Capítulo 1 - A quarta-feira

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Thomas vai na frente, como sempre. Um homem do tamanho dele esbarrando nas pessoas é a coisa mais comum do mundo. Além disso, é muito mais fácil minhas mãos pequenas deslizarem por dentro dos bolsos dos casacos alheios sem serem percebidas do que as dele. Sou mais rápida, mais silenciosa. Uma ladra perfeita.

E é assim que acontece. Meu irmão escolhe um homem engravatado. Os sapatos tão encerados que eu quase podia ver meu reflexo nele, o terno era de grife, possivelmente sob medida. Aquele terno podia alimentar minha família inteira por um dia, mas para ele era só mais uma muda de roupa, ele deveria ter até mais de um deles. Provavelmente classe quatro, dos advogados. Thomas esbarra nele.

- Mil desculpas, senhor. – Ele pede, encostando no ombro do homem. É a minha hora.

- Olha por onde anda, neguinho – O rapaz diz, me fazendo ter vontade de roubar mais que a sua carteira. Coloco a mão em seu casaco, puxando a carteira para fora. Ando apressada, como se nada tivesse acontecido, até o beco da esquina.

- Desculpe novamente. – Ouço Thomas dizer.

Abro a carteira. Nenhuma foto dos filhos, ou família. Tiro os documentos deixando em baixo de uma pedra. Tomo o cuidado de mexer em tudo com luvas. Nunca se sabe quando um maluco paranoico vai querer checar as digitais e encontrar dois pobretões para cortar a cabeça. Os guardas amam ter alguém para quem apedrejar.

Em Althea, a punição por roubo, de qualquer espécie, é a morte. Para o governo pouco importa se foi o roubo de uma caneta ou um milhão de dólares. É contra a lei, você sabia disso e por isso sua cabeça vai ser decepada em praça pública.

Há mais de oitenta anos, uma série desenfreada de crises ambientais aconteceram. Começou com uma queimada aqui e ali, uma falta de água, falta de comida e então uma quantidade absurda de governantes burros tomou o poder e mais uma quantidade absurda de pessoas fazendo merda fizeram com que os vampiros rompessem o que chamávamos de névoa.

A névoa nada mais era do que uma ilusão. Vampiros viviam nas sombras, de forma que nós, humanos comuns, fomos levados a acreditar que eles nunca existiram de fato. Até, é claro, o incidente, onde eles derrubaram o governo, criando um novo só para eles. Agora somos divididos em classes, cada um com sua profissão. Mas, somente eles podem fazer parte das classes mais altas. Não passamos de meros peões, lanchinhos que eles podem pegar quando quiserem.

É claro que eles dizem que qualquer um pode ser um deles, se merecer. Mas a verdade é que nunca vi ninguém conseguir. E nem minha mãe. E, provavelmente nem meus avós se ainda estivessem vivos.

- Quanto conseguimos? – Thomas pergunta, aparecendo no beco com um sorriso.

Meu irmão sempre fazia isso. Éramos tão oposto que nem parecíamos irmãos na maioria das vezes. Ele andava sempre sorridente e era tão bonito que fazia eu me sentir um saco de batatas. Minha mãe havia cortado seus cabelos ontem, mas ainda assim, ele conseguiu a façanha de deixá-los desarrumados, um charme especial.

Quando tínhamos sete anos, nosso pai foi pego roubando um pedaço de bolo em uma padaria para nosso aniversário. Não houve contestação. Para os guardas pouco importava se ele estava roubando por maldade ou se era para dar a duas crianças que trabalhavam feito loucos na roça e nunca tinham comido um pedaço de bolo na vida. Assim como pouco importava se a esposa tinha acabado de dar à luz novamente.

Vi a morte do meu pai, mesmo com minha mãe pedindo enlouquecidamente para eu não olhar. Eu vi quando sua cabeça foi arrancada de seu corpo pela guilhotina do rei. Mas, principalmente, vi os olhos vermelhos do guarda me encarando e seu sorriso macabro como se achasse que uma cabeça dependurada tinha uma certa beleza.

Sangue e LiberdadeOnde histórias criam vida. Descubra agora