sentia apenas uma vaga tristeza por não conseguir ser a pessoa que todo mundo obviamente esperava que ela fosse. Era nessa hora, quando sua cabeça ficava muito confusa, que tornava a adormecer. 

...

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Losing Your Memory - Soflin | Now United [Em Andamento 🔋]Onde histórias criam vida. Descubra agora