Quinta-feira
- Um novo surto viral é detectado pela primeira vez na cidade de Wuhan, China... - A TV está ligada quando chego a sala de estar. Mas não há ninguém assistindo.
A sala está vazia, os sofás com poltronas reclináveis, o carpete cor de marfim e a mobília de mogno com o que restou de uma tigela cheia de pipoca denunciam que seja quem for que estivesse aqui, acabou de sair, deixando a apresentadora do jornal falando sozinha, igual ao professor de infectologia na sala de aula. Ela está reportando o surgimento de uma nova doença. Nada fora do comum - meu professor disse certa vez que todo ano cerca de duzentas novas doenças surgem, cada uma tão perigosa quanto a outra. Mas a maioria some depois de aparecer, como foi o caso do Ebola.
Eu puxo o fio da tomada, desligando o aparelho televisivo.
Em outra ocasião, eu sentaria em frente a TV para ver o noticiário, mas, se fizer isso, irei me atrasar para encontrar a galera - que minha mãe chama de delinquentes juvenis - na lanchonete, e pretendo realizar o trajeto a pé. Por isso acordei cedo hoje, tomei um banho, escovei os dentes, vesti camisa e calças moletom, calcei o tenis branco de corrida, peguei os fones de ouvido e meu Samsung J5 pro, e já estava saindo pela porta no momento em que parei para desligar a televisão.
Agora permaneço parado onde fiquei, tentando imaginar se posso ou não ter esquecido alguma coisa. Estalo os dedos.
Deve ser a chave de casa! Mas, ao tocar o bolso, constato que ela está ali. Mesmo assim continuo com um estranho pressentimento de que estou esquecendo algo importante. Vamos lá, pense, o que pode ser? Mas nada me vem à cabeça. Sendo assim, dou de ombros e atravesso o cômodo, na ponta dos pés.
Encosto levemente a porta de casa ao sair, tomando cuidado para não acordar minha mamãe. Ela não pode dar por minha falta até eu estar longe, senão passarei por uma seção de interrogatório, no qual direi "onde estou indo", "com quem", "fazer o quê", seguido de uma reprimenda ao estabelecer meu horário de voltar. Mas, de qualquer forma, não adianta nada eu tentar evitar as perguntas na ida sendo que elas estarão esperando por mim na volta.
Seria mais fácil ir ao quarto dela para acordá-la e dizer exatamente para onde estou indo. Assim evitaria uma possível bronca, ou, mais provável, causaria uma. O que me impede, no entanto, de ser obediente a tal ponto é exatamente isso, o fato de ter a probabilidade de ela não me deixar sair, tendo em vista que ainda estou de castigo por conta da última vez que aprontei.
Por isso me apresso pela varanda. Assim que alcanço a rua asfaltada, porém, percebo, com desânimo e frustração, que esqueci a carteira em cima da minha cama.
Ah, então era isso... eu sabia que estava esquecendo de alguma coisa.
Retorno ao interior de minha casa, entro em meu quarto e pego a maldita carteira.
Ao me virar me deparo com minha mãe parada na porta de meu dormitório, com as mãos sobre a cintura, usando seu velho roupão de banho.
- Aonde você pensa que vai, mocinho? - indaga ela.
- Hum... Caminhar? - respondo, franzindo o cenho. - Aonde mais eu iria vestido como estou? - digo, passando por ela rumo ao corredor.
- E ia sair sem me dizer nada? - Ela questiona, me seguindo.
- E desde quando ir na esquina e voltar significa sair? É como tirar o lixo - meço cada uma de minhas palavras para acabar não culminando em algo que ela considere desrespeitoso, então ando o mais depressa possível para sair antes que ela me impeça.
Por algum motivo minha mãe para de me seguir e avisa:
- Se não estiver de volta aqui em uma hora eu irei atrás de você e farei você passar vergonha onde estiver!
- Uma hora... Mas...
- Basta! Você Já não estava de saída?
Bufo, frustrado, saindo pela porta da frente de casa - coisa que, daqui a alguns meses, não poderei fazer mais.Nota: No intervalo de dois dias estarei postando novos capítulos.
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Lockdown
Science FictionTodo mundo sabe o dia que começou, mas ninguém sabe quando vai acabar. O vírus veio da china e se espalhou por diversos países até chegar ao Brasil. E trouxe consigo outros problemas além da doença respiratória. Como a falta de equipamento e má infr...