Prólogo

121 13 51
                                    

Na noite mais fria do mês de Julho, em uma floresta densa e muito escura, o único som que se pôde ouvir foi a respiração acelerada de uma mulher que corria pela sua vida. Ela não sabia o por quê de estar sendo caçada, mas sabia que tinha que correr, e o mais rápido que conseguisse para sobreviver. Estava tão escuro que ela só conseguia sentir a textura dos troncos das árvores e a terra molhada embaixo dos seus pés. Não conseguia ouvir seus perseguidores, apenas o barulho de aves e de galhos quebrando em meio a sua corrida.

Seu coração batia tão rápido que ela tinha a impressão de que a qualquer momento poderia sair de seu peito. Seus pulmões queimavam com o esforço. Isso era culpa sua por ser tão sedentária. Ela se lamentava por não seguir os conselhos de sua amiga e ir correr no parque. Se lembrou da sua amiga: "Ahh, ela com certeza vai ficar louca de preocupação", ela pensou enquanto desviava de uma ou duas árvores.

Ela se martirizava por ter sido tão burra e ter caído nessa cilada. Desde criança era alertada para que não se aproximasse de carros de pessoas estranhas, e agora, aqui estava ela sendo largada numa floresta no meio da pior noite por dois psicopatas, dizendo pra ela correr. Ela rogava aos céus para que a ajudassem. "Por favor, Deus, me ajude! Faça alguém aparecer!" Mas não obtinha resposta. E o que ela tava esperando? Nunca foi de rezar, e agora achara que, do nada, um milagre iria acontecer? Se nem mesmo ela conseguia ver o céu, imagina se alguém veria ela aqui embaixo, toda desgrenhada correndo feito uma louca.

Parou por um momento. Precisava respirar. Seus braços e pernas estavam sangrando e ardendo por causa dos galhos e tinha lama até o meio das canelas. O seu vestido tinha um rasgo enorme bem na frente; "Poxa! Era o meu vestido preferido". Mas o que era um vestido em comparação a sua vida que estava correndo perigo?

E então, ela ouviu um galho se partir. Eles estavam se aproximando. Ela teria que voltar a correr mesmo com todas as dores que sentia em seu corpo naquele momento. Sabia que não sobreviveria, era óbvio. Os loucos pareciam preparados tanto física quanto psicologicamente. Eles conheciam aquela floresta, e provavelmente ela não era a primeira vítima deles; era apenas mais uma na sua lista de caça, e tão logo não seria a última. Ela morreria ali, no meio do nada, sem ninguém que a ama, e sem ter amado ninguém. Não havia dado tempo de ter se apaixonado perdidamente, de ter se casado e ser mãe de duas lindas crianças como, era o seu sonho. Isso a entristecia tanto que seus olhos começaram a lacrimejar. Contudo, ela não podia chorar agora. Ela tinha que se salvar para realizar todos aqueles sonhos.

Enquanto corria ela ouviu uma voz que a fez estremecer por completo.

– Corra, Ovelhinha! Corra o mais rápido que puder, ou nós vamos te pegar. E você não vai gostar nada do que vai acontecer... – Disse a voz grave e assustadora que arrepiou toda a sua espinha.

Eles estavam perto, e ela já não tinha mais forças pra correr, muito menos pra lutar. Ela entregaria os pontos! Seria covarde antes morrer logo ao invés de ficar nessa tortura. Eles queriam um animal e ela não se prestaria a esse papel; acabaria com o joguinho deles nesse momento.

Quando parou pensando em se entregar, sentiu um pingo de água frio o bastante pra fazer os pelos do seu corpo se arrepiarem, caindo em sua testa. E logo tudo que sentia, ouvia e via era a chuva forte caindo ao seu redor, além do som da esperança reverberando em seu corpo. E então pensou que teria uma chance. Havia visto em algum canal de TV que a chuva dificultava a caça, encobria as pegadas, e disfarçava o cheiro. O barulho da chuva era alto o bastante para ela ficar "invisível". Então ela correu novamente pensando que finalmente Deus estava respondendo as suas preces.

Por conseguinte, começou a fazer promessas que, se  saísse viva daquele lugar, iria à igreja todo domingo, participaria de eventos de caridade, e faria tudo para agradecer a Deus por tê-la salvo. Ela só tinha esquecido de um pequeno detalhe: com a chuva a lama fica pior, mais escorregadia, e isso não ajudaria em nada na sua pequena maratona pela vida. Porém, desistir não era uma opção no momento, então correria de qualquer jeito, mesmo que precisasse das mãos pra isso.

Em um momento de distração, ela escorregou e caiu de costas no chão lamacento. Olhou para cima na esperança de que houvesse alguma luz, mas só o que enxergava era as copas das árvores, que eram tão grandes e com tantas folhagens que malmente dava pra ver o céu. Mesmo assim sentia a chuva em seu rosto. E naquele escuro, no meio da lama, com nada além do barulho da chuva ao seu redor, ela os ouviu; eles estavam tão perto quanto estavam na primeira vez que os viu, antes de sua vida começar a passar diante dos seus olhos.

– Nós estamos te ouvindo, Ovelhinha. Estamos sentindo o seu cheiro! – Sibilou um de seus algozes.

– Não acredito que você já está cansada. Nós mal começamos! – Comentou o segundo com um tom de escárnio.

- ME DEIXA EM PAZ! - Bradou a mulher com raiva. Ela não podia acreditar que mesmo com aquela chuva eles ainda estavam tão perto assim. Achou que tinha os despistado – O QUE VOCÊS QUEREM DE MIM?

– Você ainda não entendeu?! – Indagou o homem mais velho, deixando o desapontamento transparecer em seu tom elevado de voz. A essa altura, eles já tinham a encontrado. Estavam frente a frente. Ela completamente suja de lama, e cansada de correr. Eles com a aparência de quem tinha andado apenas alguns quarteirões. Realmente não entendia o porquê daquilo tudo, já que só se lembrava de parar para dar algumas informações e depois tudo apagou. Agora ela estava de frente com dois lunáticos que a perseguiram floresta a dentro. E, com um sorriso macabro no rosto ele prosseguiu. – Você é a nossa presa, e nós estamos famintos.

E então, a última coisa que a pobre mulher viu foram olhos vermelhos sem brilho algum, onde a única coisa que conseguiu enxergar, naquela escuridão, e antes de seu triste fim, foi o vazio das almas de seus assassinos. Naquele instante, teve certeza de que não, Deus não estava ali com ela. Naquele momento, no seu último momento em vida, outros seres estavam, e não teriam misericórdia dela.

Heranças de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora