4 - Vida que segue

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Quando somos feridos com uma perda importante, custamos para recuperar da imensa dor que essa perda nos causa. Ela vem em diferentes intensidades, depende da importância do ser na sua vida.

Por mais que prometemos ser forte, não conseguimos cumprir com a nossa própria palavra.

Já se passram pouco mais de dois meses, e eu ainda não havia voltado ao normal. Eu nunca voltei, para falar a verdade. Tudo quanto era festa entre os colegas de escola, amigos pessoas e até mesmo de alguns parentes próximos eu evitava. Eu não saia de casa pra nada, apenas para ir à escola. Meu quarto havia se tornado a minha prisão, na qual eu nunca esperei por um advogado que me tirasse de lá. Estava deitado em minha cama, quando vi a porta abrir com tudo. Uma Ana passou por ela rapidamente, e me obrigou a levantar da cama.

- Levanta daí, anda anda anda - disse levantando meu corpo.

- O que está acontecendo aqui? - questionei e Clara apareceu na porta.

- Não conseguimos evitar, Tom. Ela veio com toda fúria do mundo, nem o Henrique conseguiu parar ela - esclareceu Clara, enquanto Ana trocava minha blusa. Estava ouvindo a voz alterada de Henrique, que já estava se aproximando - acho que você está um pouco encrencada, Ana - Clara alertou, sem jeito.

- Pois que venha ele, a mãe, a polícia, o exército brasileiro, o presidente do Brasil, quem vocês quiserem trazer aqui. Ele vai sair comigo e vai ser hoje - eu respirei fundo, e dei uma leve risada. Henrique apareceu na porta, e me viu sorrindo. Ele me encarou por alguns segundos, e entrou no quarto dando bronca na Ana.

- Você não pode fazer isso, sua louca. Não está vendo que ele não está bem?

- Pelo amor de Deus, o garoto parece aquelas pessoas loucas que ficam internadas em hospícios. Olha para a cara dele - nessa hora eu me encarei no espelho do meu guarda roupas, que ficava de frente para a minha cama, a uma distância de 2 metros e meio. E realmente, eu estava horrível - estamos indo para a última semana de provas, e o Tom faltou essa semana toda - puta merda, a escola - eu não vou deixar que um dos melhores alunos da sala perca um ano por causa de um... - ela não conseguiu falar. Todos sabíamos do que ela estava falando, então eu completei.

- Luto.

- Sim, então você vai levantar dessa cama, vai se arrumar e vamos estudar tudo aquilo que você perdeu na escola - disse ela me empurrando da cama. Levantei meio desnorteado, e fui procurar uma roupa leve no guarda roupas - só assim mesmo pra fazer você sair de casa, pelo amor.

- Ana, você e todo mundo, tem que respeitar o tempo dele. Você não pode agir assim de repente - Henrique voltou a falar, mais tranquilo.

- Se não fosse eu, seria quem? - ele ficou calado. Ao ouvir isso, sorri de canto de boca, me virei e a agradeci.

- Obrigado - Henrique me encarou. A expressão no seu rosto era de derrota. Acho que entendo o que ele está sentindo.

- Não agradeça, migo. É mais que minha obrigação. Vá tomar um banho que você não tá com um cheiro agradável - disse abanando o nariz, fazendo com que todos que estivessem ali a repreendesse - o que foi? Só falo verdades - cheirei a blusa que ela havia tirado do meu corpo, e realmente estava com um odor desagradável. Eles perceberam a minha cara e riram. Bufei e fui tomar meu banho.

Henrique

Não vou mentir que fiquei chateado com o que acabou de acontecer. Nesses 2 meses eu tentei fazer de tudo para que ele saísse daquele quarto, mas tudo ia em vão, até mesmo no seu aniversário. E de repente, tão de repente, uma pessoa de fora vem e com apenas uma ordem, tira ele do próprio quarto sem um pingo de esforço sequer. Foi sim um esforço em vão.

Sentei numa cadeira que havia no quarto, apoiei os cotovelos nos joelhos e o rosto nas mãos.

"Eu não devia estar desmerecendo o trabalho que ela teve, pelo menos ela conseguiu" pensei.

- Eu ainda não entendo como ele te obedeceu, Ana - disse Clara, surpresa.

- Alguém precisava fazer alguma coisa, sei lá - ouvir isso fez com que meu estresse fosse ao extremo.

- Mas que merda, como se eu não tivesse tentado todos os dias, e ele sempre agisse da mesma forma. Sinceramente, eu não entendo ele. A primeira pessoa que aparece aqui, que não seja da família, o chama pra sair e ele vai sem falar absolutamente nada. Ele esteve sofrendo esse tempo todo, e eu também, mas eu me esgotei ao máximo, pois eu sempre estive aqui, do lado dele, e nada adiantava. Eu realmente não entendo.

Ficamos calados por um certo tempo. Não sei se era raiva, decepção comigo mesmo, ou tudo junto, que fizeram com que eu falasse dessa forma, mas sabia que estava sendo injusto com ela. Respirei fundo, e agradeci.

- Obrigado, você conseguiu fazer o que não conseguimos.

- Não há de que, é o que os melhores amigos fazem pelos outros, não é mesmo? - disse ela vindo me abraçar. Apenas deixei, não queria, mas deixei.

- Verdade, ele gosta muito de você - limitei a dizer apenas isso.

- Henrique, Henrique... tem muita coisa sobre o Tom que você ainda não sabe - olhei pra ela com dúvida - espero que nao demore tanto pra conhecê-lo melhor - ela se retirou do quarto, passando por Clara. Tocou no ombro dela e a cumprimentou, com um gesto com a cabeça, e desceu para a sala.

- O que ela quis dizer com isso? Você sabe de alguma coisa que eu não sei? - questionei ela, enquanto ela se aproximava de mim.

- O Tom é um garoto muito sentimental, Henrique. Muitas vezes ele se sente frágil, por qualquer coisa. Ele se lembra de muitas coisas do passado, e isso faz com que ele se defenda de muitas coisas. Espero que você entenda o que eu estou querendo dizer - ela deu um beijo na minha testa, e saiu do quarto.

Eu apenas deixei as lágrimas escorrer pelo meu rosto. Eu não tive culpa por tudo que aconteceu comigo, ninguém queria que as coisas acontecessem daquele jeito. Nem sempre a vida é perfeita, a minha nunca foi, só quando eu e Tom não passávamos de amigos. Relembrar o meu passado era doloroso, sempre que eu lembrava de algo, lembro da imagem do rosto da minha mãe, do meu pai, de pessoas estranhas que nos fizeram mal. Quando eu lembrava de tudo, eu saia de casa para me drogar. Não exagerava no uso por saber que iria me fazer mal, mas usava o suficiente pra amenizar a dor que as lembranças me traziam.

Vida que segue, a frase que não fez efeito em minha vida, mas que sempre fingi ter surtido efeito.

Levantei da cadeira, e saí do quarto em direção a rua, em busca daquilo que me trouxesse alívio.

Império: O amor vence barreiras (Romance Gay) (Em Revisão)Onde histórias criam vida. Descubra agora